quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Correio Popular de Campinas


Publicada em 11/8/2010


Corações de pedra (1)

“Jesus foi para o Monte das Oliveiras: “...escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; E, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. (...) E, como insistissem (...) disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela. (...) Quando ouviram isto, redarguidos da consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos” E perguntou Jesus: “Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais. (Evangelho de João, 8).

“Qui sine peccato est vestrum, primus in illam lapidem mittat”. No caso do apedrejamento anunciado no Irã, precisamos examinar a lei que o sanciona. A lapidação por adultério foi instituída após o advento do Corão. No livro santo o castigo é menos severo do que no Levítico do Antigo Testamento. “As que cometem adultério entre vossas mulheres, deveis apresentar quatro testemunhas dentre vós contra elas. Se testemunharem, então deveis manter tais mulheres em suas casas até que morram, ou até que Deus crie uma saída para elas”. (Corão, 4:15). E também: “O casal que comete adultério deve ser punido. Se houver arrependimento e mudança, deveis deixá-los sozinhos. Deus é redentor, o mais misericordioso”. (Corão, 4:16).

No Paquistão de hoje ocorrem debates para saber se a lapidação seria castigo para o crime de adultério. Os enunciados em Shariat federal indicam que 100 chibatadas, sem lapidação, é a pena. Na Líbia são discutidos os castigos, com medidas diversas. (Disy Hilse Dwyer (ed): Law and Islam in the Middle East. New York, Bergin & Garvey. 1990).
No Irã a revolução afastou o corrupto e sanguinário Reza Pavlev. O povo festejou o retorno aos ditames religiosos integrais. Logo o clero mostrou rosto sombrio. Hoje o país sofre sob aiatolás e também é vítima de milícias truculentas. Na lei penal assumiu força a lapidação e outras penas brutais. A Constituição de 1979 manda que os juízes impeçam “a execução de qualquer decreto governamental, se for provado que ele é contrário à lei islâmica e a seus mandamentos”. Tal direito pode ser exercido por qualquer juiz ou corte inferior. Em Shiraz (1982) um clérigo sem jurisdição na cidade, e sem ler as evidências e anotações dos juízes locais, mudou penas de prisão, aplicadas por cortes competentes, em sentenças de morte, as executando. O magistrado que deu as primeiras sentenças reclamou com o líder máximo, Khomeini. Não atendido, pediu demissão. O caso se repetiu a cada novo dia.

Penas cruéis foram “aprimoradas” por Khomeini. Açoitar jovens em público, apedrejar adúlteras até a morte se transformou em hábito. No seu tratado Velayat-e-Faghih escreve Khomeini: “Punir um bebedor com oitenta chibatadas em público se justifica, porque a maioria de nossas calamidades como acidentes de trânsito, suicídios e vícios em drogas vêm à tona em instantes de embriaguez”. E argumenta: “apedrejar uma adúltera solteira é o método mais eficaz contra a fornicação, abominação e corrupção”. (Cf. Ruhullah Khomeini, Velayat-e-Faghih ou al-Hukumat al-Islamiyah (1974). Seleções do livro traduzidas por Tareq Y. Ismael: Iraq- Iran Conflict (Syracuse: Syracuse University Press, 1982). Para mais informações seja lido o espantoso
Spirit Matters: The Worldwide Impact of Religion on Contemporary Politics, Richard L. Rubenstein (ed.) (NY, Paragon House, 1987). E também Reformers and Revolutionaries in Modern Iran: New Perspecti ves on the Iranian Left. Stephanie Cronin (Ed.), NY, RoutledgeCurzon. 2004. Jesus e o Corão ensinam misericórdia. É nauseante ler cartas de leitores “cristãos” que julgam normal o apedrejamento de um ser humano. Seus corações são mais pétreos do que os objetos a serem jogados contra a carne frágil de Sakineh Mohammadi Ashtiani. Entendemos a causa de tantas mulheres serem espancadas, no Brasil: covardia impiedosa não tem crença ou lugar.