domingo, 15 de agosto de 2010

É preciso ler, meditar e examinar as razões (micrológicas) de Estado, adiantadas pelo Itamaraty.

São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2010



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OPINIÃO POLÍTICA EXTERNA

Dedo acusador pode render aplauso, mas raramente salva

Atuar com discrição é a expressão da natureza conciliadora do brasileiro

CELSO AMORIM
ESPECIAL PARA A FOLHA

Têm sido frequentes as críticas que apontam para uma suposta "indiferença" -ou mesmo "conivência"- da diplomacia brasileira diante de países acusados de violar os direitos humanos. Trata-se de um juízo equivocado.
O Brasil deseja para todos os demais países o que deseja para si -a democracia plena e o respeito aos direitos humanos, cuja consolidação e aperfeiçoamento têm sido uma das preocupações centrais do governo do presidente Lula.
Consideramos, entretanto, que as reprimendas ou condenações públicas a outros Estados não são o melhor caminho para obter esse resultado. Na verdade, escolher a intimidação em detrimento da persuasão é quase sempre ineficaz, quando não contraproducente.
O dedo acusador pode render aplausos ao dono, mas raramente salva o jornalista silenciado, o condenado à morte, o povo sem acesso à urna ou a mulher privada de sua dignidade. Isolar quem se quer convencer ou dissuadir é má estratégia.
Preferimos dar o exemplo e, ao mesmo tempo, agir pela via do diálogo franco -em geral, mais eficaz. No caso do Brasil, essa capacidade de atuar com discrição não é oriunda de algum talento excepcional; é a expressão, em nossas relações com outros Estados soberanos, da natureza conciliadora do povo brasileiro.

AGENDA
Ações desse tipo são bem menos visíveis do que a admoestação midiática exercida por alguns países contra um punhado de governos, selecionados de forma nem sempre criteriosa ou politicamente isenta. A escolha dos indigitados, além de obedecer a agenda política, muitas vezes revela preconceitos, ora religiosos, ora raciais.
Muitos dos países que se consideram modelares cultivam relações com regimes não democráticos, desde que isso corresponda a interesses econômicos ou estratégico-militares. Os exemplos são tantos que não podem escapar ao mais complacente dos olhares.
Além disso, alguns aplicam, eles próprios, a pena capital. Ou conferem tratamento desumano e degradante a trabalhadores imigrantes. Ou ainda transferem suspeitos sem julgamento para prisões secretas, em voos também secretos. Isso para não falar de ações militares unilaterais, à margem do Conselho de Segurança da ONU, que resultam em milhares de vítimas civis.
O Brasil considera que as referências específicas a outros Estados no campo dos direitos humanos devem ser feitas preferencialmente no âmbito do Mecanismo de Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH), que, aliás, nosso país ajudou a criar.
Ali se busca o tratamento não seletivo, objetivo e multilateral dos direitos humanos em todos os países-membros da ONU.
Em 2011, os métodos de trabalho do CDH serão revisados. Procuraremos aperfeiçoá-los para que o órgão se torne cada vez mais eficaz e para que possa trazer benefícios diretos àqueles que sofrem violações. Em matéria de direitos humanos, como já declarei diversas vezes, não há país que não tenha algo a ensinar, assim como não há país que não tenha algo a aprender.
No esforço de persuadir, o Brasil se vale da cooperação com organizações ou países da mesma região, que têm muito mais probabilidade de serem ouvidos do que, por exemplo, as ex-potências coloniais ou outras nações cuja ação é percebida como reflexo de arrogância e complexo de superioridade.
Destas, pode-se dizer, como na Bíblia, que percebem mais facilmente o cisco no olho do próximo do que a trave em seu próprio olho. Foi o que se revelou quando propusemos, na antiga Comissão de Direitos Humanos, resolução que enunciava que o racismo era incompatível com a democracia.
Tampouco é verdade que o Brasil se recuse a recorrer à condenação quando o diálogo se revela ineficaz.

SEM INDIFERENÇA
O acompanhamento cuidadoso, não movido por preconceitos, de nossas votações no CDH revela que estas estão longe de obedecer a um padrão uniforme e tomam em conta uma variedade de fatores. Muito recentemente, aliás, o Brasil apoiou resolução condenatória a um Estado que se negou a acolher recomendações que tinham por objetivo aperfeiçoar a situação dos direitos humanos no país.
Tampouco é demais lembrar que, por meio da ação multilateral e de projetos de cooperação, o Brasil tem ajudado concretamente na melhora da situação de direitos humanos -no Haiti, na Guiné-Bissau e na Palestina, para citar apenas alguns. As posições do Brasil são fruto de um conjunto bem menos simplório de considerações do que a enganosa dicotomia entre bons e maus.
O Brasil não é indiferente ao sofrimento daqueles que defendem liberdade de expressão ou de culto, dos que lutam pela democracia, dos que se insurgem contra discriminações de toda natureza.
Ao contrário, nossa diplomacia busca constantemente -sem alarde, sem interferências que geram resistências e ressentimentos, mas visando resultados efetivos- atuar em prol da universalização dos valores fundamentais da sociedade brasileira.


CELSO AMORIM é ministro das Relações Exteriores