Ótimo artigo extraordinariamente escrito por um economista "de direita", Alexandre Schwartsman. Pelo visto, já não se fazem economistas "de esquerda" como antigamente...
Em 1848 os fundadores do socialismo científico publicaram o Manifesto Comunista, o qual se tornou referência obrigatória para os comunistas e sociais-democratas nas décadas seguintes e durante todo século XX. "Nas antigas", era muito citada a famosa passagem referida ao "comitê executivo da burguesia":
“A burguesia, desde o estabelecimento da indústria moderna e do mercado mundial, conquistou finalmente a soberania política no Estado representativo moderno. O Governo do Estado moderno é apenas um comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia”.
No poder, $essi aggiornarano$ :)
Eu até poderia me surpreender, mas, como economista trabalhando no Brasil há mais tempo do que quero confessar, sinto que não tenho este direito. Mesmo assim, quando líderes empresariais vêm a público pedir o fechamento da economia brasileira às importações, bate uma sensação que beira a desesperança. Depois de anos de uma bem-sucedida (ainda que limitada) experiência de aumento da integração comercial do país, resta ainda quem abertamente defenda o retorno à situação que vivemos por mais de 50 anos, cujos resultados foram estagnação da produtividade, baixo crescimento e elevação da concentração de renda.
O caso mais patológico foi, é claro, a malfadada política de reserva de mercado para informática, proposta por expoentes da corrente ironicamente autodenominada “desenvolvimentista”, que gerou uns poucos ricos às expensas de consumidores e empresas obrigados a pagar por produtos de baixa qualidade preços muito superiores aos praticados no exterior.
Todavia, este é apenas o exemplo mais doentio do caso do amor da indústria nacional com o protecionismo. Há meros 20 anos as importações equivaliam a 5,5% do PIB, dos quais quase a metade correspondia a petróleo e derivados, cuja produção doméstica era insuficiente. Sob tais circunstâncias, os incentivos para inovação eram mínimos e, consequentemente, o crescimento da produtividade foi medíocre, quando não negativo.
Dado, porém, que é precisamente o aumento da produtividade o fator crucial para a expansão sustentada do produto ao longo de muitos anos, também não se estranha o baixo dinamismo da economia brasileira por mais de 20 anos, que coincidiu, não por acaso, com o fim do processo de urbanização do país.
Por fim, a restrição às importações também permitiu a elevação das margens de lucro dos setores protegidos, cuja contrapartida é a redução do salário real. Posto de outra forma, a proteção beneficiou os setores intensivos em capital, implicando elevação do retorno sobre este à custa da redução do rendimento do trabalho, ou seja, maior concentração de renda.
E é a este estado de coisas que alguns pretendem retornar, justificando, para tanto, que a elevação das importações teria prejudicado o crescimento da produção local. Isto no contexto de elevação da produção industrial superior a 16% e um provável aumento do PIB na casa dos 9% na primeira metade do ano.
De fato, caso nossas projeções para as contas nacionais estejam corretas, a demanda doméstica deve ter crescido cerca de 10% no primeiro semestre, ou um pouco mais que R$ 150 bilhões (a preços de 2010). Já as importações medidas em reais, deduzindo combustíveis, cresceram (também a preços de 2010) em torno de R$ 35 bilhões, um aumento de 30%, valor consistente com a experiência dos últimos anos. Em outras palavras, mais de três quartos do crescimento da demanda doméstica foram atendidos pela produção local.
Isto se traduziu em forte redução da ociosidade na economia. No segundo trimestre deste ano, por exemplo, o nível de utilização de capacidade na indústria atingiu 82,7%, nível superado, por pouco, apenas no período entre o quarto trimestre de 2007 e o terceiro de 2008. Já a taxa de desemprego caiu abaixo de 7% no último trimestre, o valor mais baixo da série. Ambas as observações sugerem que a economia se encontra bastante próxima ao seu limite e que, portanto, as importações desempenham papel crucial para complementar a oferta doméstica num quadro de elevada demanda interna.
Se isto é verdade, o que poderia explicar este acesso de nostalgia? Quero crer que não seja um caso de sadismo, que sente saudade da estagnação e da queda do salário real. Provavelmente, não deve ser mais do que a percepção que as importações limitam bastante o poder de certas indústrias de impor seus preços; é ruim para seus lucros, mas muito bom para o Brasil.
O caso mais patológico foi, é claro, a malfadada política de reserva de mercado para informática, proposta por expoentes da corrente ironicamente autodenominada “desenvolvimentista”, que gerou uns poucos ricos às expensas de consumidores e empresas obrigados a pagar por produtos de baixa qualidade preços muito superiores aos praticados no exterior.
Todavia, este é apenas o exemplo mais doentio do caso do amor da indústria nacional com o protecionismo. Há meros 20 anos as importações equivaliam a 5,5% do PIB, dos quais quase a metade correspondia a petróleo e derivados, cuja produção doméstica era insuficiente. Sob tais circunstâncias, os incentivos para inovação eram mínimos e, consequentemente, o crescimento da produtividade foi medíocre, quando não negativo.
Dado, porém, que é precisamente o aumento da produtividade o fator crucial para a expansão sustentada do produto ao longo de muitos anos, também não se estranha o baixo dinamismo da economia brasileira por mais de 20 anos, que coincidiu, não por acaso, com o fim do processo de urbanização do país.
Por fim, a restrição às importações também permitiu a elevação das margens de lucro dos setores protegidos, cuja contrapartida é a redução do salário real. Posto de outra forma, a proteção beneficiou os setores intensivos em capital, implicando elevação do retorno sobre este à custa da redução do rendimento do trabalho, ou seja, maior concentração de renda.
E é a este estado de coisas que alguns pretendem retornar, justificando, para tanto, que a elevação das importações teria prejudicado o crescimento da produção local. Isto no contexto de elevação da produção industrial superior a 16% e um provável aumento do PIB na casa dos 9% na primeira metade do ano.
De fato, caso nossas projeções para as contas nacionais estejam corretas, a demanda doméstica deve ter crescido cerca de 10% no primeiro semestre, ou um pouco mais que R$ 150 bilhões (a preços de 2010). Já as importações medidas em reais, deduzindo combustíveis, cresceram (também a preços de 2010) em torno de R$ 35 bilhões, um aumento de 30%, valor consistente com a experiência dos últimos anos. Em outras palavras, mais de três quartos do crescimento da demanda doméstica foram atendidos pela produção local.
Isto se traduziu em forte redução da ociosidade na economia. No segundo trimestre deste ano, por exemplo, o nível de utilização de capacidade na indústria atingiu 82,7%, nível superado, por pouco, apenas no período entre o quarto trimestre de 2007 e o terceiro de 2008. Já a taxa de desemprego caiu abaixo de 7% no último trimestre, o valor mais baixo da série. Ambas as observações sugerem que a economia se encontra bastante próxima ao seu limite e que, portanto, as importações desempenham papel crucial para complementar a oferta doméstica num quadro de elevada demanda interna.
Se isto é verdade, o que poderia explicar este acesso de nostalgia? Quero crer que não seja um caso de sadismo, que sente saudade da estagnação e da queda do salário real. Provavelmente, não deve ser mais do que a percepção que as importações limitam bastante o poder de certas indústrias de impor seus preços; é ruim para seus lucros, mas muito bom para o Brasil.
O Conselho da Fiesp em momento descontraído (mas, se pensar em protecionismo, por favor se reprima)
(Alexandre Schwartsman. FSP, 18/Ago/2010)