EUA estão próximos de um colapso político
-
Alan Simpson, co-presidente de uma comissão especial para redução do déficit nos EUA
O ex-senador Alan Simpson é uma pessoa muito séria. Ele deve ser –afinal, o presidente Barack Obama o nomeou co-presidente de uma comissão especial para redução do déficit.
Isto é o que o muito sério Simpson disse na sexta-feira: “Eu mal posso esperar pelo banho de sangue em abril. (...) Quando a dívida chegar ao limite, eles olharão ao redor e dirão: ‘Que raios faremos agora? Nós temos pessoas que não aprovarão a ampliação do limite da dívida a menos que dermos para eles um grande pedaço de carne”, falando de cortes de gastos. “E o banho de sangue será extraordinário”, ele continuou.
Pense no desejo de sangue de Simpson como mais uma evidência de que nosso país está em um pior estado, mais próximo de um colapso político, do que a maioria das pessoas percebe.
Uma explicação: há um limite legal para a dívida federal, que deve ser elevado periodicamente caso o governo continue incorrendo em déficits; o limite será atingido novamente em abril. E como ninguém, nem mesmo o mais linha-dura dos falcões do déficit, acha que o orçamento conseguirá ser equilibrado imediatamente, o limite da dívida precisa ser elevado para evitar uma paralisação do governo. Mas os republicanos provavelmente tentarão chantagear o presidente a fazer concessões, mantendo na prática o governo como refém; eles já fizeram isso antes.
Você poderia pensar que a perspectiva de um impasse como esses –que poderia negar serviços essenciais a muitos americanos, causar caos nos mercados financeiros e minar o papel dos Estados Unidos no mundo– poderia preocupar todos os homens de boa vontade. Mas não, Simpson “mal pode esperar”. E ele é o que se passa, atualmente, por um republicano razoável.
O fato é que um dos dois grandes partidos políticos americanos deixou claro que não tem nenhum interesse em deixar os Estados Unidos governável, a menos que seja ele a governar. E agora esse partido controla uma casa do Congresso, o que significa que o país não é governável sem a cooperação do partido –cooperação que não virá.
A opinião da elite tem demorado a reconhecer essa realidade. Assim, no mesmo dia em que Simpson se alegrou com a perspectiva de caos, Ben Bernanke, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), apelou por ajuda no combate ao desemprego de massa. Ele pediu por um “programa fiscal que combine medida de curto prazo, para aumentar o crescimento, com medidas fortes, para aumentar a confiança, visando reduzir os déficits estruturais a longo prazo”.
Meu pensamento imediato foi, por que não pedir também um pônei? Afinal, o Partido Republicano não está interessado em ajudar a economia enquanto um democrata estiver na Casa Branca. De fato, longe de estarem dispostos a ajudar nos esforços de Bernanke, os republicanos estão tentando intimidar o próprio Fed a desistir totalmente de tentar reduzir o desemprego.
E em assuntos fiscais, o programa republicano faz quase exatamente o oposto do que Bernanke pede. Por um lado, os republicanos são contrários a praticamente tudo o que poderia reduzir os déficits estruturais: eles exigem que os cortes de impostos de Bush se tornem permanentes enquanto combatem demagogicamente esforços para limitar o aumento dos custos do Medicare (o seguro saúde público para idosos e inválidos), que são essenciais para qualquer tentativa de colocar o orçamento sob controle. Por outro lado, os republicanos são contrários a qualquer coisa que possa ajudar a sustentar a demanda em uma economia deprimida –mesmo ajuda às pequenas empresas, que o partido alega amar.
No momento, em particular, os republicanos estão bloqueando uma ampliação do seguro-desemprego –uma ação que causará tanto dificuldades imensas às pessoas como retirará poder aquisitivo de uma economia já fraca. Mas não há sentido em apelar ao lado bom de sua natureza; os Estados Unidos não funcionam mais assim.
E a oposição pelo bem da oposição não se limita apenas à política econômica. Costumavam dizer que a política termina à beira d´água –mas isso é coisa do passado.
Atualmente, especialistas em segurança nacional estão arrancando seus cabelos diante da decisão dos republicanos do Senado de bloquear um tratado de armas estratégicas desesperadamente necessário. E todo mundo sabe que esses republicanos se opõem ao tratado não devido a objeções legítimas, mas simplesmente por ser uma iniciativa do governo Obama; se sabotar o presidente colocar o país em risco, que assim seja.
Como isso vai acabar? Obama ainda fala em um diálogo bipartidário e, se conseguir cavar o suficiente, talvez possa evitar uma paralisação do governo federal em abril. Mas qualquer respiro seria apenas temporário, já que os republicanos não estão interessados em ajudar um governo democrata.
Eu sinto que a maioria dos americanos ainda não entende essa realidade. Eles ainda imaginam que no momento crucial, nossos políticos se unirão e farão o que é necessário. Mas esse foi um outro país.
É difícil ver como a situação pode ser resolvida sem algum tipo de grande crise. Simpson poderá ou não ter o banho de sangue que deseja em abril, mas correrá sangue cedo ou tarde. E só podemos esperar que o país que sairá disso seja um que ainda possamos reconhecer.
Paul Krugman
Professor de Princeton e colunista do New York Times desde 1999, Krugman venceu o prêmio Nobel de economia em 2008