quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Folha de São Paulo.

18/11/2010 - 17h33 / Atualizada 18/11/2010 - 18h26

Acusado por morte de Celso Daniel é condenado a 18 anos de prisão

Rosanne D'Agostino
Do UOL Notícias
Em Itapecerica da Serra (SP)

Quase nove anos após o crime, sete jurados decidiram nesta quinta-feira (18) condenar o primeiro réu no caso do assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel. O réu Marcos Roberto Bispo dos Santos, deverá cumprir 18 anos de prisão por homicídio duplamente qualificado em julgamento no Fórum de Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo.

Cinco mulheres e dois homens decidiram que Bispo participou do assassinato, conduzindo o veículo utilizado durante o sequestro de Daniel, encontrado morto com oito tiros em uma estrada de Juquitiba, interior paulista, em 20 de janeiro de 2002. Seis outros acusados ainda irão a júri pelo homicídio, entre eles, o considerado mandante, Sérgio Gomes da Silva, o Sombra.

Os jurados acolheram integralmente os argumentos da acusação. Para dosar a pena, o juiz entendeu que não houve agravantes ou atenuantes, mas considerou que Celso Daniel sofreu desnecessária privação de liberdade. Além disso, disse que a sentença “somente realça” a necessidade da prisão preventiva do acusado.

O magistrado fez questão de afirmar que reconhece o poder investigativo do Ministério Público, previsto na Constituição Federal, refutando os argumentos da defesa, que também é questionado no STF (Supremo Tribunal Federal) por Sombra. “Seria um contra-senso não se entender que o MP não tem poderes para instruir a ação penal”, afirmou.

O juiz disse ainda ser “inevitável” dizer que o processo demorou, mas defendeu que “não se pode dizer que não houve esforço do Poder Judiciário”. Ele classificou a ação de “pesadelo para qualquer magistrado”, já que corre em diversas cidades e as investigações geraram o aditamento da denúncia, com novos réus.

Bispo, que está com a prisão preventiva decretada desde sexta-feira (12) por não ter sido encontrado para comparecer ao julgamento, é considerado foragido. Se decidir se entregar, terá de cumprir o restante da pena em regime fechado. Do contrário, deve figurar no rol de procurados no Estado. Ao todo, ele já passou cerca de oito anos na prisão.

O julgamento

O júri teve início diretamente pelos debates, às 10h30, depois que a defesa abriu mão da única testemunha que deveria ser ouvida. O veredicto foi lido pelo juiz Antonio Augusto Galvão de França Hristov, da 1ª Vara de Itapecerica, que também dosou a pena. Pelas novas regras do júri, o resultado da votação é sigiloso.

O júri pode ser decisivo para os demais acusados pelo crime. Bispo poderá recorrer da condenação ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Os jurados entenderam que o crime foi praticado por motivo torpe, almejando recompensa, e com emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, qualificadoras que aumentaram a pena, que vai de 12 a 30 anos para homicídio doloso.

Os debates

O promotor Francisco Cembranelli afirmou que Celso Daniel morreu porque pretendia deter o enriquecimento pessoal, fruto de corrupção, dos envolvidos em um escândalo de fraude e propina na Prefeitura de Santo André (SP). Segundo ele, o prefeito era conivente com os desvios até o momento em que os envolvidos passaram a enriquecer às custas das propinas, e não só a abastecer os caixas do Partido dos Trabalhadores. O promotor negou se tratar de um crime comum. “Para aqueles que almejavam o enriquecimento ilícito, Celso Daniel passou a ser um estorvo”, disse.

Em seguida, Adriano Marreiro dos Santos, advogado do réu, defendeu a primeira versão apresentada pela Polícia Civil, de que Celso Daniel teria sido morto por engano, após uma ordem mal interpretada por um dos comparsas da quadrilha que o sequestrou. “A polícia até hoje descredita as investigações do Ministério Público”, atacou. Ele baseou a defesa nas divergências entre policiais e promotores. Durante a fase de investigações, as duas hipóteses foram aventadas para explicar a morte de Daniel.

Histórico

O ex-prefeito foi encontrado morto em 20 de janeiro de 2002, em uma estrada de terra em Juquitiba (SP), com marcas de tortura e alvejado por oito tiros. Ele havia sido sequestrado dois dias antes. Celso Daniel e o assessor Sérgio Gomes da Silva, conhecido como Sombra, haviam jantado em um restaurante em São Paulo e voltavam para Santo André em uma Pajero blindada.

No caminho, o carro foi interceptado, e o prefeito foi levado por sete homens armados. Para o Ministério Público, o sequestro foi simulado pelo empresário, que encomendou a morte do amigo. Gomes da Silva, que responde em liberdade, nega a acusação e afirma também ter sido vítima.

Envolvidos no caso foram mortos ao longo da investigação. Por medo de represálias, familiares de Celso Daniel se mudaram para a França. Em abril, o irmão do ex-prefeito, Bruno José Daniel Filho, reclamou, em carta, da demora no julgamento, que só foi determinado em março deste ano.

Também são acusados pelo crime, sem previsão de julgamento porque aguardam recurso, José Edson da Silva, Elcyd Brito, Ivan Rodrigues (o Monstro, apontado como chefe da quadrilha), Itamar dos Santos e Rodolfo Rodrigo Oliveira. A ação contra Sombra corre separada, por homicídio triplamente qualificado.

Todos estavam presos desde 2002. Em março, o STF (Supremo Tribunal Federal) concedeu habeas corpus a três réus em razão da demora no processo. Apenas Marcos Roberto Bispo dos Santos foi solto, já que os outros tinham prisões decretadas por outros crimes. Elcyd fugiu do CPP (Centro de Progressão Penitenciária) de Pacaembu (603 km de São Paulo) em agosto.

Envolvidos que morreram ao longo das investigações

Dionísio Aquino Severo - Suposto sequestrador de Celso Daniel e uma das principais testemunhas no caso, foi morto por uma facção rival antes de ser ouvido sobre o crime
Sergio 'Orelha' - Teria escondido Dionísio após o sequestro. Foi fuzilado em novembro de 2002
Otávio Mercier - Investigador da Polícia Civil que telefonou para Severo na véspera da morte de Daniel, foi morto a tiros em sua casa
Antonio Palácio de Oliveira - O garçom que serviu Celso Daniel na noite do crime morreu em fevereiro de 2003 após ser perseguido em sua moto
Paulo Henrique Brito - Testemunhou a morte do garçom e foi morto com um tiro nas costas, 20 dias depois
Iran Moraes Redua - O agente funerário foi o primeiro a identificar o corpo de Daniel e chamou a polícia. Morreu com dois tiros em novembro de 2004
Carlos Alberto Delmonte Printes - Médico-legista que constatou indícios de tortura ao examinar o corpo de Daniel