sexta-feira, 26 de novembro de 2010

De Rerum Natura.

Por artigos como o abaixo, dá mesmo vontade de sair daqui e voltar ao ventre da pátria mãe, Portugal. Aqui, os escritores que valem, não valem. E os demais, falam banalidades românticas do século 19 sobre os miseráveis e quejandos, conseguindo assim grana e postos na escala "acadêmica". Faz bem ler coisas que levam ao pensamento, pouco importa a sua "veracidade", "factibilidade" e quejandos. Seguir as linhas abaixo consola e alegra, com forte pitada de tristeza. Sim, acabaremos, um dia, no puro nada. Será mesmo um fim? Talvez. Até lá, os que apertam como se muita certeza tivessem, um pedaço de matéria e a imaginam sólida...nada direi sobre eles. Consola o dito de Einstein:"Das ewig Unbegreifliche and der Welt ist ihre Begreiflichkeit" (O eterno incompreensível sobre o mundo é ser ele compreensível).

Sobre o tema, ver o bonito livro de Gregory Chaitin : Metamat! Em busca do Ômega (São Paulo, Ed. Perspectiva, 2009).



Sexta-feira, 26 de Novembro de 2010

INTERVALO CRESCENTE




Crónica escrita a partir do poema "Máquina do Mundo", de António Gedeão (in Máquina de Fogo, 1961), e elaborada para o Exploratório Infante D. Henrique, Centro de Ciência Viva de Coimbra, no âmbito da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, a decorrer entre 22 e 28 de Novembro de 2010.

[α,∞)?

Que intervalo de tempo e de espaço, de matéria e de energia, é esse Universo em que a nossa vida pontua? Em que singularidade se originou? Quando é que foi t = 0? Há cerca de 13,7 biliões de anos, quando todo o Universo, conhecido e desconhecido, estava reunido num único ponto infinitesimamente compacto, imensurável, adimensional!?

Foi Georges Lemaître, padre e cientista, o primeiro a propor, em 1927, um início assim para o Universo. Sem dimensões de tempo nem de espaço, uma singularidade. Chamou-lhe a “hipótese do átomo primevo” e baseava-se em assumpções decorrentes da teoria da relatividade geral de Einstein. Anos mais tarde, em 1949, Fred Hoyle haveria de baptizar, ainda que pelo ridículo, esse momento com a designação “Big Bang”.

O modelo do “Big Bang” não descreve a singularidade, mas sim o que aconteceu imediatamente a seguir a ela e que acabou por nos dar origem. Segundo a teoria mais corrente do “Big Bang”e a teoria da inflação, a partir da singularidade, esse nada absoluto grávido de tudo, o universo expandiu-se, súbita e incontrolavelmente e, em cerca de 0,0000000000000000000000000000001 segundos, emergiram as forças da gravidade, do electromagnetismo, as forças nucleares fortes e fracas.

Sob acção destas forças, uma revoada de partículas elementares, fotões, electrões, protões, neutrões, resultantes de outras fundamentais como os quarks, polvilharam o nada em todas as direcções, num número de partículas de cada tipo na ordem de 1 seguido de 89 zeros!

Em 1929, Hedwin Hubble observou que a distância aparente de galáxias distantes era tanto maior quanto maior fosse o desvio para o vermelho dos seus espectros luminosos observáveis. E, espantosamente, verificou que quanto mais distantes se encontravam maior era a velocidade a que se afastavam da nossa posição aparente.

Constatamos que as galáxias mais longínquas se afastam umas das outras a velocidades tanto maiores quanto mais longe estiverem de nós. Afastam-se de quê? Da singularidade inicial. Vão para onde? Para o nada infinito no tempo, finito num intervalo de espaço em expansão!

Até onde podemos ver, e ver permite-nos calcular distâncias no espaço e no tempo, através dos actuais radiotelescópios, a fronteira do Universo visível encontra-se algures a 145 biliões de triliões de quilómetros (14 000 milhões de anos-luz) de distância aparente!

Universo visível? …O espanto esmaga-nos com o peso do Universo que não é visível, “preenchido” por matéria dita negra e que corresponde a 85% de toda a matéria do Universo. Viajamos num mar de escuridão que não emite radiação electromagnética! E por isso esse oceano cósmico é indetectável pelos nossos olhos, adaptados que estão a sentir uma pequena fresta, um intervalo suficiente do espectro da luz solar.

E que vazio? Incomensurável! Num átomo de hidrogénio, o combustível das estrelas e o elemento mais abundante do Universo, 99,9999% é vazio! O seu núcleo, constituído por um único protão, ocupa apenas 0,00001% do volume de todo o átomo. O resto é nada e uma certa probabilidade de encontramos um electrão, num determinado estado quântico.

E é pelo balanço delicado entre repulsão e atracção electrostática entre nuvens electrónicas e núcleos atómicos, “coreografias” magnéticas e tudo o mais que se expressa nos princípios colombianos, quânticos e de exclusão, que as indiscerníveis partículas fundamentais dos átomos interagem, dando-nos esta sensação de matéria, quando apertamos as mãos.

E, paradoxalmente, é esse intervalo cheio de vazio que permite interacções entre átomos diferentes, gerando compostos que arquitectam a vida tal qual a conhecemos.

Somos então um intervalo vazio semeado de partículas e energia, cerzidos no tear sempre crescente de tempo e de espaço.

E neste intervalo assim crescente, somos o resultado de uma singularidade de gente.

António Piedade