quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Correio Popular de Campinas

Publicada em 10/11/2010


José Nêumanne, cidadão

bnrRomano

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Um decreto, uma justiça: “A Câmara Municipal de São Paulo decreta: ‘Dispõe sobre a outorga de título de cidadão paulistano’ ao jornalista, poeta e escritor José Nêumanne Pinto, e dá outras providências. Art. 1º Fica concedido o “Título de Cidadão Paulistano” ao jornalista, poeta e escritor José Nêumanne Pinto. Art. 2º A honraria será conferida em Sessão Solene, a ser convocada pelo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo, especialmente para esse fim. Art. 3º As despesas decorrentes da execução deste decreto legislativo correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário. Art. 4º Este decreto legislativo entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário".

O legislativo da capital paulista não tem se notabilizado, em especial nos últimos tempos, por iniciativas que lhe carreiem respeito e admiração. Mas vez ou outra ele se redime e atribui a quem de direito o título maior da cidadania. É o caso de José Nêumanne Pinto. A primeira faceta daquele homem público é sua coragem para enfrentar poderosos de todos os quilates e de todas as cores políticas ou ideológicas. Nos dois mandatos que agora se finalizam (será otimismo em demasia? Vejamos as falas do presidente sinalizando intervenções que poderão quebrar a unidade de comando no país) uma voz de perene crítica, em estilo contundente e justo, era a do premiado agora pela Câmara de Vereadores. Ao contrário de muitos colegas seus, travestidos sob o manto da “objetividade” mas partidários dos palácios, Nêumanne disse clara e distintamente, sem mascar as palavras, tudo o que era preciso enunciar sobre os delírios de grandeza, os desrespeitos à lei, a demagogia sem freios do mais popular dentre os Chefes de Estado dos últimos tempos. Com desassombro que vem de suas origens, o jornalista não teve receio algum de suscitar os ódios dos fanáticos, a hipocrisia dos bajuladores, a leniência dos covardes. Exerceu o papel de vigilância ética como poucos.

Além do traço assinalado, sua pena (desde longa data) inventa belezas e pensamentos e os coloca ao dispor de uma gente que se desacostumou aos exercícios de estilo e imaginação, para não dizer fantasia. Seu trabalho poético é feito segundo os preceitos mais sólidos da cultura ocidental. Nele, vemos o quanto é estratégico o mandamento de um escritor, marco de nosso tempo: “A poesia é exigência; o resto, palavrório”. (Saint-John Perse: “La poésie est exigence; le reste, verbiage”). Nos escritos jornalísticos de Nêumanne Pinto encontramos o estilo exigido pelo grande prêmio Nobel de literatura: frase sem penduricalhos que vai, direto, à inteligência do leitor. Nas poesias, ele exibe, de modo soberbo “que a linguagem é um ente sagrado, um caminho melódico” (Pierre Bertaux, em belíssima biografia de Hölderlin). Às vezes o poeta encanta, em outras ocasiões apunhala (ou lanceta) as almas embrutecidas. Nêumanne, na prosa e nos versos cumpre um papel único no Brasil de hoje: com muita crueza, espanca a hipocrisia e o bom-mocismo do nosso homem “comum” e das elites, sejam elas intelectuais ou econômicas, para não falar das políticas. Estas, mesmo com muita caridade, dificilmente merecem o nome de “elite”.

Todos os pontos relacionados, que marcam a “persona” de José Nêumanne Pinto, recordam que, em tempos obscuros, o brilho da escrita (quando o nome é merecido, como no caso) irrita a massa dos que preferem seguir o andamento dos rebanhos. Polêmico, o nosso jornalista/poeta/romancista levanta ódios e apoios. Sempre que o leio, recordo o dito de Diógenes: “quando a multidão me aplaude com unanimidade, alguma bobagem eu falei”. E ficamos assim: a Câmara dos Vereadores, com seu gesto altaneiro, ao conceder o título de Cidadão ao grande homem, perde algum peso na balança de seus malefícios. Parabéns, Nêumanne, parabéns povo de São Paulo!