quarta-feira, 7 de março de 2012

Como sempre, excelente entrevista de Eleonora de Lucena, das poucas jornalistas da Folha.

Índice geral São Paulo, quarta-feira, 07 de março de 2012Mundo
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'Não há mais espaço para pressionar gregos'

Mark Mazower, especializado em história grega do século 20, afirma que população teme sair do euro e ter de voltar à antiga moeda

Historiador britânico diz que eurozona vai continuar, mas cada vez mais países acharão difícil continuar nela

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

Na Segunda Guerra Mundial, a Grécia foi invadida pela Alemanha. As tropas de Hitler levaram ouro e queimaram cidades. Uma compensação pelas perdas nunca foi paga. Agora a questão voltou à inflamada cena política europeia na esteira do debate sobre o pacote que submeteu a Grécia a controles externos. São os gregos credores dos alemães? Há uma nova ocupação alemã na Acrópole?

Autor de "Inside Hitler's Greece: The Experience of Occupation, 1941-1944" (Yale UP, 1993), o britânico Mark Mazower, 54, historiador da Universidade Columbia, não apoia o uso da história nesse momento, mas concorda que a Grécia teve sua soberania abalada.

Especializado em história grega do século 20, ele prevê 10 ou 15 anos de estagnação no país e opina que os gregos têm demonstrado uma paciência enorme.

Folha - A Grécia virou um protetorado das finanças?
Mark Mazower - Sim, parece isso. Mas não é a primeira vez que isso acontece. Nos anos 1890 até os anos 1920, a Grécia ficou devedora de bancos estrangeiros. Um controle internacional foi imposto: controlavam receitas dos impostos e reivindicavam o pagamento prioritário aos credores externos. O país era formalmente independente, mas de fato não tinha soberania sobre os assuntos financeiros.

Como o sr. avalia a reação da população?
A população tem mostrado uma paciência enorme. Pediram que fizessem rapidamente reformas e cortes que em outros países levariam muitos anos. Pode não haver mais espaço para a população ser pressionada. Há muita reação dos sindicatos. Apesar de as pessoas odiarem o que está acontecendo, estão ainda mais preocupadas com a perspectiva de perder o euro e serem forçadas a voltar à dracma. Muitos esperam que a crise seja uma oportunidade de mudança.

O que acontecerá na eleição?
As pessoas estão muito confusas. Muitos acham que os partidos de centro-direita irão bem e que o Pasok [socialista] está desorganizado. Mas os líderes da centro-direita não estão interessados em contar a verdade. Nenhum dos dois principais partidos vai se sair muito bem. Haverá muitos "votos perdidos" e votos em posições extremas. Os comunistas devem ter melhores resultados.

Como é essa questão do crédito a que os gregos teriam direito em relação aos alemães por causa de reparações de guerra [políticos falam de cifras entre € 81 bilhões e € 162 bilhões]?
Na Segunda Guerra Mundial, a Grécia foi devastada e sofreu enormemente. Uma certa quantidade de ouro foi tomada do BC grego. Toda a economia colapsou. Depois da guerra, houve demandas por compensação. Centenas de vilas foram incendiadas pelos alemães.
Falam em montantes astronômicos e discutem por que os alemães nunca pagaram compensações. É verdade, mas não é relevante.
Não foi lembrado quando a Grécia passou a integrar o euro e recebeu enormes quantias. Não há chance de receberem o dinheiro. Por razões políticas ligadas à Guerra Fria, a Grécia foi tratada de forma muito ruim. Mas isso é o passado. Não se pode operar a política contemporânea na base desse tipo de uso da história.

Qual sua previsão para o futuro da Grécia?
Não prevejo nada de bom. Não acho que haverá uma ditadura ou um golpe militar. Em algum momento poderá ser forçada a sair do euro.

Como a elite está na crise?
Historicamente, a Grécia é um país com relativa igualdade do ponto de vista da distribuição de renda.
Não havia extrema iniquidade. Isso cresceu nos últimos anos.

Por quê?
Pelas razões que cresceu em toda a parte: políticas de privatização, políticas globais que permitem a pessoas ficarem ricas se têm acesso a dinheiro, aos mercados de ações -e não de outra forma. A pessoa fica rica se pode especular. Na Grécia, a elite vai ficar bem, tem muito do seu dinheiro fora. Ou tem investimentos em imóveis.
Mas uma grande parte da classe média está sofrendo. E os trabalhadores -que no passado tinham o apoio da casa da família no campo. Agora, eles perderam as ligações com os lugarejos do interior e já não têm uma casa lá para voltar.

Como essa crise pode modificar o balanço entre Alemanha e França na região?
Essa crise está forçando a Alemanha a ser uma líder da Europa. Isso nunca aconteceu antes. Até agora a Alemanha não tem feito um bom trabalho. A Europa está sem liderança nesse momento.
Os alemães se acostumaram a pensar só na Alemanha. Quando pensam na crise, pensam em inflação. E na hiperinflação de 1923. Agora toda a política europeia está errada para escapar da inflação que a Alemanha teve em 1923! É uma situação completamente bizarra.
A probabilidade maior é os alemães irem pelo seu caminho e a Europa continuar na direção errada. O euro vai continuar, mas mais e mais países da periferia vão achar difícil permanecer nele. Isso vai criando raiva crescente.

FOLHA.com
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