terça-feira, 12 de março de 2013
A
Igreja dos cinco sentidos.
Roberto
Romano
Em
tempos de crise mundial, muitos analistas retomam lugares comuns sobre a Igreja.
Artigos falam dela como ente político, econômico ou ideológico antes de ser,
como enuncia o filósofo Nietzsche, ateu mas atilado “uma enciclopédia de cultos
pré-históricos e de intuições cuja origem é a mais diversa” (Aurora).
Polarizações inexistentes surgem na imprensa, evidenciando parcos estudos de
seus autores sobre as milenares experiências eclesiásticas entre diferentes
povos, linguas, costumes. Vinhetas como “progressista”e “conservador” são
empregadas sem exames semânticos ou filológicos. Muitos comentadores dogmatizam
como se tivessem infalibilidade, o que lhes permitiria decretar o destino de uma obra prima
histórica de pensamento e de práticas eruditas, artísticas, religiosas. Se
levarmos a sério comentários norte-americanos (CNN, New York Times, Washington
Post, entre muitos) a Igreja se limita à perversão sexual de sacerdotes. Das
múltiplas camadas que a ordenam, apenas duas seriam decisivas, a pedofilia e os
escândalos financeiros. É previsível que um país puritano perceba a
catolicidade como o “cativeiro babilônico” da fé, seguindo Lutero. Escândalos, política
maquiavélica, golpes: logo a imprensa internacional anunciará que o próximo
Papa, com certeza, segue a teologia de Alexandre Bórgia.
Das
instituições ocidentais, no entanto, a Igreja Católica é praticamente a única
que mantem máxima prudência e maestria em relação aos cinco sentidos humanos.
Ela os harmoniza de forma eficaz. Racionalidade e estética seguem juntas nas
suas obras que movem os olhos, na
escultura, arquitetura, pintura. A música e a poesia são dirigidas para o
refinamento do ouvido, na artesania dos sons e das palavras. O olfato é
contemplado no incenso das cerimônias solenes. O paladar recebe as espécies
sagradas, no pão e no vinho. O tato vem com a agua do batismo, os oleos santos
do crisma e as enormes concentrações de corpos que se abraçam e se dão as mãos
em ritos fraternos. Cada um dos sentidos recebe, na pastoral e nas pesquisas
teológicas, antropológicas, estéticas, o maior empenho dos que lideram as
massas católicas. Elias Canetti ressalta
no catolicismo a sua lentidão e calma, relacionadas à grande amplitude. Como
seu nome enuncia, ele quer oferecer lugar para todos, sendo contrário à violência
de massa. “Até hoje não houve sobre a face da Terra estado algum que soubesse
defender-se de tantas maneiras diferentes contra a massa. Comparados com a
Igreja, todos os poderosos dão a impressão de serem modestos diletantes”. O tempo lento da Igreja choca quem está imerso
na rapidez cronológica e não vai além dos minutos na agenda (de negócios ou
militância política) para refletir. A massa, dirigida pela veloz propaganda que
a cada novo átimo apresenta uma novidade, segue na correria para a morte
(nunca, na história humana, foi sentida de maneira mais cruel a ligação de
rapidez, guerra e técnica, os drones são a prova mais cabal do fato). Multidões se amontoam em turbas sedentas de
poder e de novas mercadorias. O totalitarismo do século 20 mostrou todas as
potencialidades mortais de semelhante experiência coletiva.
Os
católicos sempre se dividiram entre o
Eterno e o instante da compra. O nome de semelhante tentação é simonia. Desde o
papa Bento 9, que vendeu seu título por muito dinheiro, até Tetzel, que
mercadejou indulgências causando a Reforma protestante, há uma linha simoníaca
na Igreja que não se deixa vencer pela fé ortodoxa. Bento 16 foi tolhido pelo
tsunami de uma Igreja que precisa ser do mundo e não pertencer ao mundo. Ela
pode submergir a qualquer momento. Se a barca de Pedro for a pique, a
humanidade perderá uma fonte de oxigênio mais vital do que as florestas
amazônicas. O catolicism guarda tesouros de saber e de estética e como enuncia
P. Berger, “o universo católico é um universo de segurança para quem o habita,
é por tal motivo que ele ainda hoje exerce uma poderosa atração”.
Os
palpites sobre os possíveis sucessores de Bento 16 lembram o arcebispo de
Viena, Christoph von Schönborn. Todos falam dele como intelectual profundo,
mais brilhante do que Joseph Ratzinger. Talvez seja verdade. Mas quase ninguém
procura saber que tipo de saber o teólogo e cardeal domina. Pois bem, ele se
move na pesquisa teológica e no campo da arte. Em âmbito muito próximo ao da
estética teológica desenvolvida por Hans
Ur von Balthasar (cuja obra prima, “A Glória e a Cruz” é um marco da reflexão
erudita) Schönborn escreveu o livro monumental intitulado “O Icone do Cristo”.
Nele, o escritor mostra o quanto o catolicismo une de maneira indissolúvel
imagem e conceito, tempo e eternidade, visível e invisível, vivos e mortos,
Deus e homem num enlace que não é apenas
de verdade, mas de beleza e de encantamento. Se os cardeais o escolherem com
certeza a Igreja retomará a cultura dos cinco sentidos que a fundamentam. E
nela a humanidade, crente ou não, poderá novamente se reanimar com o sopro
divino. Se a escolha for política (como em tantas ocasiões da história
eclesiástica, quase sempre simoníacas), o manancial estético e teológico vai
diminuir com certeza, para infelicidade de todos os que habitam o triste mas
ainda belo, planeta terra.