segunda-feira, 11 de março de 2013

Leiam a notícia abaixo, sobre as pesquisas da Unicamp sobre tema essencial da vida e da morte humana. Leiam, mais abaixo, um artigo ODIOSO, de um professor EMÉRITO da mesma Unicamp, cujas palavras finais são um insulto e uma patada : as universidades públicas seriam medíocres para ele. Boas mesmo, são as privadas. Sem mais comentários.

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 11 de março de 2013 a 17 de março de 2013 – ANO 2013 – Nº 553

Nova proteína é chave para
entender mecanismo do câncer

Pesquisa, inédita, foi feita com células humanas saudáveis e cancerígenas
Pesquisa realizada no Laboratório de Biologia Molecular do Hemocentro da Unicamp mostra pela primeira vez a participação de uma proteína específica na adesão e migração celular. O estudo, inédito, feito com células humanas saudáveis e cancerígenas, abre novas perspectivas para entender o mecanismo por meio do qual uma célula se adere ou não à outra e como se espalha pelo organismo.
A pesquisa foi conduzida pela biomédica Karin Barcellos. A orientação foi da médica hematologista Sara Olalla Saad, responsável pelo sequenciamento e descrição da proteína denominada ARHGAP21 dentro do Projeto Genoma Humano do Câncer. O trabalho foi capa da edição de janeiro da Revista de Biologia Química da Sociedade Americana de Biologia Química e Molecular. “Todas as células do corpo, para formar os tecidos e órgãos, precisam se aderir. Nos tumores, quando a adesão se desfaz, a célula pode sair e invadir outros tecidos, gerando o que chamamos de metástase. Nesse processo de migração, a adesão é essencial. Se adesão é forte, a célula não se solta”, explica Karin.
A pesquisa foi financiada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Sangue (INCT), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Fundação de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e contou com a colaboração de pesquisadores do Departamento de Fisiologia e Desenvolvimento Biológico da Universidade Brigham Young, Estados Unidos.
Para entender como acontece a adesão célula-célula é necessário entender um pouco de biologia celular. As imagens dos livros escolares que descrevem a estrutura da célula e os processos da divisão celular ajudam nessa compreensão. Os mais conhecidos e ensinados são mitose e meiose. Além disso, termos como Complexo de Golgi, membrana celular, citoplasma, citoesqueleto – responsável por manter a forma da célula – e microtúbulos – aquelas linhas bonitas dos desenhos da divisão celular que parecem fios puxando os cromossomos – merecem atenção.
Segundo Karin, desde a década passada a equipe do Hemocentro vem estudando as funções da proteína ARHGAP21. Eles descobriram que a ARHGAP21 regula o citoesqueleto agindo nas proteínas Rho-GTPases. Essas proteínas, por sua vez, regulam o movimento celular, migração, adesão celular e diferenciação. A ARHGAP21 regula negativamente as Rho-GTPases e defeitos nesta regulação podem deixar as Rho-GTPases hiperativadas, causando crescimento celular descontrolado, inibição da morte da célula ou alterações na migração e diferenciação celular, resultando no desenvolvimento tumoral e metástases. O desafio de Karin foi descobrir em qual das diversas funções celulares das Rho-GTPases a ARHGAP21 agia.
“Quando um tumor tem migração acelerada, quem está regulando essa função? Será que a ARHGAP21 é a chave que liga e desliga isso? A partir dessas indagações descobrimos três achados importantíssimos no processo de adesão célula-célula”, disse Karin.
Para a pesquisa in vitro, a biomédica utilizou células saudáveis humanas e células tumorais de câncer de próstata. Ao cultivar as células, Karin adicionou cálcio para provocar a adesão celular. Após quatro horas, a pesquisadora observou que a ARHGAP21 estava presente nas junções da membrana celular. Após ajudar a construir a adesão celular, a proteína ia embora. Para provar esse processo, Karin inibiu a atuação da ARHGAP21. Ela observou que as células sem a proteína passaram a ter uma adesão mais fraca e logo se soltavam. Além disso, a pesquisadora fez outro achado importantíssimo: quem estava junto com a ARHGAP21 participando do alongamento e da polaridade da célula, como se fosse uma batalha, eram os microtúbulos, estruturas cilíndricas e ocas formadas por duas proteínas (alfa e beta) chamadas tubulinas. Os microtúbulos estão relacionados com o processo de migração celular. Durante esse processo, a pesquisadora observou que a ARHGAP21 afeta a acetilação da alfa-tubulina, processo químico que muda a função da proteína.
“Descobrimos que a ARHGAP21 tem uma interação com a alfa-tubulina, que é uma das proteínas que formam os microtúbulos. É a primeira vez que alguém descreve essa interação”, disse Karin. Mas a pesquisadora não parou por aí.
METÁSTASE E TUMORES
O processo de adesão e migração é essencial para a formação do organismo. Quando o embrião está em formação, as células passam por um processo chamado de transição epitelial mesenquimal. Nesse estágio, as células que estão juntas, começam a se soltar e vão formar os tecidos e órgãos. Depois, este processo pára e cada célula passa a desempenhar a sua função específica. Entretanto, a transição epitelial mesenquimal está presente no mecanismo de migração e metástase do câncer. De alguma forma, as células cancerígenas que estavam grudadas se soltam e começam a se espalhar pelo organismo.
Karin simulou em laboratório este mecanismo adicionando às células um fator de crescimento chamado de HGF. O HGF é um hormônio produzido, principalmente, pelo fígado. O HGF exibe atividades de duplicação genética, produção da forma e migração celular em uma ampla variedade de órgãos. Ao adicionar o HGF às células tumorais, elas entram em transição epitelial mesenquimal. Baseando-se nos resultados observados anteriormente sobre a atuação da ARHGAP21, a biomédica tinha certeza de que, adicionando o HGF e inibindo ao mesmo tempo a proteína, a adesão celular seria mais fraca e a migração das células seria rápida. Não foi isso o que aconteceu.
“Sabíamos que a ARHGAP21 era importante para fazer a adesão célula-célula, que interagia com os microtúbulos e que sem ela a migração era maior. Juntando tudo isso, tínhamos certeza que a dissociação e migração celular seriam muito maiores. Mas foi o contrário. Passamos duas semanas quebrando a cabeça, achando que estávamos esquecendo alguma coisa, até que, após repetir várias e várias vezes o experimento, vimos que era verdade: sem a ARHGAP21, não tinha transição epitelial mesenquimal”, revelou Karin.
E como isso funciona? A célula tem um receptor para HGF na membrana. Esse HGF vai iniciar uma série de sinalização em cascata que vai culminar no núcleo e promover a perda da adesão da célula. Sem a ARHGAP21, o processo não se completa. Então, nesta via de sinalização celular, a presença da proteína regula a transição epitelial mesenquimal. Prova disso são dois marcadores séricos utilizados na bioquímica: o Twist 1 e a e-caderina.
Quando se coloca o HGF nas células, o Twist 1 aumenta ao longo da transição epitelial mesenquimal. Inibindo a ARHGAP21, não aparece o Twist 1. A e-caderina, que funciona como uma cola para a adesão celular, diminui ao longo desse processo. Sem a ARHGAP21, a e-caderina não diminui e as adesões não se desfazem. Outros marcadores também foram testados para reforçar a importância da ARHGAP21 na via de sinalização do HGF.
Segundo Karin, a pesquisa demonstra pela primeira vez a participação da ARHGAP21 no processo da formação da adesão célula-célula e que ela está na frente da migração da célula, interagindo com os microtúbulos que atuam na divisão celular. Verificou-se também que essa proteína é essencial para a transição epitelial mesenquimal e que esta transição é um fenômeno muito comum no processo de metástase tumoral. E sem ARHGAP21, não há essa transição.
“Esta pesquisa abre um leque de coisas que podem ser afetadas pela ARHGAP21. Estudar este mecanismo é garantir que, ao retirar um tumor, ele não irá aparecer em outro lugar. Mas tudo isso é muito novo. Colocamos uma peça no quebra-cabeça de 200 mil peças”, disse Karin.
ARHGAP21
A proteína ARHGAP21 foi descrita em 2002 pela pesquisadora Daniela Basseres a partir dos estudos iniciados em 1999 pela médica hematologista Sara Olalla Saad dentro do Projeto Genoma Humano do Câncer. A ARHGAP21 está localizada no cromossomo 10 e possui 1957 aminoácidos. A ARHGAP21 apresenta três domínios principais: PDZ, PH e Rho GAP.
O domínio PH está envolvido em mecanismos de transmissão de sinais e encontra-se presente em algumas proteínas de citoesqueleto. O domínio PDZ medeia interações entre proteínas, geralmente conectando componentes envolvidos na sinalização celular. Estes complexos proteicos auxiliam nas propriedades adesivas das células. As Rho-GAPs desempenham importante função na inibição de Rho-GTPases, regulando, desse modo, o crescimento e diferenciação celulares.
“Na década de 1990, o Hemocentro se envolveu no projeto Genoma e eu procurava novas proteínas que tivessem relação com o esqueleto das células do sangue, conhecidas como hematopoéticas. Eu sabia que a ARHGAP tinha uma importância muito grande e resolvi investir nessa proteína, mas tive muitas críticas”, explicou Sara.
De acordo com a médica hematologista, a equipe teve que aprender a construir os anticorpos para a identificação da proteína. Foram dois anos ampliando a sequência do gene e outros tantos sem nenhum resultado. Ao inativá-la, relembra a pesquisadora, as células do sangue morriam. Foi então que a pesquisadora passou a usar células do músculo cardíaco e do tecido neuronal. A partir daí, os pesquisadores passaram a ter respostas da ação da ARHGAP21 e publicaram vários artigos mostrando a importância dela em diferentes funções.
“A ARHGAP tem papel importante na divisão e renovação celular. Ao entender a função dela, podemos determinar até que ponto uma célula saudável pode gerar outra igual ou caminhar para o desenvolvimento do câncer. Temos outras linhas de pesquisas dentro do Hemocentro com essa proteína e imagino que ela tenha alguma função na manutenção das células leucêmicas no microambiente da medula óssea. Se tivéssemos abandonado as pesquisas por causa das dificuldades, não teríamos conseguido obter resultados tão expressivos”, disse Sara.
Publicação
Artigo: Barcellos KS, Bigarella CL, Wagner MV, Vieira KP, Lazarini M, Langford PR, Machado-Neto JA, Call SG, Staley DM, Chung JY, Hansen MD, Saad ST. ARHGAP21 protein, a new partner of alpha-tubulin involved in cell-cell adhesion formation and essential for epithelial-mesenchymal transition. The Journal of Biological Chemistry, January 25, 2013; 288 (4).

11/03/2013 - 03h30

Rogério Cezar de Cerqueira Leite: O futuro da universidade pública no Brasil

Tendências / Debates É hoje consenso entre intelectuais, governos e executivos de empresas que a universidade é componente essencial para o desenvolvimento das nações. Há uma correlação inequívoca entre a qualidade do sistema universitário e a qualidade de vida dos cidadãos de um país.
A universidade pública brasileira é, reconhecidamente, ineficiente, embora algumas tenham uma certa qualidade e outras contenham nichos de excelência. 

A ineficiência é ocasionada por uma convergência de fatores perniciosos, dentre os quais se destacam excessos burocráticos, corporativismo e diluição de autoridade e de responsabilidades. 

A divulgação recente de um bem-intencionado plano de carreiras e cargos do magistério federal provocou convulsões nos meios acadêmicos nacionais. A principal razão dessa revolta é a exigência de concursos de entrada exclusivamente no início da carreira, ou seja, na posição de auxiliar de ensino. 

Isso certamente compromete a qualidade da universidade, porém é inevitável --decorre do regime jurídico do servidor público. 

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) registra, há mais de dez anos, uma experiência bem-sucedida com uma fórmula de gerenciamento inovadora, denominada Organização Social (OS). Ela é aplicada em vários de seus institutos de pesquisa. 

Soluções semelhantes têm sido experimentadas em setores de saúde e outros por diversos governos estaduais e municipais, com relativo êxito. A fórmula é simples. Um contrato, dito de gestão, é firmado entre governo e uma entidade privada, a OS, para gerir uma instituição. 

Esse contrato estabelece objetivos e metas a ser alcançados em períodos de tempo estabelecidos. Limites podem ser afixados para recursos destinados a administração, a investimentos, a pessoal etc. Distribuição de recursos para diferentes áreas de atuação também podem ser decididos com flexibilidade negociada entre o governo e a OS. Com isso, é possível que se dimensione e até mesmo se interrompa a gestão. 

Pesquisadores, funcionários e dirigentes são contratados no âmbito da CLT. Institutos (ou centros) ligados ao MCTI de origem recente foram facilmente convertidos em OS. 

Os mais antigos, como, por exemplo, o excelente Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, passam por uma transição lenta e cuidadosa. Os membros originais são mantidos em suas categorias funcionais, mas pesquisadores e funcionários são contratados pela OS de acordo com a CLT. Previdência complementar é oferecida por cada OS. 

Uma transição para Organização Social da universidade pública não seria realizável em anos, mas apenas em décadas. Talvez seja o momento de iniciar um projeto piloto e colher resultados. 

Estamos convencidos de que soluções que não mudem radicalmente a estrutura jurídica básica da universidade pública brasileira serão inúteis, pois o corporativismo interno não será neutralizado por medidas paliativas. 

Submetida ao atual regime jurídico, a universidade pública brasileira está condenada à mais impermeável mediocridade. 

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 81, físico, é professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha