Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 11 de março de 2013 a 17 de março de 2013 – ANO 2013 – Nº 553
Nova proteína é chave para
entender mecanismo do câncer
Pesquisa, inédita, foi feita com células humanas saudáveis e cancerígenas
Pesquisa
realizada no Laboratório de Biologia Molecular do Hemocentro da Unicamp
mostra pela primeira vez a participação de uma proteína específica na
adesão e migração celular. O estudo, inédito, feito com células humanas
saudáveis e cancerígenas, abre novas perspectivas para entender o
mecanismo por meio do qual uma célula se adere ou não à outra e como se
espalha pelo organismo.
A pesquisa
foi conduzida pela biomédica Karin Barcellos. A orientação foi da médica
hematologista Sara Olalla Saad, responsável pelo sequenciamento e
descrição da proteína denominada ARHGAP21 dentro do Projeto Genoma
Humano do Câncer. O trabalho foi capa da edição de janeiro da Revista de
Biologia Química da Sociedade Americana de Biologia Química e
Molecular. “Todas as células do corpo, para formar os tecidos e órgãos,
precisam se aderir. Nos tumores, quando a adesão se desfaz, a célula
pode sair e invadir outros tecidos, gerando o que chamamos de metástase.
Nesse processo de migração, a adesão é essencial. Se adesão é forte, a
célula não se solta”, explica Karin.
A
pesquisa foi financiada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
do Sangue (INCT), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp), Fundação de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e contou com a colaboração de pesquisadores do
Departamento de Fisiologia e Desenvolvimento Biológico da Universidade
Brigham Young, Estados Unidos.
Para
entender como acontece a adesão célula-célula é necessário entender um
pouco de biologia celular. As imagens dos livros escolares que descrevem
a estrutura da célula e os processos da divisão celular ajudam nessa
compreensão. Os mais conhecidos e ensinados são mitose e meiose. Além
disso, termos como Complexo de Golgi, membrana celular, citoplasma,
citoesqueleto – responsável por manter a forma da célula – e
microtúbulos – aquelas linhas bonitas dos desenhos da divisão celular
que parecem fios puxando os cromossomos – merecem atenção.
Segundo
Karin, desde a década passada a equipe do Hemocentro vem estudando as
funções da proteína ARHGAP21. Eles descobriram que a ARHGAP21 regula o
citoesqueleto agindo nas proteínas Rho-GTPases. Essas proteínas, por sua
vez, regulam o movimento celular, migração, adesão celular e
diferenciação. A ARHGAP21 regula negativamente as Rho-GTPases e defeitos
nesta regulação podem deixar as Rho-GTPases hiperativadas, causando
crescimento celular descontrolado, inibição da morte da célula ou
alterações na migração e diferenciação celular, resultando no
desenvolvimento tumoral e metástases. O desafio de Karin foi descobrir
em qual das diversas funções celulares das Rho-GTPases a ARHGAP21 agia.
“Quando
um tumor tem migração acelerada, quem está regulando essa função? Será
que a ARHGAP21 é a chave que liga e desliga isso? A partir dessas
indagações descobrimos três achados importantíssimos no processo de
adesão célula-célula”, disse Karin.
Para
a pesquisa in vitro, a biomédica utilizou células saudáveis humanas e
células tumorais de câncer de próstata. Ao cultivar as células, Karin
adicionou cálcio para provocar a adesão celular. Após quatro horas, a
pesquisadora observou que a ARHGAP21 estava presente nas junções da
membrana celular. Após ajudar a construir a adesão celular, a proteína
ia embora. Para provar esse processo, Karin inibiu a atuação da
ARHGAP21. Ela observou que as células sem a proteína passaram a ter uma
adesão mais fraca e logo se soltavam. Além disso, a pesquisadora fez
outro achado importantíssimo: quem estava junto com a ARHGAP21
participando do alongamento e da polaridade da célula, como se fosse uma
batalha, eram os microtúbulos, estruturas cilíndricas e ocas formadas
por duas proteínas (alfa e beta) chamadas tubulinas. Os microtúbulos
estão relacionados com o processo de migração celular. Durante esse
processo, a pesquisadora observou que a ARHGAP21 afeta a acetilação da
alfa-tubulina, processo químico que muda a função da proteína.
“Descobrimos
que a ARHGAP21 tem uma interação com a alfa-tubulina, que é uma das
proteínas que formam os microtúbulos. É a primeira vez que alguém
descreve essa interação”, disse Karin. Mas a pesquisadora não parou por
aí.
METÁSTASE E TUMORES
O
processo de adesão e migração é essencial para a formação do organismo.
Quando o embrião está em formação, as células passam por um processo
chamado de transição epitelial mesenquimal. Nesse estágio, as células
que estão juntas, começam a se soltar e vão formar os tecidos e órgãos.
Depois, este processo pára e cada célula passa a desempenhar a sua
função específica. Entretanto, a transição epitelial mesenquimal está
presente no mecanismo de migração e metástase do câncer. De alguma
forma, as células cancerígenas que estavam grudadas se soltam e começam a
se espalhar pelo organismo.
Karin
simulou em laboratório este mecanismo adicionando às células um fator de
crescimento chamado de HGF. O HGF é um hormônio produzido,
principalmente, pelo fígado. O HGF exibe atividades de duplicação
genética, produção da forma e migração celular em uma ampla variedade de
órgãos. Ao adicionar o HGF às células tumorais, elas entram em
transição epitelial mesenquimal. Baseando-se nos resultados observados
anteriormente sobre a atuação da ARHGAP21, a biomédica tinha certeza de
que, adicionando o HGF e inibindo ao mesmo tempo a proteína, a adesão
celular seria mais fraca e a migração das células seria rápida. Não foi
isso o que aconteceu.
“Sabíamos que a
ARHGAP21 era importante para fazer a adesão célula-célula, que
interagia com os microtúbulos e que sem ela a migração era maior.
Juntando tudo isso, tínhamos certeza que a dissociação e migração
celular seriam muito maiores. Mas foi o contrário. Passamos duas semanas
quebrando a cabeça, achando que estávamos esquecendo alguma coisa, até
que, após repetir várias e várias vezes o experimento, vimos que era
verdade: sem a ARHGAP21, não tinha transição epitelial mesenquimal”,
revelou Karin.
E como isso funciona? A
célula tem um receptor para HGF na membrana. Esse HGF vai iniciar uma
série de sinalização em cascata que vai culminar no núcleo e promover a
perda da adesão da célula. Sem a ARHGAP21, o processo não se completa.
Então, nesta via de sinalização celular, a presença da proteína regula a
transição epitelial mesenquimal. Prova disso são dois marcadores
séricos utilizados na bioquímica: o Twist 1 e a e-caderina.
Quando
se coloca o HGF nas células, o Twist 1 aumenta ao longo da transição
epitelial mesenquimal. Inibindo a ARHGAP21, não aparece o Twist 1. A
e-caderina, que funciona como uma cola para a adesão celular, diminui ao
longo desse processo. Sem a ARHGAP21, a e-caderina não diminui e as
adesões não se desfazem. Outros marcadores também foram testados para
reforçar a importância da ARHGAP21 na via de sinalização do HGF.
Segundo
Karin, a pesquisa demonstra pela primeira vez a participação da
ARHGAP21 no processo da formação da adesão célula-célula e que ela está
na frente da migração da célula, interagindo com os microtúbulos que
atuam na divisão celular. Verificou-se também que essa proteína é
essencial para a transição epitelial mesenquimal e que esta transição é
um fenômeno muito comum no processo de metástase tumoral. E sem
ARHGAP21, não há essa transição.
“Esta
pesquisa abre um leque de coisas que podem ser afetadas pela ARHGAP21.
Estudar este mecanismo é garantir que, ao retirar um tumor, ele não irá
aparecer em outro lugar. Mas tudo isso é muito novo. Colocamos uma peça
no quebra-cabeça de 200 mil peças”, disse Karin.
ARHGAP21
A
proteína ARHGAP21 foi descrita em 2002 pela pesquisadora Daniela
Basseres a partir dos estudos iniciados em 1999 pela médica
hematologista Sara Olalla Saad dentro do Projeto Genoma Humano do
Câncer. A ARHGAP21 está localizada no cromossomo 10 e possui 1957
aminoácidos. A ARHGAP21 apresenta três domínios principais: PDZ, PH e
Rho GAP.
O domínio PH está envolvido
em mecanismos de transmissão de sinais e encontra-se presente em algumas
proteínas de citoesqueleto. O domínio PDZ medeia interações entre
proteínas, geralmente conectando componentes envolvidos na sinalização
celular. Estes complexos proteicos auxiliam nas propriedades adesivas
das células. As Rho-GAPs desempenham importante função na inibição de
Rho-GTPases, regulando, desse modo, o crescimento e diferenciação
celulares.
“Na década de 1990, o
Hemocentro se envolveu no projeto Genoma e eu procurava novas proteínas
que tivessem relação com o esqueleto das células do sangue, conhecidas
como hematopoéticas. Eu sabia que a ARHGAP tinha uma importância muito
grande e resolvi investir nessa proteína, mas tive muitas críticas”,
explicou Sara.
De acordo com a médica
hematologista, a equipe teve que aprender a construir os anticorpos
para a identificação da proteína. Foram dois anos ampliando a sequência
do gene e outros tantos sem nenhum resultado. Ao inativá-la, relembra a
pesquisadora, as células do sangue morriam. Foi então que a pesquisadora
passou a usar células do músculo cardíaco e do tecido neuronal. A
partir daí, os pesquisadores passaram a ter respostas da ação da
ARHGAP21 e publicaram vários artigos mostrando a importância dela em
diferentes funções.
“A ARHGAP tem
papel importante na divisão e renovação celular. Ao entender a função
dela, podemos determinar até que ponto uma célula saudável pode gerar
outra igual ou caminhar para o desenvolvimento do câncer. Temos outras
linhas de pesquisas dentro do Hemocentro com essa proteína e imagino que
ela tenha alguma função na manutenção das células leucêmicas no
microambiente da medula óssea. Se tivéssemos abandonado as pesquisas por
causa das dificuldades, não teríamos conseguido obter resultados tão
expressivos”, disse Sara.
Publicação
Artigo:
Barcellos KS, Bigarella CL, Wagner MV, Vieira KP, Lazarini M, Langford
PR, Machado-Neto JA, Call SG, Staley DM, Chung JY, Hansen MD, Saad ST.
ARHGAP21 protein, a new partner of alpha-tubulin involved in cell-cell
adhesion formation and essential for epithelial-mesenchymal transition. The Journal of Biological Chemistry, January 25, 2013; 288 (4).
11/03/2013
-
03h30
Rogério Cezar de Cerqueira Leite: O futuro da universidade pública no Brasil
É hoje consenso entre intelectuais, governos e executivos de empresas
que a universidade é componente essencial para o desenvolvimento das
nações. Há uma correlação inequívoca entre a qualidade do sistema
universitário e a qualidade de vida dos cidadãos de um país.
A universidade pública brasileira é, reconhecidamente, ineficiente,
embora algumas tenham uma certa qualidade e outras contenham nichos de
excelência.
A ineficiência é ocasionada por uma convergência de fatores perniciosos,
dentre os quais se destacam excessos burocráticos, corporativismo e
diluição de autoridade e de responsabilidades.
A divulgação recente de um bem-intencionado plano de carreiras e cargos
do magistério federal provocou convulsões nos meios acadêmicos
nacionais. A principal razão dessa revolta é a exigência de concursos de
entrada exclusivamente no início da carreira, ou seja, na posição de
auxiliar de ensino.
Isso certamente compromete a qualidade da universidade, porém é inevitável --decorre do regime jurídico do servidor público.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) registra, há mais
de dez anos, uma experiência bem-sucedida com uma fórmula de
gerenciamento inovadora, denominada Organização Social (OS). Ela é
aplicada em vários de seus institutos de pesquisa.
Soluções semelhantes têm sido experimentadas em setores de saúde e
outros por diversos governos estaduais e municipais, com relativo êxito.
A fórmula é simples. Um contrato, dito de gestão, é firmado entre
governo e uma entidade privada, a OS, para gerir uma instituição.
Esse contrato estabelece objetivos e metas a ser alcançados em períodos
de tempo estabelecidos. Limites podem ser afixados para recursos
destinados a administração, a investimentos, a pessoal etc. Distribuição
de recursos para diferentes áreas de atuação também podem ser decididos
com flexibilidade negociada entre o governo e a OS. Com isso, é
possível que se dimensione e até mesmo se interrompa a gestão.
Pesquisadores, funcionários e dirigentes são contratados no âmbito da
CLT. Institutos (ou centros) ligados ao MCTI de origem recente foram
facilmente convertidos em OS.
Os mais antigos, como, por exemplo, o excelente Instituto Nacional de
Matemática Pura e Aplicada, passam por uma transição lenta e cuidadosa.
Os membros originais são mantidos em suas categorias funcionais, mas
pesquisadores e funcionários são contratados pela OS de acordo com a
CLT. Previdência complementar é oferecida por cada OS.
Uma transição para Organização Social da universidade pública não seria
realizável em anos, mas apenas em décadas. Talvez seja o momento de
iniciar um projeto piloto e colher resultados.
Estamos convencidos de que soluções que não mudem radicalmente a
estrutura jurídica básica da universidade pública brasileira serão
inúteis, pois o corporativismo interno não será neutralizado por medidas
paliativas.
Submetida ao atual regime jurídico, a universidade pública brasileira está condenada à mais impermeável mediocridade.
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 81, físico, é professor emérito
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho
Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha