Formação de doutores na berlinda
MEC prevê o desenvolvimento de regiões pobres com a abertura de turmas
de Medicina e Direito. Mas e a qualidade dos cursos, como fica?
Publicado em 10/03/2013 | DENISE DRECHSEL
A recente decisão do Ministério da Educação (MEC) de deslocar a
abertura de cursos privados de Medicina e de Direito para o interior dos
estados, com a intenção de gerar desenvolvimento em regiões mais
pobres, causou uma enorme preocupação. O receio está no fato de o MEC
aparentemente dar mais atenção à localização geográfica do que à
qualidade dos novos cursos.
Estimular a criação de faculdades em locais em que não há bons
profissionais para dar aulas e muito menos infraestrutura – no caso de
Medicina, hospitais de qualidade e técnicos de outras áreas, como
enfermeiros e farmacêuticos – é um projeto caro e arriscado. A
consequência mais grave é o surgimento de graduações ruins. E com um
agravante: os egressos desses cursos continuarão a procurar emprego nos
grandes centros urbanos, onde as condições de trabalho são melhores.
Entrevista
Lobby das escolas privadas é permanente, diz especialista
Roberto Romano, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (Unicamp)
As instituições de ensino superior privadas pressionam constantemente o
Ministério da Educação e o Congresso Nacional para conseguir expandir
seus estabelecimentos. A única forma de impedir que esse lobby
prejudique o ensino no país, na opinião do professor Roberto Romano, do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas
(Unicamp), é aprovar leis que identifiquem e punam servidores públicos
que atuem a favor de interesses privados.
Como funciona o lobby das instituições superiores de ensino privado no poder público?
Essas empresas financiam campanhas de deputados e senadores. Muitas
delas têm representantes no Ministério da Educação e também no Conselho
Nacional de Educação. Outras têm sócios que trabalham em organismos
públicos, mas não aparecem claramente como proprietários.
Quais são as consequências desse cenário?
A perda de controle da autoridade pública desse setor que é escandalosa.
Não é possível generalizar, mas é inexplicável como cursos de baixo
nível conseguem se manter no mercado. E a expansão do ensino superior
privado, que é colocada como uma grande vitória do governo, não é mais
que um rendição diante desses grupos que oferecem cursos de péssima
qualidade.
Como resolver essa situação?
Identificar quem atua a favor do interesse próprio e punir. Tramita na
Câmara dos Deputados um projeto de lei para regulamentar o lobby, de
autoria do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). A iniciativa
pretende impedir servidores de atuar em determinados segmentos. Ela
prevê o afastamento de cargos públicos para atuar em algumas áreas,
entre outras medidas. Será difícil a sua aprovação, mas caso
acontecesse, poderia impedir esses desvios.
Crescimento
A ideia de que o Ministério da Educação pode agir como protagonista do
crescimento de regiões carentes no Brasil, levando instituições para
esses lugares, não é descartável para o professor Francisco Fonseca,
professor da Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas, em São
Paulo. “Desde que se acompanhe a qualidade dos cursos, levar o ensino
superior para esses lugares pode fazer com que nasça uma conjuntura que
melhore as circunstâncias de uma determinada região”, diz.
“Nos últimos anos, vimos nascer escolas em cidades pequenas sem
necessidade social, sem hospital universitário, sem residência médica; e
o resultado são médicos mal formados, sem qualidade, sem treinamento
adequado e que não vão ficar no interior como espera o governo”, afirma
Roberto D’Ávila, presidente do Conselho Federal de Medicina.
Expansão
Nos últimos anos, o Brasil assistiu a um crescimento vertiginoso do
ensino superior privado. O número de matrículas cresceu 266% de 1996 a
2011, passando de 1,1 milhão para 4,1 milhões. O pontapé inicial ocorreu
em 1996, quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação foi modificada,
facilitando a entrada da iniciativa privada no setor. Centenas de
faculdades e centros universitários foram inaugurados, provocando um
salto de 711 estabelecimentos privados em 1996 para 2.081 em 2011, de
acordo com o último Censo do Ensino Superior.
Esse aumento, no entanto, não foi acompanhado por um controle de
qualidade eficaz pelo MEC. Estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento
Social (BNDES), publicado em 2009, mostrou que, em uma faixa de
pontuação que vai de 1 a 5, apenas 4,9% das instituições de ensino
superior privadas tiraram nota 4 ou 5 no Índice Geral de Cursos (IGC);
46,6% ficaram no limite, com nota 3; e o restante permaneceu muito
abaixo do nível considerado “satisfatório”.
A baixa aprovação de graduados em exames como o da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB) e do Conselho Regional de Medicina de São Paulo
(Cremesp) também provam que há algo errado. O Exame de Ordem, por
exemplo, tem aprovado apenas cerca de 20% dos mais de 100 mil bacharéis
inscritos em cada edição da prova. Já na última prova do Cremesp, no fim
de 2012, dos 2.411 participantes, 54,5% não acertaram 60% das questões e
foram reprovados.
Não há garantia de que médico vá se fixar
A criação de cursos de Medicina no interior dos estados não vai suprir
a falta de médicos nesses locais. Esse é um dos resultados do
levantamento Demografia Médica no Brasil, do Conselho Federal de
Medicina (CFM), coordenado por Mário Scheffer, da Universidade de São
Paulo (USP). De acordo com o pesquisador, a carência de profissionais de
saúde nas regiões pobres do país não tem relação com a inexistência de
instituições de ensino superior nesses locais e sim com a baixa
remuneração, o subfinanciamento do Sistema Único de Saúde e a ausência
de hospitais e equipamentos.
“O médico não vai ficar nas regiões em que não tem condições de
trabalho, especialização e equipamentos. Não adianta criar mais escolas
no interior ou importar médicos. Eles se fixarão nos mesmos locais com
alta densidade de médicos se outras mudanças não forem feitas. Com a
decisão de abrir cursos no interior, o governo toma uma medida paliativa
sem considerar a questão principal do sucateamento da saúde no país”,
avalia Scheffer.
Critérios políticos
O CFM concorda com a análise e também questiona a qualidade dos futuros
cursos de Medicina. Além da falta de infraestrutura, outro temor é de
que as regiões que vão receber as graduações sejam escolhidas por
critérios políticos e não técnicos. “Enquanto não houver uma política
pública de interiorização da assistência, o governo, ao abrir novas
escolas médicas no interior, estará apenas fazendo uma maquiagem para
ganhar popularidade e deixar aberto o balcão de negócios com as empresas
privadas”, opina Roberto D’Ávila, presidente do CFM.
O Brasil tem 388 mil médicos registrados no CFM, uma média de dois para
cada mil habitantes. Desses, 61,5% estão concentrados nas 38 cidades com
mais de 500 mil habitantes.
OAB defende normas rígidas
Representantes do Ministério da Educação (MEC) e da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) assinam na próxima terça-feira um acordo de
cooperação para estabelecer novas regras para o ensino jurídico no
Brasil. O objetivo é implantar normas mais rígidas para melhorar a
qualidade dos cursos de graduação e de pós-graduação em Direito no país.
Da parte da OAB, a intenção principal é garantir a qualidade dos cursos,
não a abertura de novos. Hoje, o país tem 1.210 graduações em Direito –
que formam 90 mil bacharéis por ano –, das quais apenas 90 receberam o
selo “OAB recomenda” em 2011. Das outras, só 791 foram consideradas
aceitáveis por atender pré-requisitos mínimos de qualidade exigidos pela
entidade. “Queremos melhorar os mecanismos de controle, tanto para
novos cursos como para os já existentes. A ideia não é fechar ou punir,
mas resolver as deficiências”, afirma Eid Badr, presidente da Comissão
Nacional de Educação Jurídica da OAB.
Sobre a preocupação do governo em relação à localização geográfica dos
cursos, abrindo novas vagas nas regiões mais pobres, a OAB ainda não se
manifestou.
FONTE: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1352101&tit=Formacao-de-doutores-na-berlinda
FONTE: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1352101&tit=Formacao-de-doutores-na-berlinda