Indicações controversas para comissões no Congresso colocam "prego no caixão da democracia", diz analista
Janaina Garcia
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
A nomeação de um pastor de declarações racistas e homofóbicas para a Comissão de Direitos Humanos
ou de condenados no julgamento do mensalão para a Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania --que abarca ainda um fugitivo da
Justiça americana-- da Câmara dos Deputados é o tipo de medida que
revela o poder dos colégios de líderes da Casa e do Senado e que "coloca
um prego no caixão da democracia brasileira". As análises foram feitas
pelo professor de ética e filosofia Roberto Romano, da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas), e pelo cientista político David
Fleischer, da UnB (Universidade de Brasília).
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Além do deputado Marco Feliciano, nomeado nesta quinta-feira (7)
presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, a escolha de nomes
que despertaram ira e estranhamento na opinião pública para as
comissões permanentes das duas casas legislativas tem ao menos outros
oito nomes de envolvidos em polêmicas ou mesmo condenações.
São nomes como os de José Genoino e João Paulo Cunha (PT-SP),
recém-condenados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento do
mensalão, ano passado, e de Paulo Maluf (PP-SP), já condenado por
desvios de verbas públicas e listado como procurado pela Interpol,
suspeito de lavagem de dinheiro. Os três são titulares na Comissão de
Constituição e Justiça.
Ainda na Câmara, a Comissão de Educação é presidida por Gabriel Chalita
--que já assumiu, por sinal, defendendo-se das acusações de desvios de
recursos quando ocupou a Secretaria de Educação no governo de São Paulo,
entre 2002 e 2006.
"Os parlamentares estão colocando, em longo prazo, um prego no caixão
da democracia. Se ao menos houvesse agora adversários [do regime
democrático] do lado de fora pregando fim do poder... mas são eles
mesmos, lá dentro, que estão conduzindo o cortejo fúnebre da ordem
democrática", avaliou Romano.
Para o professor de ética, não raro integrantes das comissões
permanentes agem como lobistas de interesses de suas bancadas ou
partidos. "Se você não tem a legalização do lobby, esses deputados e
senadores se transformam em lobistas e usam grande parte do mandato para
defender interesses conflitantes aos de princípios éticos", disse.
Na avaliação de Romano, a indicação de nomes que estão envolvidos em
polêmicas ou, situação mais grave, em desvios de recursos públicos,
afeta um dos pilares básicos da legitimidade do agente político: "o
respeito às prerrogativas e deveres do cargo".
"O caso do deputado Feliciano é emblemático: ele é um lobista da sua
própria igreja [Assembleia de Deus], e ficou claro que tem uma visão
muito particular do que sejam direitos humanos. Da mesma forma, como
colocar alguém condenado pela mais alta corte de Justiça, em um processo
político, em uma comissão de Justiça?", indagou o estudioso, que
completou: "Nem Câmara, nem Senado estão percebendo esses desvios em
relação ao exercício correto do cargo. Basta ler a Constituição Federal,
está lá, com todas as letras, no artigo 37: o poder precisa ser
exercido segundo critérios de moralidade e competência –o que implica em
ter, nessas comissões, a pessoa mais isenta possível, acima dos
conflitos dos interesses."
Veja vídeos sobre o pastor Marco Feliciano - 5 vídeos
"O PT, por exemplo, tem em seu estatuto a obrigação de defender os
direitos humanos, mas escolheu outras comissões. O que pode ser mais
importante na defesa de um país do que mulheres que são mortas dentro de
casa, empresas que mantenham trabalho escravo ou crianças sendo
estupradas? É interessante notar também não apenas quem assumiu essa
comissão, mas aqueles todos que abriram mão dela", advertiu.
"Malhação do Judas"
Por outro lado, Romano avaliou que a repercussão dessas nomeações em
redes sociais, por exemplo --o caso de Feliciano na CDH foi o mais
notório, nos últimos dias--, ainda carecem de consistência. Ele as
comparou a uma espécie de "malhação do Judas" virtual, mas sem ações
concretas.
"Os partidos estão se tornando "partidos dos dirigentes" e perdendo
militantes –que acabam indo para Twitter e Facebook se manifestar. Mas é
como malhar o Judas: o fazem, ficam contentes e voltam para casa. São
raros os movimentos que, a exemplo do que originou a Lei da Ficha Limpa,
ultrapassam os limites virtuais", assinalou.
Responsabilidade é dos líderes
Já o cientista político da UnB destacou que as opções por nomes como
Feliciano, Genoino, Cunha e Chalita "fazem parte da democracia
brasileira", mas são "responsabilidade maior dos partidos, sobretudo dos
líderes partidários", do que das instituições propriamente ditas.
"Essa maneira de Câmara e Senado distribuírem as comissões entre os
partidos é feito todo ano pelo colégio de líderes --com rodízio de um
ano [Câmara] ou dois anos [Senado] no posto. Se a liderança do PSC
tivesse sido minimamente inteligente, teria pensado que haveria uma
reação muito forte ao nome do pastor e geraria esse desgaste para a
instituição", defendeu.
Fleischer lembrou que tanto o presidente do Senado, Renan Calheiros
(PMDB-AL), quanto o da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), assumiram seus
postos de comando das Casas com discurso de melhorar a imagem delas.
"Mas episódios como essas nomeações controversas vão na contramão da
proposta e denigrem as Casas até fora do país --temos correspondentes
internacionais no Brasil, afinal".
"Mas, ao menos no episódio do pastor na CDH, pode-se dizer que ele
assume sob brutal pressão: a mídia e as organizações sociais farão um
forte monitoramento dele, o que é positivo", ressalvou.
Se as reações da sociedade podem ser um aviso a seus representantes
empossados? "Eles ficam de sobreaviso a respeito de suas decisões, mas
só ficam mais vulneráveis a essas reações em ano eleitoral, fato", disse
Fleischer.
Proporcionalidade é critério de escolha
Pelos regimentos da Câmara, o número de membros efetivos das comissões
permanentes leva em conta critérios como o princípio da
proporcionalidade partidária. Assim, partidos com as maiores bancadas,
como PMDB e PT, por exemplo, têm mais chance de emplacar presidentes nas
comissões que partidos de menor representatividade.
Pelo regimento do Senado, também vale a proporcionalidade para as
indicações dos comandos das comissões. Aqui, porém, os membros delas são
designados pelo presidente, "por indicação escrita dos respectivos
líderes".
Na Câmara, os membros têm mandato de um ano; no Senado, de dois anos.
Comissões do Senado
Além dos nomes controversos em meio às 21 comissões permanentes da
Câmara, parte das 11 comissões do Senado também comportam agentes
públicos que já estiveram no centro de polêmicas.
É o caso da Comissão de Serviços de Infraestrutura, presidida pelo
senador Fernando Collor de Melo (PTB – AL), único presidente alvo de
processo de impeachment no Brasil, e da comissão de Ciência e Tecnologia
–presidida pelo ex-dirigente do Cruzeiro Zeze Perrella (PDT – MG), que
já foi indiciado pela Polícia Federal sob suspeita de lavagem de
dinheiro. O vice do pedetista na comissão é o senador Alfredo Nascimento
(PR- AM) --que deixou o Ministério dos Transportes, em julho de 2011,
em meio a denúncias sobre um suposto esquema de superfaturamento em
obras que envolviam servidores da pasta.
Também no Senado, a Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e
Fiscalização e Controle é presidida por Blairo Maggi (PR – MT)
--integrante da bancada ruralista e considerado um dos maiores
produtores de soja do Brasil, o que gerou insatisfação por parte de ambientalistas e políticos ligados ao setor ambiental.