quinta-feira, 7 de março de 2013

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 04 de março de 2013 a 10 de março de 2013 – ANO 2013 – Nº 552

A usina que faz o lixo desaparecer


Uma usina que faz o lixo da cidade simplesmente desaparecer. Pesquisa de doutorado apresentada na Unicamp analisa os aspectos econômicos e socioambientais da implantação da WPC – Waste Processing Center, ou Central de Processamento de Lixo – em municípios brasileiros. O processo permite a separação e a correta destinação dos resíduos (materiais recicláveis) hoje depositados em lixões e aterros e, mais que isso, a utilização dos rejeitos (o lixo propriamente dito) como matéria-prima para a geração de energia elétrica, bem como o tratamento e reuso da água extraída neste processo. O processo WPC é um desenvolvimento avançado do sistema WTE – Waste to Energy, ou Energia a partir do Lixo – que já está bem disseminado na Europa, Japão, China e Estados Unidos, ao passo que no Brasil esta opção sequer começou a ser discutida.
“A usina é a melhor maneira de aproveitar o lixo hoje”, diz convicto o engenheiro Sérgio Augusto Lucke, que defendeu a tese na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), sob a orientação do professor Carlos Alberto Mariottoni. “A nova Política Nacional de Resíduos Sólidos, homologada em 2010, traz uma revolução em termos ambientais. Os prefeitos não podem mais ficar omissos em relação ao lixo, pois se tornou obrigatória a sua coleta e proibido o seu descarte em lixões”, acrescenta o autor, sugerindo que os municípios têm nestas usinas uma ótima alternativa para cumprir as novas normas.
Lucke afirma que a legislação faz uma clara distinção entre rejeitos (aquilo que não pode mais ser processado) e resíduos (o que pode ser reciclado). “Tudo estava indo para lixões, aterros controlados ou aterros sanitários, que agora devem receber apenas os rejeitos, enquanto os resíduos precisam ter destinação e processamento adequados. A lei também é clara quanto à inclusão social de milhares de pessoas que ganham a vida no lixão, através da promoção do emprego formal, com carteira assinada e demais benefícios. Outro grande diferencial é o incentivo à logística reversa.”
Segundo o engenheiro, as prefeituras que descumprirem a legislação não terão acesso aos mecanismos de financiamento do governo. “Foram estabelecidos metas e prazos, cumpridos por apenas 10% dos municípios, que apresentaram inventários sobre a geração de lixo e planos de ação. Os 90% que não realizaram este trabalho passam a ser questionados pelos governos estadual e federal: se não há planos e inventários, para quê financiamento?”.
Sérgio Lucke informa que 12% do lixo gerado nas mais de 5 mil cidades brasileiras deixam de ser coletados; do que é coletado, a metade vai para lixões e aterros controlados e outra metade para aterros sanitários. “A cidade de São Paulo gera 16 mil toneladas de lixo por dia; em Campinas, são mil toneladas/dia. O que estamos colocando nestes depósitos é um material valioso: recursos e energia. Um cálculo referendado no ano passado pelo Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] é de que o país desperdiça, com isso, aproximadamente 4 bilhões de dólares por ano, aí considerando os recicláveis.”
O PROCESSO
Do lixo urbano que chega à WPC, conforme explica o pesquisador, são separados os resíduos para as empresas recicladoras, enquanto os rejeitos são processados para retirada da umidade. “O lixo urbano possui cerca de 40% do seu peso em água, que é tratada e parcialmente utilizada na própria usina, podendo ainda ser disponibilizada ao poder público e indústrias da vizinhança. Sobra uma massa quase seca, cuja combustão aquece a água na caldeira e produz o vapor que vai pela turbina movimentar o gerador, obtendo-se na ponta a energia elétrica que é colocada na rede. Outra opção é aproveitar o gás da combustão.”
Lucke calcula que Campinas, por exemplo, teria 15% a mais de energia elétrica em relação ao que consome, caso contasse com uma usina para incinerar suas 1.050 toneladas diárias de lixo. “Existe ainda a vantagem de ser uma geração local, pois não se está produzindo energia aqui para enviar a outros estados. Com isso, não se sobrecarrega tanto as linhas de transmissão, quando o governo diz que o problema não é gerar, mas transmitir e depois distribuir energia. Se a margem para evitar o risco de apagão é de 3% ou 4%, 15% oferecem muita segurança.”
Para chegar a este e tantos outros resultados, o pesquisador colheu dados dos 645 municípios do Estado de São Paulo (de 2005 a 2010), além de previsões até 2020, analisando aspectos como geração de lixo, PIB e população de cada um deles. Ao mesmo tempo, levantou os investimentos e custos de instalação de usinas de variados portes, considerando equipamentos, construção civil, logística, operação, manutenção e folha de pagamento, entre outros. “Uma usina média, com capacidade para 260 toneladas/dia, custaria ao redor de 290 milhões de reais. Ela poderia gerar 120 megawatt/dia, atendendo de 40 a 50 mil habitantes e oferecendo 120 empregos diretos, além dos indiretos e do estímulo à economia regional.”
CONSÓRCIOS
Sérgio Lucke concluiu logo de início que a maioria dos municípios paulistas não tem porte suficiente para acomodar uma usina, dando o exemplo de Borá, que mal chega a 1.000 habitantes e gera 200 gramas de lixo per capita – na Capital o índice beira 1,5 quilo. “É necessário formar consórcios para que cidades de uma região atinjam um volume de lixo comum a ser processado. Mas isso pede novos cálculos, pois se no início o custo maior é de investimento, depois passa a ser de logística: conforme aumenta o número de consorciados, aumenta a distância entre as cidades, advindo problemas como de transporte e mão-de-obra. É preciso dosar, otimizando o processo.”
Pelas projeções do autor da tese, o ideal seria que o Estado de São Paulo implantasse usinas de forma descentralizada, sejam pequenas, médias ou grandes, a fim de atender a diferentes demandas de suas 15 regiões administrativas. A própria Capital precisaria de um mínimo de 10 usinas descentralizadas para processar o lixo gerado. “Fato é que precisamos resolver o problema do lixo, que em outros países já vem sendo inclusive exportado. O lixo de Nova York é transportado em containers embarcados em trens para um percurso de 1.000 a 2.000 quilômetros até o interior do país, onde é em parte aterrado, em parte incinerado. Os Estados Unidos gastam 26 bilhões de dólares só nesse tipo de logística, sem contar o custo do processamento.”
A IMPLANTAÇÃO
Lucke assegura que o Brasil detém tecnologia para implantar usinas de processamento de lixo imediatamente. E acrescenta que não fala como teórico, mas como um empresário que tem 40 anos no mercado, sendo 15 anos nesta área específica. Formado em engenharia mecânica pela Unicamp em 1973, ele partiu para três anos de especialização profissional na Alemanha, onde absorveu bastante de uma mentalidade sobre meio ambiente que na época já era bem avançada. Depois de duas décadas consolidando a vida empresarial, retomou contato com pesquisadores alemães e suíços, desenvolvendo trabalhos conjuntos nesta área desde 1998.
“Estamos agregando o conhecimento dos parceiros europeus ao nosso e adequando-os ao mercado brasileiro, que apresenta enorme potencial para aplicação desta tecnologia”, observa o pesquisador. “Já desenvolvemos muitos equipamentos e podemos fabricar aqui os outros que forem necessários. Importaríamos apenas a parte de controle de emissões, mais sensível e precisa, a fim de garantir o cumprimento das normais ambientais. Seria possível começar a implantar uma usina daqui a meia hora”, assegura o pesquisador.
PublicaçõesTese: “O resíduo sólido urbano como fonte renovável para geração de energia elétrica: aspectos econômicos e sócio-ambientais”Autor: Sérgio Augusto LuckeOrientador: Carlos Alberto MariotoniUnidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)



Da incineração poluidora
aos benefícios ambientais
O engenheiro Sérgio Lucke recorda que o Japão, enfrentando sérios problemas de espaço para depositar o lixo urbano, foi o primeiro país a incinerá-lo em caldeiras gigantescas, aterrando as cinzas em alguma ilha mais isolada – e nisso foram seguidos pelos americanos. Partiu dos alemães, ao perceberem que se estava queimando gás e óleo para queimar lixo, a idéia de recuperar a energia (WTE). Hoje existem cerca de 700 usinas de incineração com geração de energia WTE espalhadas por Europa, Japão, China e Estados Unidos.
Entretanto, como observa o pesquisador, as primeiras instalações deixaram o estigma de que incineração é poluição, visto que a preocupação não era a mesma de hoje e elas não sofriam um controle rígido. “Muitos componentes das emissões só foram descobertos após a instalação das plantas, como dioxinas e furanos. Mas, nos últimos 15 anos, a evolução tecnológica tornou a incineração o processo mais seguro existente, tanto que o maior nível de emissões das usinas não chega a 20% do valor exigido pelas normas. Há usinas queimando até mil toneladas de lixo por dia, mesmo no centro de cidades como Viena, Osaka e Zurique, sem qualquer problema de odor ou poluição. Um aterro hoje polui muito mais que uma usina.”
Na opinião de Sérgio Lucke, as centrais de processamento de lixo também ajudariam a amenizar os problemas representados pelos aterros, a começar pelos relacionados à saúde. “O Estado de São Paulo gasta 380 milhões de dólares por ano para atender pessoas afetadas por problemas de saúde oriundos do lixo, como água contaminada pelo chorume e contato direto ou indireto com os vetores de doenças como ratos e insetos. Na verdade, esta tecnologia pode ser aplicada inclusive para recuperar áreas de aterros desativados ou em operação, fazendo-se a mineração e processamento de todo o material ali depositado. Considerando que a cada dez toneladas de lixo perde-se um metro quadrado de terreno, ganharíamos muito espaço para fins mais nobres, como de lazer e habitação.”