A usina que faz o lixo desaparecer
Uma
usina que faz o lixo da cidade simplesmente desaparecer. Pesquisa de
doutorado apresentada na Unicamp analisa os aspectos econômicos e
socioambientais da implantação da WPC – Waste Processing Center, ou
Central de Processamento de Lixo – em municípios brasileiros. O processo
permite a separação e a correta destinação dos resíduos (materiais
recicláveis) hoje depositados em lixões e aterros e, mais que isso, a
utilização dos rejeitos (o lixo propriamente dito) como matéria-prima
para a geração de energia elétrica, bem como o tratamento e reuso da
água extraída neste processo. O processo WPC é um desenvolvimento
avançado do sistema WTE – Waste to Energy, ou Energia a partir do Lixo –
que já está bem disseminado na Europa, Japão, China e Estados Unidos,
ao passo que no Brasil esta opção sequer começou a ser discutida.
“A
usina é a melhor maneira de aproveitar o lixo hoje”, diz convicto o
engenheiro Sérgio Augusto Lucke, que defendeu a tese na Faculdade de
Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), sob a orientação do
professor Carlos Alberto Mariottoni. “A nova Política Nacional de
Resíduos Sólidos, homologada em 2010, traz uma revolução em termos
ambientais. Os prefeitos não podem mais ficar omissos em relação ao
lixo, pois se tornou obrigatória a sua coleta e proibido o seu descarte
em lixões”, acrescenta o autor, sugerindo que os municípios têm nestas
usinas uma ótima alternativa para cumprir as novas normas.
Lucke
afirma que a legislação faz uma clara distinção entre rejeitos (aquilo
que não pode mais ser processado) e resíduos (o que pode ser reciclado).
“Tudo estava indo para lixões, aterros controlados ou aterros
sanitários, que agora devem receber apenas os rejeitos, enquanto os
resíduos precisam ter destinação e processamento adequados. A lei também
é clara quanto à inclusão social de milhares de pessoas que ganham a
vida no lixão, através da promoção do emprego formal, com carteira
assinada e demais benefícios. Outro grande diferencial é o incentivo à
logística reversa.”
Segundo o
engenheiro, as prefeituras que descumprirem a legislação não terão
acesso aos mecanismos de financiamento do governo. “Foram estabelecidos
metas e prazos, cumpridos por apenas 10% dos municípios, que
apresentaram inventários sobre a geração de lixo e planos de ação. Os
90% que não realizaram este trabalho passam a ser questionados pelos
governos estadual e federal: se não há planos e inventários, para quê
financiamento?”.
Sérgio Lucke informa
que 12% do lixo gerado nas mais de 5 mil cidades brasileiras deixam de
ser coletados; do que é coletado, a metade vai para lixões e aterros
controlados e outra metade para aterros sanitários. “A cidade de São
Paulo gera 16 mil toneladas de lixo por dia; em Campinas, são mil
toneladas/dia. O que estamos colocando nestes depósitos é um material
valioso: recursos e energia. Um cálculo referendado no ano passado pelo
Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] é de que o país
desperdiça, com isso, aproximadamente 4 bilhões de dólares por ano, aí
considerando os recicláveis.”
O PROCESSO
Do
lixo urbano que chega à WPC, conforme explica o pesquisador, são
separados os resíduos para as empresas recicladoras, enquanto os
rejeitos são processados para retirada da umidade. “O lixo urbano possui
cerca de 40% do seu peso em água, que é tratada e parcialmente
utilizada na própria usina, podendo ainda ser disponibilizada ao poder
público e indústrias da vizinhança. Sobra uma massa quase seca, cuja
combustão aquece a água na caldeira e produz o vapor que vai pela
turbina movimentar o gerador, obtendo-se na ponta a energia elétrica que
é colocada na rede. Outra opção é aproveitar o gás da combustão.”
Lucke
calcula que Campinas, por exemplo, teria 15% a mais de energia elétrica
em relação ao que consome, caso contasse com uma usina para incinerar
suas 1.050 toneladas diárias de lixo. “Existe ainda a vantagem de ser
uma geração local, pois não se está produzindo energia aqui para enviar a
outros estados. Com isso, não se sobrecarrega tanto as linhas de
transmissão, quando o governo diz que o problema não é gerar, mas
transmitir e depois distribuir energia. Se a margem para evitar o risco
de apagão é de 3% ou 4%, 15% oferecem muita segurança.”
Para
chegar a este e tantos outros resultados, o pesquisador colheu dados
dos 645 municípios do Estado de São Paulo (de 2005 a 2010), além de
previsões até 2020, analisando aspectos como geração de lixo, PIB e
população de cada um deles. Ao mesmo tempo, levantou os investimentos e
custos de instalação de usinas de variados portes, considerando
equipamentos, construção civil, logística, operação, manutenção e folha
de pagamento, entre outros. “Uma usina média, com capacidade para 260
toneladas/dia, custaria ao redor de 290 milhões de reais. Ela poderia
gerar 120 megawatt/dia, atendendo de 40 a 50 mil habitantes e oferecendo
120 empregos diretos, além dos indiretos e do estímulo à economia
regional.”
CONSÓRCIOS
Sérgio
Lucke concluiu logo de início que a maioria dos municípios paulistas
não tem porte suficiente para acomodar uma usina, dando o exemplo de
Borá, que mal chega a 1.000 habitantes e gera 200 gramas de lixo per
capita – na Capital o índice beira 1,5 quilo. “É necessário formar
consórcios para que cidades de uma região atinjam um volume de lixo
comum a ser processado. Mas isso pede novos cálculos, pois se no início o
custo maior é de investimento, depois passa a ser de logística:
conforme aumenta o número de consorciados, aumenta a distância entre as
cidades, advindo problemas como de transporte e mão-de-obra. É preciso
dosar, otimizando o processo.”
Pelas
projeções do autor da tese, o ideal seria que o Estado de São Paulo
implantasse usinas de forma descentralizada, sejam pequenas, médias ou
grandes, a fim de atender a diferentes demandas de suas 15 regiões
administrativas. A própria Capital precisaria de um mínimo de 10 usinas
descentralizadas para processar o lixo gerado. “Fato é que precisamos
resolver o problema do lixo, que em outros países já vem sendo inclusive
exportado. O lixo de Nova York é transportado em containers embarcados
em trens para um percurso de 1.000 a 2.000 quilômetros até o interior do
país, onde é em parte aterrado, em parte incinerado. Os Estados Unidos
gastam 26 bilhões de dólares só nesse tipo de logística, sem contar o
custo do processamento.”
A IMPLANTAÇÃO
Lucke
assegura que o Brasil detém tecnologia para implantar usinas de
processamento de lixo imediatamente. E acrescenta que não fala como
teórico, mas como um empresário que tem 40 anos no mercado, sendo 15
anos nesta área específica. Formado em engenharia mecânica pela Unicamp
em 1973, ele partiu para três anos de especialização profissional na
Alemanha, onde absorveu bastante de uma mentalidade sobre meio ambiente
que na época já era bem avançada. Depois de duas décadas consolidando a
vida empresarial, retomou contato com pesquisadores alemães e suíços,
desenvolvendo trabalhos conjuntos nesta área desde 1998.
“Estamos
agregando o conhecimento dos parceiros europeus ao nosso e adequando-os
ao mercado brasileiro, que apresenta enorme potencial para aplicação
desta tecnologia”, observa o pesquisador. “Já desenvolvemos muitos
equipamentos e podemos fabricar aqui os outros que forem necessários.
Importaríamos apenas a parte de controle de emissões, mais sensível e
precisa, a fim de garantir o cumprimento das normais ambientais. Seria
possível começar a implantar uma usina daqui a meia hora”, assegura o
pesquisador.
PublicaçõesTese: “O resíduo sólido urbano como fonte renovável para geração de energia elétrica: aspectos econômicos e sócio-ambientais”Autor: Sérgio Augusto LuckeOrientador: Carlos Alberto MariotoniUnidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)
Da incineração poluidora
aos benefícios ambientais
aos benefícios ambientais
O
engenheiro Sérgio Lucke recorda que o Japão, enfrentando sérios
problemas de espaço para depositar o lixo urbano, foi o primeiro país a
incinerá-lo em caldeiras gigantescas, aterrando as cinzas em alguma ilha
mais isolada – e nisso foram seguidos pelos americanos. Partiu dos
alemães, ao perceberem que se estava queimando gás e óleo para queimar
lixo, a idéia de recuperar a energia (WTE). Hoje existem cerca de 700
usinas de incineração com geração de energia WTE espalhadas por Europa,
Japão, China e Estados Unidos.
Entretanto,
como observa o pesquisador, as primeiras instalações deixaram o estigma
de que incineração é poluição, visto que a preocupação não era a mesma
de hoje e elas não sofriam um controle rígido. “Muitos componentes das
emissões só foram descobertos após a instalação das plantas, como
dioxinas e furanos. Mas, nos últimos 15 anos, a evolução tecnológica
tornou a incineração o processo mais seguro existente, tanto que o maior
nível de emissões das usinas não chega a 20% do valor exigido pelas
normas. Há usinas queimando até mil toneladas de lixo por dia, mesmo no
centro de cidades como Viena, Osaka e Zurique, sem qualquer problema de
odor ou poluição. Um aterro hoje polui muito mais que uma usina.”
Na
opinião de Sérgio Lucke, as centrais de processamento de lixo também
ajudariam a amenizar os problemas representados pelos aterros, a começar
pelos relacionados à saúde. “O Estado de São Paulo gasta 380 milhões de
dólares por ano para atender pessoas afetadas por problemas de saúde
oriundos do lixo, como água contaminada pelo chorume e contato direto ou
indireto com os vetores de doenças como ratos e insetos. Na verdade,
esta tecnologia pode ser aplicada inclusive para recuperar áreas de
aterros desativados ou em operação, fazendo-se a mineração e
processamento de todo o material ali depositado. Considerando que a cada
dez toneladas de lixo perde-se um metro quadrado de terreno,
ganharíamos muito espaço para fins mais nobres, como de lazer e
habitação.”