Qua
, 20/11/2013 às 07:00
| Atualizado em: 20/11/2013
às 07:54
Vítima de racismo enfrenta barreira para denunciar agressor
Maíra Azevedo
Desde 1989 que a prática de racismo é crime no Brasil. Conforme a Lei
Federal nº 7.716/89, conhecida como Lei Caó - em homenagem ao seu autor,
o ex-deputado Carlos Alberto Oliveira dos Santos -, quem for pego ao
cometer ato racista pode ser preso por até cinco anos e será obrigado a
pagar multa, definida pelo juiz.
Ainda que seja um crime inafiançável (não pode ser relaxado a favor de
quem comete o ato) e imprescritível (quem cometeu o delito pode ser
preso a qualquer tempo, mesmo que se passem anos), levar casos de
racismo adiante requer paciência e conhecimento jurídico.
O músico Fábio Lira, de 33 anos, sabe muito bem disso, após ter sido
discriminado em um grande shopping de Salvador, ao ser xingado por outro
cliente de "preto, f... e cabelo rasta podre".
Ao chamar a segurança do shopping, foi transformado de vítima em
agressor. Ao chegar à delegacia para prestar queixa, os policiais se
recusaram a fazer um boletim de ocorrência em que o fato fosse
tipificado como racismo.
"O cara gritava e perguntava quem eu era. E quando eu disse que ele ia
pagar pelo que fez, ele disse: 'Vá chamar quem você quiser, eu trabalho
em um banco e isso não vai dar em nada, seu otário'. E de fato não deu",
relatou o músico.
O fato foi enquadrado como "vias de fato", e Fábio foi orientado a
fazer acordo com seu agressor, pois suas testemunhas já não poderiam
mais depor a seu favor, já que também entraram no mesmo processo e, se
desse prosseguimento ao caso, teria de arcar com os custos de um
advogado e pagar dez cestas básicas, no valor de R$ 1.200.
"Eu não tinha condições. Tive que pagar R$ 300 ao advogado e, mesmo
assim, estava fora do meu orçamento. Com o ocorrido, aprendi que tenho
que ficar mais ligado. É um sentimento de revolta e tristeza. Agora já
sei o que fazer, me rebelo mesmo contra qualquer ato racista", diz.
Segundo Samuel Vida, professor de direito da Universidade Federal da
Bahia (Ufba) e advogado, a falta de condições formais, como provas e
testemunhas, são os principais entraves para transformar casos de
racismo em processos judiciais.
"O racismo é um crime muito fácil de ser cometido sem deixar vestígios.
Muitas vezes acontece sem a presença de testemunhas ou de pessoas que
são facilmente neutralizadas", diz.
"Crimes de racismo só podem ser julgados se forem movidos por meio de
ação penal pública, cujo autor é o Ministério Público. Portanto, se o
MP entender que não houve racismo, o inquérito é arquivado e a vítima
não pode fazer mais nada. O racismo no Brasil se aproxima do crime
perfeito. Não deixa vestígios e é a vítima que fica constrangida",
explica o professor.
Resistência
Atual titular do Grupo de Atuação Especial de Combate à Discriminação -
Gedis, do Ministério Público, a promotora Grace Campelo Apolonis
orienta que, mesmo encontrando dificuldades para prestar queixa em
alguma delegacia, devido à resistência dos policiais, é fundamental que a
vítima não desista e procure a sede do MP, em Nazaré, para formalizar a
denúncia.
"É fundamental prestar a queixa, para que o fato seja apurado e o
responsável seja punido. Trata-se de uma violação dos direitos humanos.
Mas, infelizmente, o racismo institucional está presente nas próprias
delegacias, que tentam amenizar a situação dizendo que foi discriminação
social ou injúria", reconhece a promotora.
Secretário estadual de Promoção da Igualdade, Elias Sampaio reconhece
as dificuldades de denunciar o racismo, mas afirma que a implantação de
uma delegacia especial para o assunto está sob análise do governo.
"Essa é uma demanda antiga do movimento negro. Ainda este ano, vamos
inaugurar o Centro de Referência ao Combate ao Racismo e Intolerância
Religiosa. A obra está em fase final, mas isso não descarta a criação da
delegacia", afirma.