segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Um artigo de J.R. Guedes de Oliveira.


                       GANGA ZUMBA – O PIONEIRO DOS PALMARES


                                                                                   J. R. Guedes de Oliveira*

          Para compreender o significado de 20 de novembro (data da morte de Zumbi dos Palmares, 1695), é necessário que reportemos à figura de Ganga Zumba, que foi filho da princesa Aqualtune e que assumiu a posição de herdeiro do reino do Quilombo dos Palmares ou Janga Angolana, na Capitania de Pernambuco, atual Estado de Alagoas.
          Assim como o trágico desfecho de Zumbi, que não foi o de suicídio, descrevemos um oportuno artigo do historiador Afonso Celso - Conde de Afonso Celso (1860-1938) – trisavô de Dinho Ouro Preto, da banda de rock Capital Inicial, para ilustrar a data da Consciência Negra e evidenciar o pioneirismo da luta contra o regime escravocrata. A referida matéria foi estampada no jornal “Gazeta de Capivari”, edição de 10.12.1905.
          “Há mais de dois séculos, em pleno Brasil colonial, existiu, durante cerca de 60 anos, uma comunhão de homens livre, regularmente organizada, com perto de cem mil habitantes, - (maior população que que a das antigas repúblicas gregas), - fortes, enégios, decidados a trabalhos agrícolas. Era constituida por negros fugidos ao cativeiro e homens de coer foragidos da justiça.
          Achava-se situada na porta superior do rio São Francisco, no atual Estado de Alagoas. Chamava-se Palmares, por causa de extenso palmeiral que em seu território florescia.
          Formavam-na várias aldeias confederadas, denominadas mocambos, com uma capital de talvez seis mil moradores, defendida por meio de dupla cerca ee paus a pique emuitos baluartes.
          O recibnto, assim fortificado, abrangia larga extensão, e só tinha três portas. Atravessavam-no rios rios perigosos. Erguia-se dentro dele o palácio do chefe Zambi – palavra sinônima, num dialeto africano, de divindade. Soberelevava o palácio altíssima e escarpada rocha, servindo de torre de vigia, pois de seu cimo se avistava muito longe.
          Esse asilo de desgraçados, engendreado como Roma, e cujos primeiros cidadãos tiveram de suprir a falta de mulheres roubando-as aos vizinhos, à imitação dos primitivos romanos, tornou-se com o tempo formidável pelo número e pela disciplina. Grandemente trabalhadores, cultivavam as terras férteis e abundantes de caça. Celebravam as colheitas com estrepitosas festas.
            Mantinham celeiros para os casos  de guerra e carestias. Não precisavam do resto do mundo, tirando do seu próprio território tudo aquilo de que careciam. Faziam, porém, as vezes correrias nos territórios circunvizinhos, respeitando os portugueses que com eles traficavam e lhes forneciam armas e munições.
          A história dessa gente foi sucitamente traçada por aqueles que a exterminaram. Tributam estes, entretanto, homenagens de respeito à coragem com que defendiam a sua independência e as nobres qualidades que revelou.
          O chefe – Zambi – era eleltivo e vitalício, escolhido pelo seu espírito de justiça e pela sua bravura. Vivia no palácio, cercado dos próceres da população. Se Só se lhe falava com o joelho na terra. Obedeciam-lhe cegamente. Nunca uma conspiração, revolta ou luta para empolgar o poder. Assistia ao Zambi um conselho de homens experientes.    
          Intenso sentimento religioso dominava em Palmares, mas de uma religião especial, misto de práticas cristãs e idolatria africana. Adoravam o símbolo da cruz. Tinham oficiais e magistrados. Puniam com a morte – o roube, o adultério, o assassinato; aplicavam igual pena aos que, havendo se unido a eles, tentavam fugir. Todas as tardes procedia-se à chamada, para verificar quem faltava. Muito experimentados em exercícios de guerra, reinava eles perfeita igualdade social, apesar da hierarquia militar bem ordenada.
          O governo da metrópole empregou reiterados esforços para destruir Palmares. Expediu a respeito numerosas ordens, promulgou diferentes leis que não foram cumpridas. Agredidos, por vezes, retaliaram os negros assolando as povoações próximas. De 1675 a 1678, repeliram 25 investidas. Atacaram-nos, sem resultado os holandeses e o povoado de Guararapes, Francisco Barreto de Menezes. O governador d. Pedro de Almeida celebrou um tratado com Zambi Gangasuna, reconhecendo-lhes e assegurando-lhes a independência.
          Durou alguns anos a paz. Mas o governador Caetano de Melo resolveu acabar com eles. Não confiando nos recursos da sua capitania, soliciou o auxílio dos paulistas, famosos pela intrepidez.
          Domingos Jorge Velho, comandando um troço de paulistas, supos fácil a empresa de desbaratar os pretos mal armadas.
          Procura cercá-los. Fazem eles uma sortida, destroçam os atacantes, obrigam-nos à retirada. Reforços, einvados de vários pontos, engrossam o exército de Domingos Jorge Velho. Os negros se preparam para desesperada resistência. Destroem os mocambos afastados e tudo quanto podia servir de alimentação aos brancos; concentram-se na capital.
          Os palusitas assaltam-na com fúria; buscam esclar a estacada defensiva. São rechaçados, com consideráveis perdas, por meio de pedras, água a ferver, fogo. Por fim, escasseiam as munições e os alimentos aos negros, desprovidos de armas de arremesso. Também os paulistas exaustos ficam reduzidos a meia ração. Sofre-se atrozmente nos dois campos tenazes e heróicos.
          Chegam novos reforços e artilharia aos paulistas. Operam estas frenéticas investidas; forçam uma das portas; invadem a capital de Palmares.
          Então, o Zambi e os seus pirncipais sequazes, preferindo a morte à servidão, sobem ao cume da alcantilada rocha que sobrepoujava o povoado, e, com resolução estóica, precipitam-se no vácuo...
          Indiscritível a alegria dos vencedores! Procissões de regozijo percorrem as ruas de Olinda. Das janelas do governador atira-se dinhieor ao povo. São escravizados os poucos sobriviventes dos vencidos. Separam-se as mães dos filhos, os maridos das esposas. Ai daqueles que inspiram a desconfinaça de nutrirem ideais de desforra! O menos que se lhes faz é os exilarem para pontos remotos.
          E da valente república de Palmares não permanece senão vaga reminiscência, bastante, contudo, para que um poeta inspirado a transforme em magnífica epopeia”.
         O “Dia da Consciência Negra”, que se celebra a 20 de novembro (data da morte de Zumbi)  tem a extensão de reflexão na verdadeira integração do negro no contexto social.
          É de bom tom lembrar que, assim como Ganga Zumba e Zumbi, não podemos nos esquecer,  jamais, do Preto Pio. - Nasceu em Capivari e foi o líder de uma fuga de escravos ocorrida na cidade, em outubro de 1887, em Sorocaba e Porto Feliz. Sabe-se que ele morreu lutando pela liberdade na Serra do Cubatão, quando se dirigia ao Quilombo do Jabaquara. Conforme relata o historiador Carlos Carvalho Cavalheiros, os escravos saíram das fazendas de Capivari e se dirigiram à caminho de Santos, onde, na Serra do Mar, havia o Quilombo Jabaquara. "A caravana de escravos passou por Capivari, Porto Feliz, Sorocaba, São Paulo e Santos. Na Serra de Cubatão, os escravos foram abordados por soldados do exército. Pio matou um dos soldados e foi fuzilado pelos outros. A autópsia no corpo de Pio, realizada em São Paulo, revelou que o escravo caminhava e lutava sem se alimentar nos últimos três dias. Estava faminto, quando morreu”. A fuga de escravos de Capivari, chamada por José do Patrocínio de "Êxodo de Capivari", teve ainda auxílio dos caifazes de Antônio Bento, que estavam à frente na campanha abolicionista de São Paulo.  A figura do líder Preto Pio, é tão emblemática e importante quanto a de Zumbi, com a ressalva de que o escravo Pio era da região (Médio Tietê). – citado no nosso livro “Capivari – 180 Anos”, edição de 2012.
          A data é, pois, sobremaneira significativa.

                            *J. R. Guedes de Oliveira, ensaísta, biógrafo e historiador.
                              E-mail: guedes.idt@terra.com.br