GANGA ZUMBA – O PIONEIRO DOS PALMARES
J. R. Guedes de Oliveira*
Para compreender o significado
de 20 de novembro (data da morte de Zumbi dos Palmares, 1695), é necessário que
reportemos à figura de Ganga Zumba, que foi filho da princesa Aqualtune e que
assumiu a posição de herdeiro do reino do Quilombo dos Palmares ou Janga
Angolana, na Capitania de Pernambuco, atual Estado de Alagoas.
Assim como o trágico desfecho de
Zumbi, que não foi o de suicídio, descrevemos um oportuno artigo do historiador
Afonso Celso - Conde de Afonso Celso (1860-1938) – trisavô de Dinho Ouro Preto,
da banda de rock Capital Inicial, para ilustrar a data da Consciência Negra e
evidenciar o pioneirismo da luta contra o regime escravocrata. A referida
matéria foi estampada no jornal “Gazeta de Capivari”, edição de 10.12.1905.
“Há mais de dois séculos, em pleno
Brasil colonial, existiu, durante cerca de 60 anos, uma comunhão de homens
livre, regularmente organizada, com perto de cem mil habitantes, - (maior
população que que a das antigas repúblicas gregas), - fortes, enégios,
decidados a trabalhos agrícolas. Era constituida por negros fugidos ao
cativeiro e homens de coer foragidos da justiça.
Achava-se situada na porta superior
do rio São Francisco, no atual Estado de Alagoas. Chamava-se Palmares, por
causa de extenso palmeiral que em seu território florescia.
Formavam-na várias aldeias
confederadas, denominadas mocambos, com uma capital de talvez seis mil
moradores, defendida por meio de dupla cerca ee paus a pique emuitos baluartes.
O recibnto, assim fortificado,
abrangia larga extensão, e só tinha três portas. Atravessavam-no rios rios
perigosos. Erguia-se dentro dele o palácio do chefe Zambi – palavra sinônima,
num dialeto africano, de divindade. Soberelevava o palácio altíssima e escarpada
rocha, servindo de torre de vigia, pois de seu cimo se avistava muito longe.
Esse asilo de desgraçados,
engendreado como Roma, e cujos primeiros cidadãos tiveram de suprir a falta de
mulheres roubando-as aos vizinhos, à imitação dos primitivos romanos, tornou-se
com o tempo formidável pelo número e pela disciplina. Grandemente
trabalhadores, cultivavam as terras férteis e abundantes de caça. Celebravam as
colheitas com estrepitosas festas.
Mantinham
celeiros para os casos de guerra e
carestias. Não precisavam do resto do mundo, tirando do seu próprio território
tudo aquilo de que careciam. Faziam, porém, as vezes correrias nos territórios
circunvizinhos, respeitando os portugueses que com eles traficavam e lhes
forneciam armas e munições.
A história dessa gente foi
sucitamente traçada por aqueles que a exterminaram. Tributam estes, entretanto,
homenagens de respeito à coragem com que defendiam a sua independência e as
nobres qualidades que revelou.
O chefe – Zambi – era eleltivo e
vitalício, escolhido pelo seu espírito de justiça e pela sua bravura. Vivia no
palácio, cercado dos próceres da população. Se Só se lhe falava com o joelho na
terra. Obedeciam-lhe cegamente. Nunca uma conspiração, revolta ou luta para
empolgar o poder. Assistia ao Zambi um conselho de homens experientes.
Intenso sentimento religioso dominava
em Palmares, mas de uma religião especial, misto de práticas cristãs e
idolatria africana. Adoravam o símbolo da cruz. Tinham oficiais e magistrados.
Puniam com a morte – o roube, o adultério, o assassinato; aplicavam igual pena
aos que, havendo se unido a eles, tentavam fugir. Todas as tardes procedia-se à
chamada, para verificar quem faltava. Muito experimentados em exercícios de guerra,
reinava eles perfeita igualdade social, apesar da hierarquia militar bem
ordenada.
O governo da metrópole empregou
reiterados esforços para destruir Palmares. Expediu a respeito numerosas
ordens, promulgou diferentes leis que não foram cumpridas. Agredidos, por
vezes, retaliaram os negros assolando as povoações próximas. De 1675 a 1678,
repeliram 25 investidas. Atacaram-nos, sem resultado os holandeses e o povoado
de Guararapes, Francisco Barreto de Menezes. O governador d. Pedro de Almeida celebrou
um tratado com Zambi Gangasuna, reconhecendo-lhes e assegurando-lhes a
independência.
Durou alguns anos a paz. Mas o
governador Caetano de Melo resolveu acabar com eles. Não confiando nos
recursos da sua capitania, soliciou o auxílio dos paulistas, famosos pela
intrepidez.
Domingos Jorge Velho, comandando um
troço de paulistas, supos fácil a empresa de desbaratar os pretos mal armadas.
Procura cercá-los. Fazem eles uma sortida,
destroçam os atacantes, obrigam-nos à retirada. Reforços, einvados de vários
pontos, engrossam o exército de Domingos Jorge Velho. Os negros se preparam
para desesperada resistência. Destroem os mocambos afastados e tudo quanto
podia servir de alimentação aos brancos; concentram-se na capital.
Os palusitas assaltam-na com fúria;
buscam esclar a estacada defensiva. São rechaçados, com consideráveis perdas,
por meio de pedras, água a ferver, fogo. Por fim, escasseiam as munições e os
alimentos aos negros, desprovidos de armas de arremesso. Também os paulistas
exaustos ficam reduzidos a meia ração. Sofre-se atrozmente nos dois campos
tenazes e heróicos.
Chegam novos reforços e artilharia
aos paulistas. Operam estas frenéticas investidas; forçam uma das portas;
invadem a capital de Palmares.
Então, o Zambi e os seus pirncipais
sequazes, preferindo a morte à servidão, sobem ao cume da alcantilada rocha que
sobrepoujava o povoado, e, com resolução estóica, precipitam-se no vácuo...
Indiscritível a alegria dos
vencedores! Procissões de regozijo percorrem as ruas de Olinda. Das janelas do
governador atira-se dinhieor ao povo. São escravizados os poucos sobriviventes
dos vencidos. Separam-se as mães dos filhos, os maridos das esposas. Ai
daqueles que inspiram a desconfinaça de nutrirem ideais de desforra! O menos
que se lhes faz é os exilarem para pontos remotos.
E da valente república de Palmares
não permanece senão vaga reminiscência, bastante, contudo, para que um poeta
inspirado a transforme em magnífica epopeia”.
O
“Dia da Consciência Negra”, que se celebra a 20 de novembro (data da morte de
Zumbi) tem a extensão de reflexão na
verdadeira integração do negro no contexto social.
É de bom tom lembrar que, assim como
Ganga Zumba e Zumbi, não podemos nos esquecer, jamais, do Preto Pio. - Nasceu
em Capivari e foi o líder de uma fuga de escravos ocorrida na cidade, em
outubro de 1887, em Sorocaba e Porto Feliz. Sabe-se que ele morreu lutando pela
liberdade na Serra do Cubatão, quando se dirigia ao Quilombo do Jabaquara.
Conforme relata o historiador Carlos Carvalho Cavalheiros, os escravos saíram
das fazendas de Capivari e se dirigiram à caminho de Santos, onde, na Serra do
Mar, havia o Quilombo Jabaquara. "A caravana de escravos passou por Capivari,
Porto Feliz, Sorocaba, São Paulo e Santos. Na Serra de Cubatão, os escravos
foram abordados por soldados do exército. Pio matou um dos soldados e foi
fuzilado pelos outros. A autópsia no corpo de Pio, realizada em São Paulo,
revelou que o escravo caminhava e lutava sem se alimentar nos últimos três
dias. Estava faminto, quando morreu”. A fuga de escravos de Capivari, chamada
por José do Patrocínio de "Êxodo de Capivari", teve ainda auxílio dos
caifazes de Antônio Bento, que estavam à frente na campanha abolicionista de
São Paulo. A figura do líder Preto Pio, é tão emblemática
e importante quanto a de Zumbi, com a ressalva de que o escravo Pio era da
região (Médio Tietê). – citado no nosso livro “Capivari – 180 Anos”, edição de
2012.
A
data é, pois, sobremaneira significativa.
*J. R. Guedes de Oliveira, ensaísta,
biógrafo e historiador.
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guedes.idt@terra.com.br