Ruídos e vantagens na comunicação
“Ética é o conjunto de valores e princípios que
você e eu usamos para decidir as três grandes questões da vida, que são:
quero, devo e posso. Isso é ética. Quais são os princípios que eu uso?
Tem coisa que eu quero, mas não devo. Tem coisa que eu devo, mas não
posso. Tem coisa que eu posso, mas não quero. Quando você tem paz de
espírito? Quando aquilo que você quer é o que você pode e é o que você
deve.”
O filósofo e professor Mario Sergio Cortella, em
entrevista ao Programa do Jô, na Rede Globo, utilizou estas palavras
para definir ética, conceito presente na vida de todos, o qual está,
especialmente, ligado ao bom desempenho da função do jornalista. Até
porque investigar e checar, desconfiando da primeira informação que
aparece, mesmo que esta seja a oficial, faz parte do “faro” jornalístico
e não pode ser deixado de lado.
Porém, como se aproximar do governo e seus
integrantes sem tomar “partido”? Será que o jornalista político se torna
refém da sua fonte ou não há conflito de interesses? Para o professor
de Ética e Filosofia Política da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), Roberto Romano, há, sim, muito interesse.
“Na verdade isso é quase iminente em toda profissão,
mas no jornalismo político mais ainda, porque você pode mexer com a
ideologia do próprio jornalista, sua preferência política e a
dependência econômica da empresa na qual ele trabalha etc.”, explica.
“Então, o conflito de interesses, que se em toda profissão é uma coisa a
se evitar ou, pelo menos, identificar, no caso do jornalismo é mais
perigoso ainda”.
E Romano defende a existência da ética no jornalismo político, uma vez que ser ético não necessariamente significa ser correto:
Falando em preferência política, o jornalista
Fernando Mitre, diretor nacional de Jornalismo da Rede Bandeirantes,
acredita que a maior parte da imprensa está de um lado. “A mídia, em sua
maioria, nesses últimos anos, apoiou claramente um lado da política
brasileira, que foi o lado liberal. Em 1989 era uma coisa horrorosa a
posição da imprensa contra o Lula. Eles tinham pavor do Lula. Ali era
mais do que partidário, era engajado e, de certo modo, um aspecto forte
desse tempo se mantém nos grandes jornais”, reconhece.
A jornalista Cristiana Lôbo, apresentadora do Fatos e
Versões, na GloboNews, lembra que o bom repórter deve manter a isenção
na cobertura. Já o analista, o comentarista, pode e deve avançar um
pouco mais. “Criticar quando for o caso – aí, todos os atores da
política e não só governo ou oposição. O Brasil, hoje, no entanto, está
bastante dividido entre os que apoiam o governo e os que são contra; e
esse racha se verifica também em setores da imprensa.”
No entanto, Cynara Menezes, da revista Carta Capital,
afirma que não é permitido posicionamento político dentro das redações,
“a não ser, veladamente, a favor do PSDB”, critica. A jornalista conta
que ser tucano é tolerado ou se faz vista grossa, até porque, segundo
ela, como o “tucanato” vive em cima do muro, a pessoa pode fingir que
está sendo imparcial.
“O problema dentro de várias redações é ser petista
ou de esquerda”, afirma Cynara. “Já vi gente ser demitida porque o
jornal achou que era ‘petista demais’. Nunca vi alguém ser demitido por
ser ‘tucano demais’. Não posso dizer que sofri com pressões de partidos,
mas é conhecido dentro das redações que um político do PSDB costuma
ligar diretamente para a direção dos jornais quando não gosta de uma
matéria a seu respeito”, sustenta.
Então quer dizer que existe censura, ainda, nos dias
atuais? Ou isso não pode ser classificado como tal? Mitre, que também é
comentarista político no Jornal da Band, entrevistador do Canal Livre,
na TV Bandeirantes, e apresentador da coluna A Notícia, na Bandnews TV,
afirma que não há, hoje, casos de censura no Brasil, tampouco
autocensura, algo que ele classificou como altamente inaceitável.
“O que você tem é responsabilidade na produção das
matérias. Uma matéria precisa estar tecnicamente correta para ser
divulgada. Isso não é censura, são aqueles preceitos técnicos que você
tem que considerar quando está preparando a matéria. Censura, jamais.”
Nesse caso, o professor Romano, da Unicamp, tem outra
opinião. Para ele, ainda existe censura em demasia. “Você tem aí,
inclusive, uma autocensura que muitas vezes vem da falta de conhecimento
da extensão do problema que está sendo abordado. A pessoa, ao invés de
colocar a ‘luz’ sob os pontos que são mais estratégicos, ela a coloca em
pontos superficiais. E isso é muito grave”, classifica o filósofo.
Assim, entra na roda da discussão um novo problema: a
autonomia que, por vezes, é dada aos jornalistas que estão no início de
carreira e até que ponto isso contribui para o desenvolvimento
profissional do jovem repórter, sem ferir a integridade da notícia. O
jornalista e blogueiro Luis Nassif, apresentador do Brasilianas.org, na
TV Brasil, conta que é um vício das empresas de comunicação colocar na
“ponta” da reportagem o jornalista iniciante.
“Daí o sujeito vai lá. Ele vai ter que, em uma hora,
entender o tema geral, o tema específico e o que é relevante. Nesse modo
de produção ele define o que é relevante na fonte. Então ele chega lá,
pega dez informações e joga sete fora, sem ter discernimento para isso. E
é aquele negócio: ele joga fora e ninguém sabe, a não ser ele e a
fonte, o que ele pegou de informação e o que ele aproveitou”, completa.
Voltando à questão da censura, Nassif recorda que
sofreu dois ataques da revista Veja quando criticou Daniel Dantas –
banqueiro acusado de uma série de fraudes no setor de telefonia. “Cada
ataque veio com oito páginas de publicidade escancarada de empresas
dele. Depois disfarçaram”, lembra o jornalista, e acrescenta que naquele
momento a Folha de S. Paulo (jornal em que trabalhava) o deixou na mão.
Ou seja, para Nassif, a pressão maior vem dos grupos
econômicos, que facilitam o acesso dos jornais ao mercado publicitário
e/ou de capitais. Na mesma linha de raciocínio, Cynara garante que o
jornalista é “tudo” na cobertura de assuntos políticos, pois, segundo
ela, é ele quem pauta e dá o “tom” da matéria. “O problema é que este
tom depende muito do que o jornal deseja veicular”, alerta.
A propósito das fontes, Roberto Romano afirma que é
preciso ter uma relação de respeito com esses portadores de informação,
caso contrário, o vínculo pode se transformar numa relação de chantagem,
autoritarismo ou irresponsabilidade. Sobre a afirmação, Luis Nassif
cita exemplos reais, ocorridos com ele e um colega:
De acordo com Fernando Mitre, a relação do jornalista
com a fonte não pode ser pessoal e sim, cuidadosa, uma vez que com ela é
trabalhada a informação de interesse público, lembrando que a fonte
também pode agir de má fé. “Deve-se tomar muito cuidado para não ser
usado pela fonte. Se for uma pessoa interessada, você tem que saber
fazer a triagem disso. É uma fronteira muito delicada”, destaca o
diretor.
Segundo Cristiana Lôbo, o jornalismo político está
num ponto alto e precisa ser melhorado no sentido de ampliar, cada vez
mais, a cobertura. “É preciso revelar ao cidadão, ao contribuinte, aonde
vai cada centavo que ele paga de impostos. Muitas vezes acontecem
coisas na política (nomeações de pessoas para órgãos do governo ou
empresas públicas) com o interesse, apenas, de ampliar espaço financeiro
dos partidos. Este é um aspecto que a imprensa não consegue revelar tal
como ocorre”, ressalta.
Romano propõe que a cobertura política está carente
de investigação, presa a comportamentos e fontes, e a modos de analisar
os problemas, “que são caducos já”, salienta. “O jornalista analisa sem
fazer uma extensa investigação sobre o que está acontecendo de verdade”.
Por último, Cristiana alega que a política deixou de ser uma forma de
buscar soluções para os conflitos da sociedade, passando a ser negócio
de protagonistas. E isso, para ela, necessita ser delatado pela mídia.