EFEITOS
DA PONTUAÇÃO
J. R. Guedes de Oliveira
O saudoso mestre José de Almeida,
que tanto nos encantou e nos ensinou a língua portuguesa, nos advertia, sempre,
da utilização correta das regras básicas de escrever. Os seus estudos, deixados
à posteridade, muitos em forma de livros, são preciosas relíquias que nos servem, a todo instante, de plenas
consultas.
Seguindo as suas sábias lições,
devemos estar atentos, a todo instante,
para não incorrermos em deslizes, pois que a língua portuguesa é
recheada de sobressaltos.
Um exemplo disto é o que descrevemos
em “Efeitos da Pontuação”, matéria sem assinatura, publicado na Gazeta de
Capivari, em sua edição de 6 de agosto de 1905.
“Três irmãs, Soledade, Júlia e Iria,
julgando-se requestadas pelo mesmo rapaz, exigiram-lhe um dia que se
declarasse, ao que ele respondeu que faria uma décima, sem pontuação, para elas
pontuarem a seu gosto e assim ficaria resolvida a questão. Aceito o alvitre,
foi dada a décima:
- Três belas que bela são querem que
por minha fé eu diga qual delas é que ama meu coração se obedecer à razão digo
que amo Soledade não a Júlia cuja bondade ser humano não teria não aspiro à mão
de Iria que não é linda beldade.
Soledade, julgando-se preferida,
pontuou de forma seguinte:
- Três belas, que belas são, querem
que, por minha fé, eu diga qual delas é que ama meu coração, se obedecer à
razão, digo que amo Soledade; não a Júlia, cuja bondade ser humano não teria;
não aspiro à mão de Iria, que não é linda beldade.
Júlia, supondo também ter a primazia,
deu à décima a pontuação que segue:
- Três belas, que belas são, querem
que, por minha fé, eu diga qual delas é que ama meu coração. Se obedecer à
razão, digo que amo Soledade? Não. A Júlia, cuja bondade ser humano não teria.
Não aspiro à mão de Iria, que não é linda beldade.
Iria, não concordando com as irmãs,
pontuou deste modo:
- Três belas, que belas são, querem
que, por minha fé, eu diga qual delas é
que ama meu coração. Se obedecer à razão, digo que amo Soledade? Não. A
Júlia, cuja bondade ser humano não teria? Não. Aspiro à mão de Iria. Que?!...
Não é linda beldade.
Não chegando a um acordo, foi chamado
o rapaz para decidir, e a décima teve, finalmente, a seguinte pontuação:
- Três belas, que belas são, querem
que, por minha fé, eu diga qual delas é que ama meu coração. Se obedecer à
razão, digo que amo Soledade? Não. A Júlia cuja bondade ser humano não teria?
Não. Aspiro à mão de Iria? Que?!... Não é linda beldade.
Vê-se como a pontuação varia o
sentido e como cada candidata soube chegar a brasa à sua sardinha, excluindo
Iria as dúvidas sobre a sua beleza, e finalmente como o imaginado pretendente
as reduziu à triste realidade”.
São estas curiosidades que a nossa
língua se torna uma das mais completas. Tanto em verbetes como em regras
filológicas, permite-nos trabalhar com denodo e dedicação, cultuando-a
sobremaneira. É o nosso dever, incontestavelmente!
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