domingo, 17 de novembro de 2013

J.R. Guedes e a pontuação....


                                       EFEITOS DA PONTUAÇÃO

                                                                                  J. R. Guedes de Oliveira

          O saudoso mestre José de Almeida, que tanto nos encantou e nos ensinou a língua portuguesa, nos advertia, sempre, da utilização correta das regras básicas de escrever. Os seus estudos, deixados à posteridade, muitos em forma de livros, são preciosas relíquias  que nos servem, a todo instante, de plenas consultas.
          Seguindo as suas sábias lições, devemos estar atentos, a todo instante,  para não incorrermos em deslizes, pois que a língua portuguesa é recheada de sobressaltos.
          Um exemplo disto é o que descrevemos em “Efeitos da Pontuação”, matéria sem assinatura, publicado na Gazeta de Capivari, em sua edição de 6 de agosto de 1905.
          “Três irmãs, Soledade, Júlia e Iria, julgando-se requestadas pelo mesmo rapaz, exigiram-lhe um dia que se declarasse, ao que ele respondeu que faria uma décima, sem pontuação, para elas pontuarem a seu gosto e assim ficaria resolvida a questão. Aceito o alvitre, foi dada a décima:
          - Três belas que bela são querem que por minha fé eu diga qual delas é que ama meu coração se obedecer à razão digo que amo Soledade não a Júlia cuja bondade ser humano não teria não aspiro à mão de Iria que não é linda beldade.
          Soledade, julgando-se preferida, pontuou de forma seguinte:
          - Três belas, que belas são, querem que, por minha fé, eu diga qual delas é que ama meu coração, se obedecer à razão, digo que amo Soledade; não a Júlia, cuja bondade ser humano não teria; não aspiro à mão de Iria, que não é linda beldade.
          Júlia, supondo também ter a primazia, deu à décima a pontuação que segue:
          - Três belas, que belas são, querem que, por minha fé, eu diga qual delas é que ama meu coração. Se obedecer à razão, digo que amo Soledade? Não. A Júlia, cuja bondade ser humano não teria. Não aspiro à mão de Iria, que não é linda beldade.
          Iria, não concordando com as irmãs, pontuou deste modo:
          - Três belas, que belas são, querem que, por minha fé, eu diga qual delas é  que ama meu coração. Se obedecer à razão, digo que amo Soledade? Não. A Júlia, cuja bondade ser humano não teria? Não. Aspiro à mão de Iria. Que?!... Não é linda beldade.
          Não chegando a um acordo, foi chamado o rapaz para decidir, e a décima teve, finalmente, a seguinte pontuação:
          - Três belas, que belas são, querem que, por minha fé, eu diga qual delas é que ama meu coração. Se obedecer à razão, digo que amo Soledade? Não. A Júlia cuja bondade ser humano não teria? Não. Aspiro à mão de Iria? Que?!... Não é linda beldade.
          Vê-se como a pontuação varia o sentido e como cada candidata soube chegar a brasa à sua sardinha, excluindo Iria as dúvidas sobre a sua beleza, e finalmente como o imaginado pretendente as reduziu à triste realidade”.
          São estas curiosidades que a nossa língua se torna uma das mais completas. Tanto em verbetes como em regras filológicas, permite-nos trabalhar com denodo e dedicação, cultuando-a sobremaneira. É o nosso dever, incontestavelmente!
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