vladimir safatle
19/11/2013
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03h00
Liberdade para o racismo
Há alguns dias, uma revista francesa publicou na sua capa uma foto da
ministra da Justiça da França, a negra Christiane Taubira, comparando-a a
uma macaca à procura de banana.
Ela já havia sido comparada ao nosso parente distante por uma criança em
uma manifestação anticasamento homossexual, sem que ninguém esboçasse
uma reação indignada. A maior indignação partiu, vejam só vocês, da
revista em questão, que inverteu o jogo alegando que tudo era apenas uma
piada e que não suportava a "ditadura do politicamente correto".
É interessante perceber como, atualmente, todos os que são pegos em
franco delito de racismo e preconceito (contra imigrantes, ciganos,
árabes, negros, índios, homossexuais, ecologistas, feministas) alegam,
na verdade, serem perseguidos pela implacável polícia do politicamente
correto. Estamos diante de uma legião de humoristas incompreendidos a
lutar contra burocratas da língua que procuram impor à sociedade um
discurso asséptico e uma maneira de ser.
Afinal, que época é esta em que não se pode mais chamar uma negra de
macaca, ou dizer, com uma ironia calculada, que mulher gosta é de
apanhar? Será que todos perderam seu senso de humor?
Há anos, isso era tão engraçado, mas, agora, as pessoas parecem que se
deixam policiar por todos os lados, abrindo mão de sua liberdade de
livre-pensar e brincar de adolescentes à procura da opinião mais
bombástica capaz de chocar seus pais intelectualizados. Sim, meus
amigos, a mais nova moda é chamar racismo e preconceito de afirmação
rebelde da liberdade.
Esses estilistas do ressentimento social apareceram travestindo
inicialmente seu discurso político de indignação moral. Foram imbuídos
do dever de denunciar todos os que usavam o palavreado da igualdade e da
tolerância e que, segundo eles, procuravam ganhar dinheiro em ONGs ou
aumentar sua vontade de poder.
Mas, em vez de criticar a pretensa hipocrisia em questão e defender a
igualdade e a tolerância de seus usurpadores, eles preferiram aproveitar
o que entendiam como fraqueza moral de seus oponentes e colocar na
avenida todo o ressentimento escondido durante décadas.
Assim, aquele sentimento de desconforto diante da diferença e da
transformação social, de recusa a autocrítica de seus próprios valores,
de mediocridade medrosa e de colonialismo xenófobo mal disfarçado
podiam, enfim, voltar. Pior, voltar com o selo da liberdade. Poucos,
entretanto, se enganam com o tipo de mundo medieval e pequeno que tal
"liberdade" produz.