Opinião
FCT: a má avaliação dá mau nome à avaliação
É difícil de compreender que a comunidade científica como um todo
não seja mais vigorosa na sua contestação, exigindo mais assertivamente
da FCT a correcção pública dos erros cometidos e uma prática com o rigor
e a transparência a que temos direito.
A propósito da avaliação das unidades de
investigação portuguesas, levada a cabo pela European Science Foundation
sob contrato da FCT, tenho recebido uma grande maioria de mensagens e
comentários extremamente críticos dessa avaliação, onde abundam exemplos
particulares de erros dos avaliadores ou incoerências na avaliação
(infelizmente muitas vezes de remetente anónimo, o que diz algo sobre o
ambiente de escassa liberdade e de medo que grassa na academia
portuguesa).
A par dessas recebi também alguns comentários que
consideram que muita da investigação feita em Portugal é de baixa
qualidade (penso que nem todos serão oriundos de falsos perfis criados
por empresas de comunicação amigas do governo), que chegou o momento de
separar o trigo do joio e que esta avaliação é um passo nesse sentido.
Alguns comentários:
1.
Não tenho, pessoalmente, a mínima dúvida de que uma parte da
investigação que se faz em Portugal é de escassa qualidade e que uma
parte dos investigadores portugueses são fracos ou pior. Mas não sei
dizer quantos e muito menos quais. A minha sensação pessoal, é que a
maioria tem uma qualidade aceitável (quero dizer boa), mesmo em termos
internacionais, mas trata-se apenas de uma sensação. E é provável que eu
tenha ouvido falar sempre dos melhores. Só que, para além da minha
sensação, há muitos exercícios de avaliação, alguns deles levados a cabo
pela própria FCT, relativos a investigadores e a unidades de
investigação, que me confortam nessa convicção (veja-se o “Diagnóstico do Sistema de Investigação e Inovação”
(2013)). A investigação portuguesa ainda não ocupa lugares cimeiros nos
rankings (ao contrário do que por vezes se poderia pensar, tendo em
conta o entusiasmo de alguma cobertura mediática ou de alguns discursos
políticos, nomeadamente de dirigentes da própria FCT) mas tem vindo a
melhorar as suas posições em termos quantitativos e qualitativos e
possui áreas que são internacionalmente muito robustas e com excelente
reputação.
Dito isto, conheço e ouvi falar de inúmeros casos de
investigadores ausentes, improdutivos ou indiferentes e até de
investigadores desonestos e já me cruzei pessoalmente com alguns
trabalhos de investigação cuja qualidade não passaria no crivo de um bom
editor de um jornal diário. Tal como conheço as queixas de bons
investigadores de bons laboratórios que se queixam de que alguns dos
seus colegas “não fazem nada”.
2. Conheço igualmente a cultura
nepotista, amiguista, bairrista, endogâmica e corporativista que existe
em muitas organizações portuguesas e, nomeadamente, em organizações da
universidade e da investigação portuguesas. A cultura da troca de
favores; da mão que lava a outra e as duas a cara; do tu dás uma boa
nota ao meu aluno que eu dou uma boa nota ao teu; dos concursos com um
vencedor escolhido à partida; das embaixadas discretas ao ministro, aos
secretários de Estado e aos presidentes da FCT em vez das discussões
públicas, etc.. Como conheço a cultura dos mandarins da investigação,
sempre próximos do poder e do dinheiro, eminências pardas por vocação,
calados em público e sussurantes in camera, que têm à partida as
avaliações garantidas e o financiamento assegurado por condições de
trabalho privilegiadas.
3. Servem os pontos anteriores para
sublinhar que sei que existem muitos problemas para resolver na prática
da investigação portuguesa e que é necessário resolvê-los - e isto sem
falar dos grandes problemas sistémicos da política científica, como são o
emprego científico, a decadência dos laboratórios de estado, a
investigação nas empresas, os programas estruturais, etc.
4. A
correcção desta situação exige antes de mais um rigoroso processo de
identificação dos problemas, o que pode ser conseguido no âmbito de um
processo de avaliação das unidades de investigação. Mas é importante
reflectir sobre o objectivo da avaliação. Se o objectivo da avaliação é
condenar ou fechar unidades, exclui-las de participar em concursos
futuros ou de beneficiar de determinados investimentos, reduzir gastos
e/ou despedir pessoas, estamos a desperdiçar uma ferramenta de gestão e a
desperdiçar o investimento já feito (na formação das pessoas, na
criação da instituição, na criação de uma rede de contactos, em
equipamentos, etc.).
A avaliação não pode ser uma expedição
punitiva - e esta avaliação parece ter sido conduzida pela FCT
exactamente com esse espírito. A avaliação da FCT é um instrumento de
exclusão, à boa maneira da gestão empresarial neoliberal, e é, por isso,
um instrumento de infusão de medo e de submissão.