segunda-feira, 21 de julho de 2014

De Alvaro Caputo.


Estado mínimo e direitos individuais: libertarianismo cresce na política dos EUA

Quem são e o que pensam os libertários americanos? Donos de um partido que já é a terceira força política nos Estados Unidos, o libertarianismo é influente entre os republicanos e tem muitas propostas que agradam aos democratas

Diego Braga Norte
O senador republicano Rand Paul, durante entrevista coletiva em Washington
O senador republicano Rand Paul dá entrevista em Washington (Jim Bourg/Reuters)
Imagine um governo tão enxuto que se limite apenas à segurança, ao sistema judiciário e à defesa nacional. Nesse sistema também seriam abolidas quaisquer formas de controle ou regulação do mercado, dando liberdade irrestrita à iniciativa privada e à livre concorrência. Também teriam liberdade total os indivíduos, em questões como aborto ou o consumo de drogas. Em linhas gerais, são estes os pilares do libertarianismo: Estado mínimo e defesa incondicional da propriedade privada e dos direitos individuais. O movimento tem um partido próprio e já é a terceira maior força política dos Estados Unidos — ainda bem atrás dos quase hegemônicos partidos Democrata e Republicano.
É possível separar as bandeiras do libertarianismo em duas esferas. Nos campos econômico e institucional, os ideais permitem uma aproximação com a direita, enquanto em alguns temas privados, podem se alinhar a causas que são o avesso do conservadorismo. Se por um lado os libertários são defensores do livre mercado, por outro, apoiam a descriminalização das drogas, por exemplo. Por conta dessas características, o libertarianismo conta com simpatizantes entre republicanos e democratas, e seus defensores prometem fazer barulho nas eleições legislativas de novembro e nas presidenciais de 2016.
Família Paul — O principal nome do libertarianismo entre as fileiras republicanas, e quem melhor se apropriou do discurso libertário, é o senador pelo Estado do Kentucky Rand Paul. Seu pai, o ex-senador Ron Paul, é apontado como o político que introduziu o libertarianismo no atual cenário político americano. Ron foi candidato à Presidência em 1988 pelo Partido Libertário e depois, já no Republicano, concorreu nas primárias presidenciais em 2008, quando perdeu para John McCain, e em 2012, quando foi superado por Mitt Romney.
“O libertarianismo eclodiu em 2008 e explodiu em 2012, ganhando muita força após as campanhas presidenciais de Ron Paul. Ele visitou muitas universidades para explicar o libertarianismo para um público jovem e bem informado. Como resultado, muitas pessoas abraçaram a ideia de que o governo tem expandido o seu poder em detrimento do povo”, explica Jo Ann Cavallo, cientista político da Universidade de Columbia, em Nova York.
Se algumas das ideias de Paul, o pai, chocaram muitos republicanos — ele queria, por exemplo, abolir o Fed (o Banco Central dos EUA) e fechar as bases militares no exterior —, o filho calibrou o discurso e atenuou sua retórica, mas manteve os pontos cruciais que vêm conquistando admiradores: a importância de reduzir o papel do Estado na economia e na vida das pessoas. “Eu não considero Rand Paul um libertário. Seu pai, Ron Paul, é um libertário. Mas Rand Paul é um conservador com algumas inclinações libertárias. Ele é certamente mais libertário do que um republicano médio”, analisa Michael Munger, professor de ciência política da Universidade Duke e membro do Partido Libertário.
A campanha presidencial ainda está distante — dois anos em política representam muito tempo —, mas Rand Paul aparece muito bem cotado nas pesquisas. De acordo com as duas sondagens mais recentes, conduzidas pela Rasmussen e pela Bloomberg, Paul tem melhor colocação entre os republicanos, com quase 40% das intenções de voto. Em ambas as pesquisas a pré-candidata democrata, Hillary Clinton lidera com 46% na pesquisa da Rasmussen e 47%, na da Bloomberg.
Se Rand Paul espertamente se apropria de uma sedutora parte da ideologia do libertarianismo para se projetar país afora, o Partido Libertário ainda não é tão bem sucedido em nível nacional. Munger, que já foi candidato ao governo da Carolina do Norte pelo Partido Libertário, admite que as chances da legenda nacionalmente são ínfimas. “É muito difícil pensar em corrida presidencial. Essas eleições são muito caras. Os libertários têm muito mais chances de conseguir cargos estaduais e locais”, afirma o professor. Sobre os prognósticos para as próximas eleições legislativas, o jornal The Washington Post aponta que em pelo menos sete estados (Montana, Carolina do Norte, West Virginia, Virginia, Kentucky, Alaska e Arkansas) candidatos do Partido Libertário podem influenciar decisivamente o resultado no Senado, hoje controlado pelos democratas com uma vantagem de apenas oito cadeiras sobre os republicanos. Segundo o jornal, mesmo que os candidatos libertários não se elejam, eles têm potencial de votos suficiente para arrancar eleitores dos dois partidos majoritários. (leia a íntegraem inglês)
Terceira força — Para o cientista político Munger, a ideologia libertária tem uma função inovadora ao arejar a velha dicotomia entre republicanos e democratas. “Uma terceira força política nos EUA teria um papel importante. Ela pode influenciar os partidos existentes, ameaçando tirar seus votos se eles não abraçarem algumas ideias libertárias”. Ele acredita que os libertários poderiam constranger os democratas por atentarem contra as liberdades civis (no caso da espionagem da NSA dentro do território americano, por exemplo) e pressionar os republicanos, mostrando que eles dizem lutar por um Estado menor, mas votam em propostas que vão contra seu discurso, como em maiores subsídios para empresas.
Segundo os analistas, esse apelo do libertarianismo na sociedade americana, conquistando eleitores republicanos e democratas, vem de diferentes fatores. Os principais são a desilusão dos americanos com os dois principais partidos e a própria ideologia libertária, que possui elasticidade suficiente para ser absorvida por cidadãos mais à esquerda e mais à direita do espectro político. Depois de oito anos da desastrada administração George. W. Bush e de mais de seis anos do decepcionante governo Barack Obama, a terceira força na política americana conquistou mais de 1,2 milhão de votos. Embora o número represente somente 0,99% do total do eleitorado, as ideias libertárias vêm sendo cada vez mais apropriadas e assimiladas na política americana, sobretudo entre o público jovem, fazendo do libertarianismo uma ideologia líquida, que se infiltra nos discursos dos dois maiores partidos do país.
Histórico nos EUA – O termo ‘libertário’ foi usado pela primeira vez no final do século XVIII, em debates na Grã-Bretanha opondo o livre arbítrio contra o determinismo. Nos Estados Unidos, o libertarianismo tem raízes que remontam ao século XIX, quando era uma bandeira dos anarquistas que propagandeavam seus conceitos em movimentos alinhados com a esquerda, como ativismo sindical, feminismo, luta contra a segregação racial ou mesmo no pacifismo. Ao longo do século XX, a ascensão de ideias socialistas e comunistas levou os libertários a uma aliança com os conservadores para combater inimigos comuns, os vermelhos.
“Neste período surgiram brilhantes pensadores libertários [saiba mais na lista abaixo] como Ludwig von Mises e Ayn Rand. Eles eram oponentes firmes do poder do Estado, mas menos radicais do que os anarquistas. E eles também viam os negócios e empresas mais como vítimas do Estado do que como beneficiários”, explica o filósofo Roderick Long, especialista em libertarianismo na Universidade de Auburn.
Apropriado por diferentes correntes políticas sem se identificar inteiramente com nenhuma delas, o libertarianismo nos EUA parece se consolidar como uma ideologia maleável, mas ainda assim influente na política americana, aponta Henry Olsen, do Ethics and Public Policy Center. “Nos dias atuais, um libertário americano é alguém que se opõe a praticamente todos os esforços de regulação governamental do mercado, exceto a proteção contra fraudes; à redistribuição de renda, especialmente na forma de programas destinados a combater pobreza; e a ações do governo que limitem as liberdades civis individuais”, resume.