Estado mínimo e direitos individuais: libertarianismo cresce na política dos EUA
Quem são e o que pensam os libertários americanos? Donos de um partido que já é a terceira força política nos Estados Unidos, o libertarianismo é influente entre os republicanos e tem muitas propostas que agradam aos democratas
Diego Braga Norte
O senador republicano Rand Paul dá entrevista em Washington (Jim Bourg/Reuters)
Imagine um governo tão enxuto que se
limite apenas à segurança, ao sistema judiciário e à defesa nacional.
Nesse sistema também seriam abolidas quaisquer formas de controle ou
regulação do mercado, dando liberdade irrestrita à iniciativa privada e à
livre concorrência. Também teriam liberdade total os indivíduos, em
questões como aborto ou o consumo de drogas. Em linhas gerais, são estes
os pilares do libertarianismo: Estado mínimo e defesa incondicional da
propriedade privada e dos direitos individuais. O movimento tem um
partido próprio e já é a terceira maior força política dos Estados
Unidos — ainda bem atrás dos quase hegemônicos partidos Democrata e
Republicano.
É
possível separar as bandeiras do libertarianismo em duas esferas. Nos
campos econômico e institucional, os ideais permitem uma aproximação com
a direita, enquanto em alguns temas privados, podem se alinhar a causas
que são o avesso do conservadorismo. Se por um lado os libertários são
defensores do livre mercado, por outro, apoiam a descriminalização das
drogas, por exemplo. Por conta dessas características, o libertarianismo
conta com simpatizantes entre republicanos e democratas, e seus
defensores prometem fazer barulho nas eleições legislativas de novembro e
nas presidenciais de 2016.
Família Paul — O
principal nome do libertarianismo entre as fileiras republicanas, e
quem melhor se apropriou do discurso libertário, é o senador pelo Estado
do Kentucky Rand Paul. Seu pai, o ex-senador Ron Paul, é apontado como o
político que introduziu o libertarianismo no atual cenário político
americano. Ron foi candidato à Presidência em 1988 pelo Partido
Libertário e depois, já no Republicano, concorreu nas primárias
presidenciais em 2008, quando perdeu para John McCain, e em 2012, quando
foi superado por Mitt Romney.
“O
libertarianismo eclodiu em 2008 e explodiu em 2012, ganhando muita
força após as campanhas presidenciais de Ron Paul. Ele visitou muitas
universidades para explicar o libertarianismo para um público jovem e
bem informado. Como resultado, muitas pessoas abraçaram a ideia de que o
governo tem expandido o seu poder em detrimento do povo”, explica Jo
Ann Cavallo, cientista político da Universidade de Columbia, em Nova
York.
Se
algumas das ideias de Paul, o pai, chocaram muitos republicanos — ele
queria, por exemplo, abolir o Fed (o Banco Central dos EUA) e fechar as
bases militares no exterior —, o filho calibrou o discurso e atenuou sua
retórica, mas manteve os pontos cruciais que vêm conquistando
admiradores: a importância de reduzir o papel do Estado na economia e na
vida das pessoas. “Eu não considero Rand Paul um libertário. Seu pai,
Ron Paul, é um libertário. Mas Rand Paul é um conservador com algumas
inclinações libertárias. Ele é certamente mais libertário do que um
republicano médio”, analisa Michael Munger, professor de ciência
política da Universidade Duke e membro do Partido Libertário.
A
campanha presidencial ainda está distante — dois anos em política
representam muito tempo —, mas Rand Paul aparece muito bem cotado nas
pesquisas. De acordo com as duas sondagens mais recentes, conduzidas
pela Rasmussen e pela Bloomberg,
Paul tem melhor colocação entre os republicanos, com quase 40% das
intenções de voto. Em ambas as pesquisas a pré-candidata democrata,
Hillary Clinton lidera com 46% na pesquisa da Rasmussen e 47%, na da Bloomberg.
Se
Rand Paul espertamente se apropria de uma sedutora parte da ideologia
do libertarianismo para se projetar país afora, o Partido Libertário
ainda não é tão bem sucedido em nível nacional. Munger, que já foi
candidato ao governo da Carolina do Norte pelo Partido Libertário,
admite que as chances da legenda nacionalmente são ínfimas. “É muito
difícil pensar em corrida presidencial. Essas eleições são muito caras.
Os libertários têm muito mais chances de conseguir cargos estaduais e
locais”, afirma o professor. Sobre os prognósticos para as próximas
eleições legislativas, o jornal The Washington Post aponta
que em pelo menos sete estados (Montana, Carolina do Norte, West
Virginia, Virginia, Kentucky, Alaska e Arkansas) candidatos do Partido
Libertário podem influenciar decisivamente o resultado no Senado, hoje
controlado pelos democratas com uma vantagem de apenas oito cadeiras
sobre os republicanos. Segundo o jornal, mesmo que os candidatos
libertários não se elejam, eles têm potencial de votos suficiente para
arrancar eleitores dos dois partidos majoritários. (leia a íntegra, em inglês)
Terceira força —
Para o cientista político Munger, a ideologia libertária tem uma
função inovadora ao arejar a velha dicotomia entre republicanos e
democratas. “Uma terceira força política nos EUA teria um papel
importante. Ela pode influenciar os partidos existentes, ameaçando tirar
seus votos se eles não abraçarem algumas ideias libertárias”. Ele
acredita que os libertários poderiam constranger os democratas por
atentarem contra as liberdades civis (no caso da espionagem da NSA dentro
do território americano, por exemplo) e pressionar os republicanos,
mostrando que eles dizem lutar por um Estado menor, mas votam em
propostas que vão contra seu discurso, como em maiores subsídios para
empresas.
Segundo
os analistas, esse apelo do libertarianismo na sociedade americana,
conquistando eleitores republicanos e democratas, vem de diferentes
fatores. Os principais são a desilusão dos americanos com os dois
principais partidos e a própria ideologia libertária, que possui
elasticidade suficiente para ser absorvida por cidadãos mais à esquerda e
mais à direita do espectro político. Depois de oito anos da desastrada
administração George. W. Bush e de mais de seis anos do decepcionante
governo Barack Obama, a terceira força na política americana conquistou
mais de 1,2 milhão de votos. Embora o número represente somente 0,99% do
total do eleitorado, as ideias libertárias vêm sendo cada vez mais
apropriadas e assimiladas na política americana, sobretudo entre o
público jovem, fazendo do libertarianismo uma ideologia líquida, que se
infiltra nos discursos dos dois maiores partidos do país.
Histórico nos EUA –
O termo ‘libertário’ foi usado pela primeira vez no final do século
XVIII, em debates na Grã-Bretanha opondo o livre arbítrio contra o
determinismo. Nos Estados Unidos, o libertarianismo tem raízes que
remontam ao século XIX, quando era uma bandeira dos anarquistas que
propagandeavam seus conceitos em movimentos alinhados com a esquerda,
como ativismo sindical, feminismo, luta contra a segregação racial ou
mesmo no pacifismo. Ao longo do século XX, a ascensão de ideias
socialistas e comunistas levou os libertários a uma aliança com os
conservadores para combater inimigos comuns, os vermelhos.
“Neste período surgiram brilhantes pensadores libertários [saiba mais na lista abaixo] como
Ludwig von Mises e Ayn Rand. Eles eram oponentes firmes do poder do
Estado, mas menos radicais do que os anarquistas. E eles também viam os
negócios e empresas mais como vítimas do Estado do que como
beneficiários”, explica o filósofo Roderick Long, especialista em
libertarianismo na Universidade de Auburn.
Apropriado
por diferentes correntes políticas sem se identificar inteiramente com
nenhuma delas, o libertarianismo nos EUA parece se consolidar como uma
ideologia maleável, mas ainda assim influente na política americana,
aponta Henry Olsen, do Ethics and Public Policy Center. “Nos dias
atuais, um libertário americano é alguém que se opõe a praticamente
todos os esforços de regulação governamental do mercado, exceto a
proteção contra fraudes; à redistribuição de renda, especialmente na
forma de programas destinados a combater pobreza; e a ações do governo
que limitem as liberdades civis individuais”, resume.