Concordo com o post anterior, de Marcos Otterco. embora discorde do nome de "grotão", aplicado pelo meu amigo Tambosi. Para ser rigoroso, deveriamos dizer que "grotão"é a imensa caverna chamada planeta Terra, porque éticas idiotas e hediondas, ao contrário do que dizia Descartes sobre o bom senso, são coisas muito bem distribuídas no mundo. A refinada França as comete, a científica Alemanha idem, a Suiça idem, idem, Itália idem . Admirador de Platão e do Quixote, percebo que tais personagens são os poucos a ter do nosso mundo uma visão correta: as "realidades"são apenas sombras, jogadas numa parede diante da qual humanos são torturados (esta descrição da caverna é das mais terríveis que segui na vida) ou moinhos imaginários que ameaçam, com sua inconsistência, nossos pensamentos mais lúcidos. Há um comentarista do Quixote que se interroga sobre a loucura do herói. O título do artigo instiga : "Did El Quijote died of Melancholy?". Ele mostra que o personagem de Cervantes vive um clima espiritual platônico, renascentista. E naquela galáxia de pensamentos havia uma distância entre o ideal e o dito real. O permitia ao Quijote ser alegre e achar o seguinte: na medida em que não coincidem o mundo aparente e a realidade, seria possível lutar para que o mundo aparente, este mundinho miserável, melhorasse, fosse uma cópia, mesmo piorada, do ideal. Ocorre que depois da Renascença veio a Contra reforma e o Concilio de Trento. Com ele, retorna Aristóteles com sua lógica classificatória (Elias Canetti tem toda razão ao dizer que Aristóteles é um pensador sem sonhos, que confunde conhecer as coisas com nelas aplicar etiquetas, os conceitos) e sem saída. O real é o real e estamos ditos. Ou seja: o real é a Igreja Católica, a monarquia e a nobreza. O resto, não existe realmente, salvo pela mediação da Igreja, do Rei, dos Nobres. O universo aristotélico, ele sim, é melancólico. Quando o Quixote sara da sua "loucura". ele perde o ímpeto de adequar o empírico e o ideal, ele morre porque estava são, morre da melancólica miséria do "realismo".
Quem busca melhorar a caverna torcionária em que vivemos não aceita as coisas "como elas são". E se tornam Quixotes incômodos ou ridículos, no Brasil, na França, na Itália, nos cafundós do Judas. Assim, o monopólio da miséria humana designada como "grotão"é mais ampla, mais triste. Agora, no que tange ao trote, penso o seguinte: gosto de recordar a sua origem.
Na Idade Média, quando as primeiras universidades surgiram, elas integravam o movimento de massas que fugiam dos senhores feudais (laicos ou religiosos). A única desculpa que os servos podiam apresentar para sair dos domínios senhoriais era a religião. Donde o número enorme de "peregrinações"(Compostela, entre outras). Os que fugiam do látego dos nobres, em boa parte, não voltavam para os feudos, apesar das punições terríveis (na Inglaterra, até o começo do século 19, quem saía da propriedade sem permissão, ou não voltava, era conduzido, na volta, por uma chibatada a cada kilometro seguido). Toda aquela gente se concentrou nas periferias das cidades, praticando assaltos, sequestros, etc Entre os fugitivos dos feudos, encontravam-se os estudantes que povoaram as universidades. Como a maior parte deles vinha da "roça", eram tidos pelos colegas da cidade como "bichos do mato"que precisariam passar para o rol dos entes humanos (como existiu debate na Idade Média para saber se mulheres tinham alma, também muita briga ocorreu para saber se os camponeses (os cul terreux, ou bundas de terra) tinham alma e inteligência. Não acostumados aos jeitos urbanos, aqueles estudantes eram, de fato, impolidos e, também, perigosos para o comércio, etc. Daí, os trotes, violentos, para acentuar o lado "animal"(bicho...) dos recem ingressos nos campi. E para depurá-los, tornando-os aptos a viver entre os "polidos e refinados".
Desde aquela época as autoridades acadêmicas tentaram atenuar a virulência do trote. Em vão. Alternativas não faltaram. Na Espanha, em vez de trote, o candidato (o rico ou mediano) poderia oferecer uma tourada e um banquete para fugir das que aplicavam trotes, e demais "brincadeiras", como nas ocasiões de doutoramento. Temos mais de mil anos de preconceito social e racial resumidos nos trotes. É uma das faces mais hediondas, inventadas na Europa, de degradação alegre dos semelhantes.
Em minha coluna do Correio Popular, vez por outra, escrevo catilinárias contra os trotes. Mas noto que tudo é meio inútil. Quem foi violentado uma vez, no trote, tem ganas de se "vingar", praticando atrocidades contra os que entram. É a cultura da covardia cósmica. Esta última produz os bandidos "médicos" que festejaram sua formatura, no Paraná, soltando rojões contra doentes, insultando-os, etc. No meu entender, as leis comuns deveriam ser aplicadas nos canalhas que praticam trote. Humilhar seres humanos é contra a lei, entra no crime de injúria. E as reitorias poderiam colocar suas Procuradorias Jurídicas para processar tais crimes. Lugar de bandido não é na universidade, mas na cadeia.
Roberto RomanoQuem busca melhorar a caverna torcionária em que vivemos não aceita as coisas "como elas são". E se tornam Quixotes incômodos ou ridículos, no Brasil, na França, na Itália, nos cafundós do Judas. Assim, o monopólio da miséria humana designada como "grotão"é mais ampla, mais triste. Agora, no que tange ao trote, penso o seguinte: gosto de recordar a sua origem.
Na Idade Média, quando as primeiras universidades surgiram, elas integravam o movimento de massas que fugiam dos senhores feudais (laicos ou religiosos). A única desculpa que os servos podiam apresentar para sair dos domínios senhoriais era a religião. Donde o número enorme de "peregrinações"(Compostela, entre outras). Os que fugiam do látego dos nobres, em boa parte, não voltavam para os feudos, apesar das punições terríveis (na Inglaterra, até o começo do século 19, quem saía da propriedade sem permissão, ou não voltava, era conduzido, na volta, por uma chibatada a cada kilometro seguido). Toda aquela gente se concentrou nas periferias das cidades, praticando assaltos, sequestros, etc Entre os fugitivos dos feudos, encontravam-se os estudantes que povoaram as universidades. Como a maior parte deles vinha da "roça", eram tidos pelos colegas da cidade como "bichos do mato"que precisariam passar para o rol dos entes humanos (como existiu debate na Idade Média para saber se mulheres tinham alma, também muita briga ocorreu para saber se os camponeses (os cul terreux, ou bundas de terra) tinham alma e inteligência. Não acostumados aos jeitos urbanos, aqueles estudantes eram, de fato, impolidos e, também, perigosos para o comércio, etc. Daí, os trotes, violentos, para acentuar o lado "animal"(bicho...) dos recem ingressos nos campi. E para depurá-los, tornando-os aptos a viver entre os "polidos e refinados".
Desde aquela época as autoridades acadêmicas tentaram atenuar a virulência do trote. Em vão. Alternativas não faltaram. Na Espanha, em vez de trote, o candidato (o rico ou mediano) poderia oferecer uma tourada e um banquete para fugir das que aplicavam trotes, e demais "brincadeiras", como nas ocasiões de doutoramento. Temos mais de mil anos de preconceito social e racial resumidos nos trotes. É uma das faces mais hediondas, inventadas na Europa, de degradação alegre dos semelhantes.
Em minha coluna do Correio Popular, vez por outra, escrevo catilinárias contra os trotes. Mas noto que tudo é meio inútil. Quem foi violentado uma vez, no trote, tem ganas de se "vingar", praticando atrocidades contra os que entram. É a cultura da covardia cósmica. Esta última produz os bandidos "médicos" que festejaram sua formatura, no Paraná, soltando rojões contra doentes, insultando-os, etc. No meu entender, as leis comuns deveriam ser aplicadas nos canalhas que praticam trote. Humilhar seres humanos é contra a lei, entra no crime de injúria. E as reitorias poderiam colocar suas Procuradorias Jurídicas para processar tais crimes. Lugar de bandido não é na universidade, mas na cadeia.
PS: em meu livro Lux in Tenebris, trato do assunto, com base no trabalho de Jacques Le Goff sobre a consciência da universidade medieval (18 Essais sur le Moyen Age, Paris, Gallimard). No mais, concordo com o post de Otterco em genero, número e caso. RR