Contra a censura da imprensa
No evento promovido em 2008 pela Unafisco (Auditores Fiscais da União) de Porto Alegre e Ajufe (Associação dos Juízes Federais), cujo alvo era festejar os vinte anos da Constituição, discorri sobre os juízes no Brasil. Apresentei casos que testemunham em favor da magistratura e fatos que levantam dúvidas, na mente cidadã, diante daqueles operadores do direito. O discurso causou viva reação dos juízes presentes, a começar pela coordenadora da mesa, integrante da Ajufe gaúcha. O texto da palestra, sem as referências bibliográficas, pode ser lido no site da Unafisco/Porto Alegre http://www.unafisco-poa.org.br/noticia_ler.php?id=9605.
O traço que mais incomodou os magistrados presentes e os que depois leram a palestra, encontra-se na crítica à posição do corpo judiciário na estrutura do Estado e da sociedade. Fortes junto aos setores não dominantes da população, os negativamente privilegiados (termo de Max Weber, para designar os não ricos e poderosos), as togas recebem muito frequentemente exigências descabidas e injustas dos positivamente privilegiados, os que possuem riquezas, advogados caríssimos, poder político. Exceções? As citei com prazer, para evidenciar a minha tentativa de compreender e aplaudir o aperfeiçoamento da justiça.Como meu campo é a filosofia, analiso na palestra, ao recordar os fundamentos gregos e romanos de nosso direito, as propostas de Platão nas Leis, sobre o funcionamento dos tribunais. O filósofo é tido como totalitário por escritores modernos, entre muitos outros, por Karl Popper. O erro é claro, para quem lê os Diálogos sem preconceitos. Platão exige dos tribunais a mais ampla publicidade: “A votação deve ser pública. Durante o julgamento os juízes devem sentar-se uns perto dos outros em ordem de idade e diretamente diante do acusado e do acusador; e todos os cidadãos que possuam tempo, devem seguir os trabalhos” (Leis, 855 d). O filósofo, diz abalizado historiador do direito, Glenn Morrow, procura evitar desgraças históricas como o sistema secreto da Star Chamber, algo usado no absolutismo pelos soberanos ingleses para impor despoticamente o seu poder, contra as leis estabelecidas e as práticas judiciárias comuns. (Glenn R. Morrow : "Plato and the Rule of Law” in Gregory Vlastos ed.: Plato, a collection of critical essays, ethics, politics, and philosophy of art and religion, T. II, Notre Dame, Univ. of Notre Dame Press, 1978, pp. 144 e ss). O ensaio de Morrow foi redigido em 1946, e seu juízo é eloquente: “Confesso um secreto gosto pela proposta platônica, porque ela ataca um defeito na administração da justiça para o qual os nossos advogados de fala inglesa parecem geneticamente cegos, ou seja, o abuso dos poderes judiciais. Porque o governo das leis, tal como ele opera em nossas instituições legais, significa o governo dos juízes, e semelhante tipo de governo, como todo outro, pode se tornar uma tirania sem as salvaguardas apropriadas”. (Morrrow, op. cit. p. 157).A nação brasileira se levanta contra os abusos dos senadores e deputados, em clara desobediência à Constituição (Artigo 37 da Carta, que vale recordar: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”). Mas alguns magistrados censuram notícias sobre desmandos de políticos (no caso atual, os da família Sarney) e de juízes. É o que ocorre com o veto ao jornal O Estado de São Paulo, alegando-se o segredo de justiça, de publicar fatos da Operação Barrica contrários a Fernando Sarney. Na Bahia, o jornal A Tarde é proibido de veicular informes sobre um juiz acusado de heterodoxia ética nas suas sentenças. Assim terminei minha fala na festa pela Constituição: “Uma tirania, apenas porque sapiente e togada, não é menos letífera do que as demais”. Os fatos reforçam meu desalento.