sábado, 3 de outubro de 2009

De Roberto Moreira...

Cinema


'Quanto Dura o Amor?', ou o sólido que se desmancha no ar

Filme de Roberto Moreira fala de ilusões e fantasias amorosas vividas por personagens à deriva na cidade grande

Luiz Zanin Oricchio, de O Estado de S. Paulo

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SÃO PAULO - Desilusão. Esse é o tema que Roberto Moreira quis desenvolver em seu novo longa-metragem, Quanto Dura o Amor? Assim mesmo, com interrogação, pois o filme formula-se em vários tons de perguntas. O que acontece quando uma garota vem do interior e se apaixona por outra? O que acontece quando uma advogada inicia um caso com um colega de trabalho? Qual o desdobramento possível do relacionamento entre um escritor e uma prostituta?

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São essas questões que se articulam e se comentam entre si, nesse tipo de obra que se convencionou chamar multiplot. Traduzindo: obras que não obedecem ao princípio da narrativa única, com protagonista, antagonista, peripécias e desfecho. Aqui são várias histórias que correm paralelas e, eventualmente, se entrelaçam. É o caso da candidata a atriz Marina (Sílvia Lourenço) que vem morar em São Paulo no apartamento da advogada Suzana (Ana Clara Spinelli), e que tem como vizinho o poeta Jay (Fábio Herford).

Marina deixa um namorado no interior e se apaixona por uma exótica cantora de boate, Justine, vivida por Danni Carlos. Ela é casada com o dono da boate, Nuno (Paulo Vilhena). Suzana namora Gil (Gustavo Machado), mas precisa contar uma coisa a ele. E Jay deseja estabelecer com a profissional Michelle (Leilah Moreno) um relacionamento estável. Parece uma ciranda. E é. Uma daquelas que só parecem possíveis numa cidade grande.

E São Paulo é o outro personagem onipresente na trama de Quando Dura o Amor? Talvez seja mesmo um dos protagonistas. Por isso, as locações foram escolhidas a dedo. "Queria um prédio de arquitetura modernista, dos quais só existem uns cinco em São Paulo, sendo o Copan o mais manjado e banalizado. Por isso filmamos no Edifício Anchieta, na Avenida Paulista", diz o diretor. Uma escolha no olho do furacão, na paisagem urbanoide por definição, com a loucura e a agitação da cidade, a vida noturna, as mil possibilidades que ela oferece - e também o preço que cobra aos seus moradores.

Com essa proposta, Moreira muda de estilo em relação ao seu primeiro longa, Contra Todos. "Neste eu falava da violência urbana e, para isso, usava um tom mais duro, agressivo mesmo em relação ao público. Agora, preferi um registro, inclusive fotográfico, mais amistoso, pois é uma história falando da classe média e dirigida para a classe média", diz. O cineasta assume que não teve medo de enfrentar a beleza. Em termos de cinema, essa parece uma contradição, mas não é. Nem sempre se busca o belo.

Pelo contrário. Quando se põem em cena os efeitos das contradições sociais opta-se em geral por uma estética mais documental, mais "dura", um registro às vezes próximo do jornalístico, a câmera na mão, etc. Em Quanto Dura o Amor? prevalece a suavidade das imagens, das cores, a maneira como a câmera desliza em planos-sequência elegantes. "Lembrei-me de um diretor como Wong Kar-wai e de como ele não tem medo da beleza, como aproveita essa liberdade", disse Moreira que, além de cineasta, é professor de roteiro na Escola de Comunicações e Artes da USP. Essa beleza é funcional e se estende a alguns dos personagens. "Eu precisava de uma razão para a Marina se apaixonar pela Justine. Ela precisava ter essa beleza um tanto exótica da Danni Carlos", diz.

São amores mal resolvidos e numa atmosfera às vezes pouco convencional. Afinal, trata-se de uma garota que sai da sua cidade heterossexual e se apaixona por uma cantora. Um dos personagens é transexual. E outro, um intelectual que tenta converter uma profissional do sexo ao amadorismo. Algo flutua sem rumo nessas histórias todas e as colocam num plano heterodoxo. "Eu queria casos de amor, mas que não fossem banais", confessa o diretor. Moreira diz que esse é um dilema quando se inventa uma história. Ela não pode ser estapafúrdia, pois precisa ser verossímil. Também não pode ser banal, porque senão ninguém se interessa por ela. Um criador tem de andar nesse fio de navalha - pelo menos se tenta ser realista. Se optar pelo mágico, pelo fantástico ou pela fantasia pode se dar ao luxo de inventar o que quiser, desde que o todo faça sentido em seu conjunto, o que também não é fácil. Mas Moreira prefere o realismo, dando à obra uma correspondência com aquilo que chamamos de "vida real".

Por isso, os casos que retrata precisam ser verossímeis. E são. "A oscilação entre hetero e homo é muito comum entre as meninas. Fiquei sabendo que um colégio tradicional de São Paulo já autorizou que elas andem de mãos dadas e se beijem em público; é normal", diz. Assim como é normal a decisão de mudança de sexo e que hoje se chama de "transição". "Tive muito contato com elas", diz o diretor, "e não vi nenhuma dúvida em submeter-se à cirurgia para mudança de sexo". O problema acontece quando têm de contar a verdade aos seus parceiros que, na maior parte das vezes, a ignoram. Esse é um dos dramas presentes na história. A autoaceitação e a aceitação dos outros. É algo que interessa a públicos específicos, mas não apenas. "No fundo é um processo de ilusão, depois desilusão e crescimento, que diz respeito a todos e não apenas ao público GLBTs."

Por isso o diretor entende que Quando Dura o Amor? é um tipo de filme de arte, aberto ao público maior. Está sendo lançado com sete cópias, o que não é uma enormidade mas parece adequado ao público que deseja alcançar. Afinal, trata-se de uma história de formação, com seus percalços e sofrimentos, que chega se não a um final feliz, pelo menos a uma forma de conforto, melancólico talvez, mas muito bonito.