sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

De Alvaro Caputo...

Roberto de Oliveira Campos ( 19/12/1999 )


Era uma crespa noite de inverno londrino. Eu tinha convidado para um jantar
na embaixada brasileira, ao fim dos anos 70, o grande filósofo liberal
francês Raymond Aron e dois sociólogos radicados na Inglaterra, Ralf
Dahendorf e Ernest Gellner, este último professor de José Guilherme
Merquior, meu conselheiro de embaixada.

Na curva do conhaque, quando filosofávamos sobre nominalismo, realismo e
existencialismo, contei uma piada que Aron achou divertida.
Era a definição de "realidade" por um irlandês, revoltado pela interrupção
de suas libações alcoólicas à hora do fechamento dos pubs.
"A realidade", disse ele, "é uma ilusão criada por uma aguda escassez de
álcool".

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Quando partiram os hóspedes, resolvemos, Merquior e eu, em rodadas de
uísque, testar duas coisas. Primeiro, a teoria irlandesa do realismo
alcoólico. Segundo, nossa capacidade de recitarmos, de memória, aquilo que
poderíamos chamar de "leis de comportamento sociopolítico" de variadas
personagens e culturas. Alternávamos nas citações, que registrei num
alfarrábio que outro dia desenterrei numa limpeza de arquivos. Ei-las:
A lei de Churchill: "A Democracia é a pior forma de governo, exceto as
outras".
A lei de Lenin: "É verdade que a liberdade é preciosa. Tão preciosa que é
preciso racioná-la".
A lei de Stalin: "Uma única morte é uma tragédia; 1 milhão de mortes é uma
estatística".
A lei de Krushev: "Os políticos em qualquer parte são os mesmos. Eles
prometem construir pontes mesmo quando não há rios".
A lei de Henry Kissinger: "O ilegal é o que fazemos imediatamente. O
inconstitucional é o que exige um pouco mais tempo".
A lei de Franklin Roosevelt: "Um conservador é um homem com duas excelentes
pernas, que contudo nunca aprendeu a andar para a frente".
A lei de Lord Keynes: "A dificuldade não está nas idéias novas, mas em
escapar das antigas".
A lei de Bernard Shaw: "Patriotismo é a convicção de que o país da gente é
superior a todos os demais, simplesmente porque ali nascemos".
A lei de Hayek: "Num país onde o único empregador é o Estado, a oposição
significa morte por inanição. O velho princípio de quem não trabalha não
come é substituído por um novo princípio: quem não obedece não come".
A lei de Mark Twain: "Um banqueiro é um tipo que nos empresta um
guarda-chuva quando faz sol, e exige-o de volta quando começa a chover".
A lei de Lord Kelvin: "Grandes aumentos de custos com questionável melhoria
de desempenho só podem ser tolerados em relação a cavalos e mulheres"
A lei de Charles De Gaulle: "As promessas só comprometem aqueles que as
recebem".
A lei de John Randolph, constituinte na Convenção de Filadélfia: "O mais
delicioso dos privilégios é gastar o dinheiro dos outros".
A lei de Getúlio Vargas: "Os ministérios se compõem de dois grupos. Um
formado por gente incapaz, e outro por gente capaz de tudo".
A lei do governador Mario Cuomo, de Nova York: "Faz-se campanha em poesia e
governa-se em prosa".
A lei de John Kenneth Galbraith: "A política não é a arte do possível. Ela
consiste em escolher entre o desagradável e o desastroso".
A lei de Sócrates: "No tocante a celibato e casamento, é melhor não
interferir, deixando que o homem escolha o que quiser. Em ambos os casos,
ele se arrependerá".
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No último uísque, Merquior me contou um chiste anônimo, que circulava em
Londres:
"A natureza deu ao homem um pênis e um cérebro, mas insuficiente sangue para
fazê-los funcionar simultaneamente".
Ao confidenciar a Merquior que pretendia aposentar-me do Itamaraty para
ingressar na política, lembrou-me ele a lei de Hubert Humphrey,
vice-presidente dos Estados Unidos na administração Lindon Johnson, que
dizia:
"É verdade que há vários idiotas no Congresso. Mas os idiotas constituem boa
parte da população e merecem estar bem representados".
Tendo em vista minhas ambições políticas, combinamos fabricar conjuntamente
uma lei, que passaria à posteridade como a lei Campos/Merquior:
"A política é a arte de fazer hoje os erros do amanhã, sem esquecer dos
erros de ontem".
Ao nos despedirmos, já mais sóbrios, lembrei-me de duas leis. A lei do King
Murphy, que assim reza:
"Não estão seguras a vida, a liberdade e a propriedade de ninguém enquanto a
legislatura estiver em sessão".
E a lei do sábio Montesquieu, o inventor da teoria da separação de poderes:
"O político deve sempre buscar a aprovação, porém jamais o aplauso".
Em minha vida política no Senado e na Câmara procurei descumprir a lei do
King Murphy e cumprir a lei de Montesquieu. Sem resultados brilhantes nem
num caso, nem no outro...
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Embora longe de ser considerado uma unanimidade, deve-se reconhecer que
Roberto Campos foi uma das maiores inteligências deste país no séc. XX.

Defensor apaixonado do liberalismo.Economista, diplomata e político também
se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção,
resultaram inúmeros
artigos e obras como o livro "A Lanterna na Popa", uma autobiografia que logo
se transformou em best-seller.
Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e
embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando
prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em
Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods,
responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.
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