sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Diário de São Paulo.

09/09/2010 22h42

Lula: Presidente ou cabo eleitoral?

Até que ponto o chefe da Nação pode "esquecer" o cargo para atuar na campanha. Lula se arrisca entre a legislação e a ética

João Carlos Moreira


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou Dilma Rousseff como candidata à sua sucessão praticamente dois anos antes da eleição. A despeito das multas recebidas da Justiça Eleitoral, ele insistiu em apresentar a candidatura petista antes da data prevista em lei e agora embarcou de vez na defesa da aliada durante o horário eleitoral gratuito de rádio e TV. A ponto de levar a questionamentos sobre os limites da participação de um chefe de Estado na campanha pela caça de votos.

"O presidente precisa saber que é presidente de todos os brasileiros e brasileiras, não é presidente de partido. Às vezes, ele se comporta como presidente de partido", disse o candidato do PSDB, José Serra, referindo-se à participação de Lula no programa de Dilma. "O governo é para todos. Os partidos defendem suas ideias, cabe ao governante governar bem, independente do processo eleitoral", criticou Geraldo Alckmin (PSDB), candidato a governador.

Lula aparece nos programas de TV de Dilma desde o início da campanha, mas na terça-feira (7) teve a participação mais questionável. Em pleno Dia da Independência, ele não pediu votos para a aliada, mas criticou Serra - sem citá-lo nominalmente - por ter levado à televisão o escândalo da quebra de sigilo fiscal de tucanos na Receita Federal. Antes, no sábado (4), Lula já havia ironizado o caso durante comício em Guarulhos, sem a presença de Dilma.

Governantes têm direito de apoiar aliados, mas a participação na campanha exige cuidado. Nos EUA, o presidente Bill Clinton apoiou Al Gore à sucessão, sem levantar críticas a seu papel de cabo eleitoral. George W. Bush também manteve distância de John McCain, assim como Fernando Henrique fez na campanha de 2002, quando Serra também era candidato e até preferiu o afastamento em relação ao então presidente.

"A participação de Lula até estaria correta se ele não aparecesse como chefe de Estado discriminando a oposição, com discurso de chefe de partido", disse Roberto Romano, professor de ética do Instituto de Filosofia da Unicamp. Para ele, Lula se deslumbra com a alta popularidade. "Ele tem que entender que, na democracia, a minoria tem os mesmos direitos da maioria. Se há suspeita de um crime, o presidente deve exigir que a investigação e não prejulgar o caso e acusar a vítima de criar problema. Isso é atitude de ditaduras", afirmou.

Líder do governo Lula na Câmara, o deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP) defendeu a participação do presidente na campanha de Dilma Rousseff e no programa de TV. "O presidente Lula fez uma participação de autodefesa no horário eleitoral. Ele estava sendo agredido injustamente pelo Serra, que faz uma campanha de baixo nível como nunca se viu na história", disse o parlamentar.

O Palácio do Planalto se negou a comentar a participação de Lula na campanha e as críticas de Serra. Segundo a assessoria, o governo não trata de assunto da campanha eleitoral. Vaccarezza afirmou ainda que a campanha do PT está interessada em discutir propostas para o futuro do país.