A imprensa pode sentir-se em perigo?
Dois estudiosos da comunicação, Eugênio Bucci e Roberto Romano, analisam o estado de saúde da liberdade de expressão no País
ENTREVISTAS
"A VÍTIMA É O CIDADÃO, QUE TEM DIREITO À INFORMAÇÃO"
Comparado aos mais duros tempos de ditadura militar, no século passado, o Brasil vive hoje em clima de liberdade de imprensa. Mas enfrenta problemas que, como a censura judicial, embaraçam esse clima. Essa censura, diz o jornalista Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP, traduz a ideia de que uma autoridade do Poder Judiciário pode dizer de antemão o que um jornal deve ou não informar.
Como o sr. vê hoje o quadro da liberdade de imprensa no Brasil e quais os seus horizontes no próximo governo?
Estamos respirando um clima de liberdade de imprensa bastante grande. Comparando o quadro de hoje com o de outros períodos, como aqueles do século 20 em que vivemos sob censura, vamos ver que na prática existe liberdade para manifestação de pensamento, para circulação de ideias, para debates, isso propiciado pelos novos meios, pelas redes interconectadas e pelas características da era digital. Isto posto, é possível localizar pontos que embaraçam ou inibem um ambiente de liberdade. Destacaria dois. O primeiro é a existência da censura judicial, o crescimento da censura judicial. A ideia de que uma autoridade do Poder Judiciário pode dizer de antemão que assunto uma publicação jornalística poderá abordar. ou não, em sua pauta é uma ideia autoritária, uma ideia contrária à liberdade de imprensa e de expressão.
Quando fala da censura judicial, o senhor certamente se refere à que hoje atinge o Estado. Existem outros jornais e jornalistas também atuando sob censura, não?
Existem. Por todo lado, uma série de publicações locais e pequenos blogs sofrem igualmente esse tipo de pressão. E quem é a vítima dessa violência que se comete hoje contra a liberdade de expressão? É a sociedade, o cidadão que tem direito à informação. De forma nenhuma um regime de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa pode conviver com essa censura que, mais do que prévia, é uma censura preventiva. É uma barbaridade. Outro ponto que suscita preocupação é o crescimento exponencial das verbas públicas em publicidade comercial nos veículos jornalísticos. Desenvolveu-se no Brasil uma simbiose entre o interesse dos governos e o procedimento de mercado de uma série de publicações que produz um mecanismo pelo qual as verbas publicitárias do poder público abastecem as contas da quase totalidade das publicações jornalísticas. Para essas publicações mais frágeis, mais vulneráveis, como rádios e pequenos jornais, produz-se um ambiente, senão de cooptação direta, de constrangimento. Dá-se a dependência do veículo jornalístico em relação à verba pública. Com essa dependência de verbas públicas, a independência editorial sai prejudicada.
O próximo presidente deveria tomar atitudes concretas nessa área?
O próximo presidente deveria tomar a iniciativa de abrir mão de destinar verba pública para o mercado publicitário. Mas ele vai enfrentar outros desafios. Por exemplo, as empresas públicas de comunicação, como a TV Cultura e a TV Brasil, precisam ter uma visão crítica independente do núcleo dos governos.
Os candidatos à Presidência têm defendido, em seus discursos, o respeito à liberdade de imprensa. Estão sendo sinceros?
Eu acredito no que eles estão dizendo. No caso dos candidatos presidenciais, há uma trajetória, na biografia deles todos, de compromisso com a prática da liberdade. Existem excessos, mas são mais arroubos retóricos ou impertinências verbais. Os compromissos que assumiram no congresso da Associação Nacional de Jornais (ANJ) são compromissos sérios, em termos inequívocos. A meu ver, eles dão uma boa margem de segurança para a sociedade. / José Maria Mayrink