terça-feira, 14 de setembro de 2010

Liberdade de Imprensa, entrevista de O Estado de São Paulo (2)

"HÁ UMA INTERNACIONAL DE GOVERNOS CONTRA A IMPRENSA"


Para Roberto Romano, professor de Ética e Política da Unicamp, o cenário da liberdade de expressão é negativo no Brasil e na América Latina. "Estamos assistindo a uma internacional de governos contra a imprensa", afirma ele, citando como exemplo o que ocorre não só na Venezuela e na Argentina, mas também em outros países da região, como Equador, Bolívia e Paraguai.

Qual é o balanço que o senhor faz da liberdade de imprensa hoje no Brasil?

É um balanço bastante negativo. Nós temos a ação de governos que não suportam a liberdade de imprensa, partidos que têm aversão ao debate livre e, infelizmente, a novidade da entrada do Poder Judiciário servindo de censor para governos e para poderosos. A judicialização da censura é um dos piores elementos do atual cenário brasileiro nesse item.

Que tipo de providências se poderiam cobrar de um futuro presidente nessa área?

O atual governo já enfrenta desafios. O presidente da República, seus ministros e a base aliada se declaram contra a liberdade de imprensa e procuram apresentar encaminhamentos autoritários. Se não patrocinando diretamente iniciativas como o controle social da imprensa, pelo menos atingindo a mídia de maneira bastante constante.

O senhor vê uma radicalização contra a imprensa nas propostas de partidos e de candidatos?

Estamos assistindo a uma internacional de governos na América do Sul contra a liberdade de imprensa. Além de Hugo Chávez, na Venezuela, temos atitudes marcadas pela hostilidade partindo dos governos do Equador, da Bolívia, da Argentina, do Paraguai e mesmo do brasileiro, todos num concerto para atacar aquilo que chamam de "conglomerado da mídia". É preocupante, porque cada um desses governos reforça a atuação arbitrária do outro. É uma verdadeira internacional da censura.

O sr. diria que há diferenças ou nuances de país para país?

Parece-me que essas nuances existem sim. No Brasil, as vitórias da censura são bem menos claras do que o que ocorre na Venezuela, onde a truculência é muito grande. Na Argentina, há forte pressão para o controle governamental da mídia. No Brasil, o que preocupa muito é a mediação do Poder Judiciário para a censura. O caso de O Estado de S. Paulo é o mais grave, mas não é o único. É uma ameaça muito forte à liberdade de imprensa. E a Justiça está se dispondo a fazer o papel de censora.


Pode-se confiar nas declarações que os candidatos fazem em defesa da liberdade de imprensa ou é discurso de campanha?

É melhor desconfiar desses discursos de campanha. Sabemos, desde Maquiavel, que o processo da dissimulação faz parte da conquista do poder político. O que é preciso verificar na campanha não são as palavras, mas os atos.

Aqui, como no resto do continente, a população poderia fazer alguma coisa?

Sim. As ameaças são evidentes e é preciso ter cautela e muita vigilância. E, sobretudo, um controle mais amplo da população sobre os políticos, controle mais marcado sobre os que não se pautam pela ética e não querem a divulgação de seus malfeitos.

A Justiça está tomando decisões adequadas para garantir a liberdade de imprensa?

Temos tido exemplos de juízes que interpretam e letra da lei e garantem a liberdade de imprensa. Mas muitos outros estão deixando a condição de árbitros e assumindo o papel de instrumentos da censura.

Como o senhor vê o caso específico da censura judicial exercida contra o Estado?

Mais que um atentado à imprensa, é um atentado ao Estado democrático de direito. A vítima principal é o povo, ao qual é subtaída a informação. / José Maria Mayrink