segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Um artigo que evidencias as falácias dos "cientistas políticos", ops, marketeiros disfarçados de cientistas políticos.

1
CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 1a REGIÃO – RJ
COMISSÃO DE POLÍTICA ECONÔMICA
CED – CENTRO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO
Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 2008



PAC: DESACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO E VULNERABILIDADE
EXTERNA1

Reinaldo Gonçalves
Professor titular de Economia UFRJ


A desaceleração do crescimento econômico brasileiro é a evidência relevante no momento em que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) completa um ano. Frente ao crescimento do PIB previsto de 5,2% em 2007, as projeções divulgadas pelo Banco Central apontam para a mediana de 4,5% em 2008 e 4,0% em 2009 (Ver Tabela 1, cuja fonte é Focus, Banco Central, http://www.focus 18 jan 2008). Estas taxas são inferiores à taxa de 5,0% que consta no PAC. Desta forma, após um ano de PAC, no lugar da aceleração do crescimento, o que se observa é exatamente o oposto. Há, assim, a interrupção do miniciclo de otimismo que surgiu no segundo trimestre de 2007, quando houve aceleração do crescimento econômico. E, o Brasil continua “andando para trás” quando se considera o resto do mundo. A projeção do FMI de crescimento da economia mundial é de 4,8% em 2008, enquanto os países em desenvolvimento devem crescer 7,4% (Ver Tabela 2). Estas previsões supõem o macrocenário global de “aterrissagem suave” controlado pelas políticas fiscal e monetária dos Estados Unidos.

O primeiro aniversário do PAC envolve não somente a desaceleração do crescimento econômico e o atraso relativo do país, como também a piora nos principais indicadores macroeconômicos. Ainda segundo as previsões do Relatório Focus do Banco Central de 18 de janeiro de 2008 mostradas na Tabela 1, o superávit da balança comercial deve cair de US$ 40 bilhões em 2007 para US$ 30 bilhões em 2008 e US$ 26 bilhões em 2009, enquanto o superávit da conta corrente de US$ 5 bilhões em 2007 se transformará em déficit de US$ 5 bilhões em 2008 e déficit de US$ 11 bilhões em 2009. A pressão inflacionária de 2007 (IGP-M de 7,8% e IPCA de 4,5%) deve continuar em 2008, com taxas de inflação maiores do que as taxas de 2006.

A desaceleração do crescimento econômico e a continuação do atraso relativo tornam-se fatores ainda mais relevantes quando fica cada vez mais clara a reversão da fase ascendente do ciclo econômico internacional iniciado em 2003. A questão central é que as maiores incertezas críticas em relação ao futuro da economia brasileira resultam tanto da reversão do ciclo internacional como dos erros e equívocos das estratégias e políticas econômicas do Governo Lula. O desempenho medíocre do PAC no seu primeiro ano ilustra claramente alguns destes equívocos e erros.


1
Texto apresentado por Reinaldo Gonçalves na Comissão de Política Econômica do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro em 22 de janeiro de 2008.
2
Orientado para a expansão dos investimentos em infra-estrutura no período 2007-10, o PAC contém medidas de expansão dos gastos de investimento do governo federal, compromissos de investimento de empresas estatais, medidas de estímulo à expansão do crédito e de desoneração fiscal, medidas focadas na melhora do ambiente de negócios, e diretrizes e parâmetros macroeconômicos. O documento lançado pelo CORECON-RJ em 28 de maio de 2007 (Corecon-rj/ced/01-07) apresenta análise crítica e abrangente do PAC, com suas limitações e inconsistências.

No primeiro ano do PAC os fatos a destacar são os seguintes:

ERROS DE CONCEPÇÃO
1. O PAC não é um plano de desenvolvimento e sim uma lista ad hoc de projetos.
Esta lista carece de seriedade quando se considera, por exemplo, que o
megapoço de petróleo e gás (Júpiter) anunciado pela Petrobrás no dia 21 de
janeiro de 2008, foi incluído no PAC apresentado no dia seguinte. O mesmo
aconteceu com o megapoço de Tupi anunciado em novembro de 2007 quando
aparecem os sinais evidentes de crise de abastecimento de gás natural. O
terminal de regaseificação da baía de Guanabara, que será inaugurado em
setembro de 2008, também foi incluído como ação do PAC.
2. Com a criação dos PACS-setoriais (por exemplo, segurança e desenvolvimento
urbano) o PAC aparece, de forma ainda mais clara, como uma coleção de
projetos sem qualquer organicidade.
3. A percepção é que o PAC, além de peça de propaganda governamental, tem sido
usado como balcão de liberação de recursos federais para projetos específicos,
alguns com interesses mais políticos do que econômicos ou sociais. Ou seja, o
PAC transformou-se em instrumento de barganha e cooptação que tem, de um
lado, o governo central (Lula), e de outro, governadores e prefeitos com
influência política.
4. Os investimentos da União são relativamente pequenos em termos das
necessidades de investimento. Os gastos de investimento da União em infra-
estrutura corresponderão, em média, a 0,6% do PIB no período 2007-10
enquanto os gastos com pagamento de juros responderão por 4,7% do PIB no
período de vigência do PAC.
5. A maior parte dos investimentos programados (aproximadamente 90%) é de
responsabilidade da empresas estatais.
6. Dois-terços dos investimentos das empresas estão concentrados no setor
energético (petróleo, gás e eletricidade) e, principalmente, sob a
responsabilidade da Petrobrás.
7. Parte expressiva dos projetos de infra-estrutura está associada às atividades de
exportação de produtos primários, o que agrava o padrão de especialização do
comércio exterior, aumenta a vulnerabilidade externa estrutural e reduz o
potencial de crescimento no longo prazo do país.
8. Os recursos definidos no PAC estão aquém das necessidades efetivas do país.
Por exemplo, as necessidades de investimento do Plano Nacional de Logística e
Transportes divulgado em meados de 2007 são 50% maiores do que os recursos
previstos no PAC.
9. A expansão do financiamento governamental ao setor industrial, principalmente
via BNDES, está concentrada nos setores extrativistas e de insumos básicos (por
exemplo, siderurgia, papel e celulose), que são orientados, em grande medida,
3
para o mercado externo. O resultado é a maior vulnerabilidade externa do país
nas esferas comercial e produtiva.


INOPERÂNCIA NA IMPLEMENTAÇÃO
1. A inoperância do governo federal evidencia-se quando se constata que somente
27% dos recursos previstos foram efetivamente pagos no primeiro ano de
vigência do PAC.
2. A ineficácia na implementação do PAC aparece, por exemplo, quando se
considera que o conjunto dos principais projetos para o Rio de Janeiro. Com a
exceção dos projetos em andamento sob a responsabilidade direta da Petrobrás,
somente dois dos 10 principais projetos saíram do papel.
3. O argumento do governo de que 86% das 2126 ações em andamento estão tendo
desempenho adequado carecem de credibilidade. Não há avaliação externa do
PAC, não se conhecem os critérios de adequação e o julgamento do próprio
gestor deve ser visto com desconfiança. Por que o governo Lula não cria um
grupo independente de acompanhamento e avaliação do PAC com
representações indicadas pela sociedade civil?
4. No primeiro ano do PAC houve o “apagão aéreo” com suas trágicas
conseqüências e o aumento do risco de grave crise no setor energético.
5. Os aeroportos brasileiros aparecem na lista dos piores aeroportos do mundo
segundo a revista Forbes (http://www.forbes.com).
6. Muitos especialistas afirmam que o país já está experimentando crise energética
em decorrência da explosão dos preços negociados no mercado paralelo
(mercado livre) de energia elétrica, do redirecionamento do gás natural para as
termelétricas e as restrições de oferta das hidroelétricas.
7. As mudanças do marco regulatório pouco avançaram e o que há de mais
evidente parece ser o afrouxamento do controle dos processos de licenciamento
ambiental.
8. A questão da defesa da concorrência tornou-se secundária em um país marcado
por forte centralização do capital. Este fato é relevante, por exemplo, quando se
considera que o setor de cimento é, por um lado, estratégico para os
investimentos em infra-estrutura e, por outro, tem um histórico de fortes práticas
comerciais restritivas. O abuso do poder econômico continua sem a efetiva
regulação governamental.
9. A Vale do Rio Doce, uma das três empresas multinacionais responsáveis pelo
cartel do minério de ferro, tem sido acusada de práticas comerciais restritivas
que afetam o setor de siderurgia e construção civil. O governo tem se mostrado
inoperante em área que afeta diretamente a infra-estrutura do país.
10. Devido à sua própria inoperância, o governo conta com a maior liberalização
externa na esfera produtiva via participação efetiva de empresas estrangeiras nas
concessões para administrar as rodovias federais. No setor aéreo as autoridades
federais defendem a ampliação do limite de participação do capital estrangeiro
nas empresas aéreas nacionais de 20% para 49%.
11. A inoperância governamental também é evidente no caso da crise do setor
energético. Especialistas têm recorrentemente denunciado a ineficácia e, até
mesmo, a irresponsabilidade do governo neste setor. Segundo o Instituto Ilumina
(www.ilumina.org.br) há “passividade do governo federal” e “ausência de
providências mais efetivas que possam evitar uma crise nos próximos dois ou
três anos”. As mudanças no marco regulatório ficaram somente no papel ou,
4
então, foram parcialmente executadas de tal forma que “o sistema
hidroenergético tornou-se muito vulnerável”. Neste sistema não houve expansão
adequada da oferta e “no que se refere à operação, praticamente nada de
relevante foi acrescentado.”
12. Sete anos depois da crise de energia e cinco anos de governo o país defronta-se
com séria restrição ao crescimento econômico em decorrência dos problemas
energéticos, no que se refere tanto à hidroeletricidade quanto às outras fontes de
energia, como o gás natural. Mais recentemente, o governo obrigou a Petrobrás a
desviar gás natural para as termelétricas, o que provoca o aumento dos custos da
produção de derivados do petróleo. A empresa reduzirá seus lucros e, portanto
sua capacidade de investimento, ou, então, haverá aumento de preços.
13. As autoridades governamentais que se mostraram inoperantes no que se refere à
questão energética são, precisamente, aquelas que estão atualmente na
coordenação do PAC, com destaque para a Ministra Dilma Roussef. Com os
sinais evidentes de crise energética, após cinco anos de governo, a pergunta é:
Por que Dilma Roussef não foi demitida?


DIRETRIZES MACROECONÔMICAS EQUIVOCADAS
1. As diretrizes macroeconômicas do PAC têm viés restritivo como, por exemplo,
as referentes às despesas com benefícios da Previdência, folha de salários da
União, manutenção do mega-superávit primário, regra de ajuste do salário
mínimo e vigência de taxas de juros reais relativamente altas (Luiz Filgueiras e
Reinaldo Gonçalves, A Economia Política do Governo Lula, Rio de Janeiro,
Editora Contraponto, 2007, p. 198-207).
2. A pressão inflacionária e os riscos crescentes da conjuntura internacional são os
fatos destacados pelas autoridades monetárias para interromper a trajetória de
queda da taxa de juro a partir de setembro de 2007. As previsões para 2008 são
que as taxas de juros nominais devem ficar no mesmo patamar de 2007. A Taxa
Selic deve fechar o ano de 2008 em 11,25% , ou seja, a mesma taxa do final de
2007 (Banco Central, Focus, 18 janeiro de 2008, http://www.focus 18 jan 2008).
3. O PAC também opera no contexto da enorme vulnerabilidade externa do país
que se agravou com o crescimento extraordinário das importações (quase 50%
em 2006-07) e crescente dependência em relação à exportação de commodities.
A crença de que as reservas internacionais do país servem como fator de
resistência à crise internacional comete o grave erro de desconsiderar a elevada
liberalização financeira e cambial do país. Estas reservas podem desaparecer em
poucas semanas via deslocamento das aplicações financeiras para a compra de
dólares. E, de fato, no âmbito seja das políticas governamentais, seja do PAC,
não há medidas concretas no sentido de redução da vulnerabilidade externa
estrutural do país. Muito pelo contrário. O capital estrangeiro tem sido visto
como solução para problemas nos setores de infra-estrutura, que resultam em
boa medida da inoperância do governo Lula.
4. O argumento acerca da blindagem da economia brasileira equivoca-se a respeito
da natureza da atual crise internacional. As crises dos anos 1990 tinham foco no
subsistema que abarcava os fluxos financeiros para alguns mercados
emergentes. Atualmente, a crise também deriva de problemas na esfera real (que
tem repercussões nas esferas comercial e tecnológica), além, naturalmente, dos
problemas nas esferas monetária e financeira internacional.
5
5. A falta de consistência macroeconômica do PAC deriva do fato de que o
crescimento econômico sustentável de 5% exige taxas de investimento
superiores a 20%. A taxa de investimento em 2007 deve ficar bem abaixo deste
número (algo próximo de 17%).
6. A falta de consistência do PAC deriva também da manutenção das diretrizes
equivocadas da política macroeconômica do Governo Lula, que são travas ao
crescimento: metas rígidas de inflação e juros altos, mega-superávit fiscal
primário, câmbio flutuante e liberalização cambial, e elevado grau de
liberalização externa (Ibid, capítulo 3).
7. O "desenvolvimentismo às avessas" do Ministro da Fazenda Guido Mantega
envolve a defesa de um imposto regressivo como a CPMF. Frente à correta
decisão do Congresso de não renovar este tributo, o Ministro logrou a
decretação do aumento do IOF que onera os mais pobres, que estão pagando
taxas de juros que estão entre as mais altas do mundo. Cria-se mais um dreno
fiscal que inibe o consumo e, portanto, desestimula o investimento e o
crescimento econômico. O Ministro “desenvolvimentista às avessas” tem
recorrentemente ameaçado cortar despesas desconsiderando os outros fatores
determinantes de expansão da receita tributária.


SÍNTESE
Após um ano do PAC chega-se à conclusão que os resultados são medíocres.

1. O miniciclo de otimismo que se seguiu ao lançamento do PAC não parece ter
completado um ano. As expectativas são de taxas decrescentes de crescimento
econômico em 2008 e 2009, ou seja, o PAC está associado à desaceleração do
crescimento. Portanto, o Brasil continuará “andando para trás”. A taxa média
anual de crescimento prevista para o país em 2003-08 (3,9%) é menor do que a
taxa média mundial e todas as taxas médias regionais (ver Tabela 2).

2. Em áreas-chaves, como energia e transporte, não houve melhoras evidentes ou,
então, houve séria deterioração das condições de infra-estrutura. Os custos das
deficiências na infra-estrutura tornaram-se ainda mais evidentes com os
problemas atuais e o risco crescente na área energética. Em conseqüência,
reaparece a pressão inflacionária via elevação dos custos. Além das deficiências
de operacionalização, deve-se destacar que os avanços no marco regulatório
(principalmente, a defesa da concorrência) foram praticamente inexistentes.

3. O Brasil não está menos vulnerável aos fatores desestabilizadores externos. É
um equívoco afastar a hipótese de crise econômica decorrente de problemas
cambiais. O superávit comercial está diminuindo rapidamente, o superávit em
transações correntes já se transformou em déficit e a relação entre as
importações e as reservas internacionais deve aumentar significativamente no
futuro próximo. O PAC tende a aumentar a vulnerabilidade externa estrutural do
país na medida em que tem foco de investimentos nos setores orientados para a
produção e exportação de commodities.

4. Tendo em vista que o PAC mantém as diretrizes básicas das estratégias e
políticas macroeconômicas do Governo Lula, o que se prevê para 2008 é, de
fato, a pressão inflacionária via custo, o aumento da vulnerabilidade externa do
6
país e a desaceleração do crescimento no contexto de maiores incertezas críticas.
Estes argumentos supõem o macrocenário global de “aterrissagem suave”
controlado pelas políticas fiscal e monetária dos Estados Unidos. Naturalmente,
a situação tenderá a se agravar se o macrocenário global de “aterrissagem suave”
se transformar em eclosão de crise com forte reversão do ciclo ascendente para o
ciclo descendente da economia mundial.



Tabela 1
Expectativas macroeconômicas para 2008
(em 18 janeiro 2008)
Mediana - agregado

2008 2009
PIB (var. % real) 4,5 4,0

Balança comercial (US$ bi) 30 26
Conta corrente (US$ bi) -5,0 -10,8

IPCA 4,4 4,2
IGP-M 4,8 4,4
IGP-DI 4,8 4,2

Taxa Selic, final de período % 11,25 10,0
Taxa Selic, final de período % 11,25 10,5
Fonte: BACEN – Focus.
http://www.bacen/focus/18 jan 08



Tabela 2
Taxa de crescimento real do PIB (%): 2003-08
Macrocenário de Aterrissagem suave

2003 2004 2005 2006 2007 2008
Média
2003-08
Mundo 4,0 5,3 4,8 5,4 5,2 4,8 4,9
Países em desenvolvimento 6,7 7,7 7,5 8,1 8,1 7,4 7,6
África 4,7 5,8 5,6 5,6 5,7 6,5 5,6
Ásia 8,3 8,8 9,2 9,8 9,8 8,8 9,1
Oriente Médio 6,6 5,6 5,4 5,6 5,9 5,9 5,8
Américas 2,4 6,0 4,6 5,5 5,0 4,3 4,6

Brasil 1,1 5,7 3,2 3,8 5,2 4,5 3,9

Fontes: FMI, IPEA e Banco Central do Brasil.
http://www.bacen/focus/18 jan 08
http://www.ipeadata.gov.br/PIB
http://www.imf.org/weo out08
Nota: Dados referem-se estimativas para 2007 e projeções para 2008.