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Lula e a morte de Sócrates
A democracia tem seu berço na Grécia. Todos conhecem tal origem. Mas poucos sabem que o regime democrático gerou injustiças tremendas, uma verdadeira tirania popular. Um ponto hediondo daquela forma de governo encontra-se na lei da atimia. Quem era declarado sem honra (por diversos motivos pessoais ou públicos) recebia como castigo o banimento da vida política. Vejamos um pouco as palavras. O que eram as timai que ordenavam o termo negativo, atimia? Eram as honras públicas que permitiam acesso aos cargos, aos tribunais, ao povo reunido em assembleia. Atimia era imposta aos covardes na guerra, aos que não protegiam seus familiares, sobretudo menores, aos devedores do erário oficial, aos homossexuais. Atimia pode ser hereditária. A maior ou menor abrangência da perda dos direitos era decidida caso a caso. Autores indicam que no cotidiano certas penas de atimia eram quase ignoradas pela população, como nos débitos de cidadãos privados para com o erário público. E temos também o caso dos promotores públicos que, se não conseguissem convencer pelo menos um quinto dos juízes e jurados, ou eram proibidos de tratar novamente de causas públicas ou eram, pelo menos, multados pesadamente.
Boa parte dos cassados de maneira absoluta, pela atimia, não chegavam a ser julgados. Sua condenação era extra-judiciária mas sem perdão. Contra eles, tudo era permitido. Tal herança democrática foi corrigida, ao longo dos milênios, por procedimentos processuais que passaram a garantir o direito dos acusados. A condenação de Sócrates inspirou os juristas modernos, sobretudo Beccaria, a pregar o direito de defesa contra o povo, o Estado, as Igrejas, a sociedade organizada.
Após séculos de lutas, e sobretudo depois do Holocausto, parte dos Estados reconhece os direitos humanos cuja recusa é marca do fascismo. Por mais “democrático” que seja o governante, se ele nega direitos à defesa, participa dos defeitos mais execráveis da forma democrática grega, apontados acima. Não é lícito, depois das conquistas dos direitos universais proclamados pela ONU, defender a tortura. Dada a violência da campanha eleitoral, quando surgiram vilezas em todos os setores, tanto da oposição quanto do governo, passou desapercebida uma fala de Luiz Inácio da Silva que mancha, de forma indelével, sua atitude diante dos direitos humanos.
Cito a notícia que me assustou. Estava acostumado a ouvir, de Sua Excelência, as piores batatadas. O índice de popularidade, no entanto, soltou ainda mais a língua presidencial, dirigida para eleger sua candidata. “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu uma declaração, no mínimo, bastante polêmica, e que deve gerar reações duras de entidades que protegem os direitos humanos. Segundo Lula, depois que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) foram implantadas em favelas da cidade, a polícia passou a ‘bater em quem tem que bater’. (Agência Estado).”
Quando Dilma Roussef foi presa (estive na mesma “hospedaria” ditatorial frequentada pela agora presidente do Brasil), a fala dos governantes era a mesma do atual presidente. Existia tortura? Sim, mas praticada “apenas” em quem merecia apanhar. Ou seja, os acusados de terrorismo pelos ditadores, podiam ser massacrados no pau de arara, no trono do dragão, nos afogamentos etc. Os defensores dos direitos humanos da esquerda leram a declaração do seu líder sem mostrar indignação. Como ousam falar em reparações devidas à tortura policial, se calam diante da fala de Sua Excelência? Apenas retórica de campanha... Apenas, senhores? Em matéria de direitos e de veto à tortura não existe o “apenas”. Ou se defende os torturados ou se apoia a tortura. No primeiro caso, temos o campo do direito e da civilização. No segundo caso, o fascismo, mesmo que batizado sob a etiqueta da “esquerda”. Lula é democrata ao jeito grego, o modo tirânico que levou Sócrates à morte. Nem precisamos recordar: a condenação do filósofo foi aplaudida por oitenta por cento da massa, seduzida pelos demagogos, os marqueteiros da época. Assim caminha a política...