Fim das eleições de 2010 e muita expectativa para saber como serão os próximos quatro anos. Na avaliação de Roberto Romano, professor de ética e filosofia política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos maiores intelectuais do Brasil contemporâneo, se o futuro governo assumir posições apenas para destruir adversários políticos e não pensar na democracia, “notícias muito ruins” estarão reservadas para o futuro. Romano considera que Dilma Rousseff (PT) enfrentará problemas para agradar a todos e arrisca uma previsão: “será muito difícil realizar um trabalho sem contradições”. Para o filósofo, “o que está sendo decidido neste momento é a nova configuração jurídica do Brasil”. Ele acredita ainda que, se houver a interferência do presidente Lula no governo Dilma, o país viverá um verdadeiro caos institucional, onde o chefe do Estado não manda e não decide. Confira a entrevista na íntegra. Contas Abertas (CA) – O que a vitória de Dilma Roussef representa para o Brasil? Romano – É complicado fazer uma síntese, mas isso é um sinal de continuidade do poder do presidente Lula. Na verdade quem está sendo eleito é o próprio presidente Lula, que tirou Dilma do bolso do colete e a propagandeou pelos quatro cantos do país, inclusive em detrimento da lei. Lula se excedeu na sua função de presidente da República e assumiu um papel de um líder de facção, como diz Fernando Henrique Cardoso. Isso é um sinal muito ruim para o equilíbrio dos poderes. CA – O que o senhor espera da nova presidente? Romano – Existem aliados do PT neste momento, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que têm uma estratégia própria em desenvolvimento e que não vão pedir licença à nova presidente para por em prática as suas táticas. Então, em primeiro lugar, caso ela não realize as reivindicações do MST, pode esperar problemas com eles. Se ela decidir seguir a receita mais populista e mantiver essas alianças com o MST, terá problemas com os ruralistas. Então, de qualquer maneira, Dilma terá de enfrentar uma série de contradições, sem ter a figura do presidente Lula como tutor. Porque se houver a interferência de Lula, teremos um caos institucional, ou seja, ter um presidente da república que não manda e não decide. Assim como no MST, praticamente todos os movimentos sociais foram cooptados no governo Lula. Acredito que vai ser muito difícil ela realizar um trabalho sem contradições. CA – Que contribuições José Serra (PSDB) poderá dar ao futuro governo? Romano – Uma marca da demagogia do governo Lula foi esconder o fato de o PSDB ter sido um grande aliado e apoiador da atual política econômica. Os tucanos apoiaram todas as medidas julgadas necessárias para garantir a ordem econômica tida como ideal. O PSDB não fez propriamente uma oposição e, agora, está recebendo o troco pelo fato de ter apoiado o governo Lula. Eles foram uma meia oposição e hoje estão sentindo na pele o que significa isso. Muito provavelmente eles continuarão apoiando a política econômica e a macroeconomia brasileira, se ela seguir esse mesmo rumo. Acho que o Serra e o pessoal tucano ainda ficarão presos a essa dialética de terem apoiado o governo Lula durante os dois últimos mandatos para manter a estabilidade econômica. CA – Os recentes escândalos envolvendo os candidatos à Presidência da República surtiram algum efeito nos resultados das eleições? Romano – De fato os escândalos ajudaram a esquentar os debates, mas houve uma saturação. Eu dizia, antes mesmo do começo oficial dessas eleições, que neste ano a pauta ética seria a ultima a ser consultada. Acho que esses escândalos vieram mais para apimentar os debates. CA – Como o senhor vê o Brasil nos próximos quatro anos? Romano – No futuro governo teremos uma maioria do PT junto com o PMDB no Congresso, o que permite ao Executivo mudar a estrutura jurídica inteira do Estado brasileiro, e isso é uma coisa que deve ser vista com muita preocupação. Uma modificação que inicialmente pode parecer favoável à esquerda, num determinado momento pode impedir o florescimento de manifestações populares e democráticas. O que está sendo decidido neste momento, e nos próximos quatro anos, é a nova configuração jurídica do Brasil. Eu vejo aí uma possibilidade muito forte de um reforço do Executivo, que já é uma verdadeira ditadura. O Executivo atual legisla, controla o Judiciário, enfim, tem superpoderes. Se você assume posições apenas para destruir adversários políticos e não pensa na democracia, no regime do contraditório, nós teremos notícias muito ruins para o futuro. CA – Existia alguma possibilidade de o candidato Serra ganhar? Romano – Olha, até em corrida de cavalo tem azarão. Não se pode diagnosticar premeditadamente, porque a pesquisa, embora cientifica, tem como objeto avaliar a opinião, que a coisa mais variável do mundo. As pesquisas não são a voz de Deus. Aliás, nestas eleições Deus esteve demasiadamente presente, inclusive com muito abuso das pessoas com o Seu santíssimo nome. |