Da Grécia aos nossos dias, alguns
pressupostos éticos
Prof. Dr. Roberto Romano da Silva/Unicamp
Escola Judicial/ Tribunal Regional do Trabalho, Campinas
12a Semana Temática
20/10/2014
Conforme o programado
pela Escola que me convida e acolhe a cada um dos senhores, o tema de nosso
diálogo é o fundamento da ética. Com os demais
assuntos da ordem filosófica, ele tem suas origens na Grécia democrática.
Paradigma de nossas formas de pensar, a sociedade ateniense apresenta ao exame
dos historiadores, antropólogos, arqueólogos, juristas, qualidades e falhas. Nela
foram moldados conceitos relevantes da
nossa vida coletiva. Pensemos na Constituição, base do que os senhores
desenvolvem no cotidiano. Katástasis,
([1])
palavra de origem médica como boa parte dos vocábulos dedicados à política (a
exemplo de regime) evoca a estrutura corporal dos indivíduos reunídos. O
conceito se espelha da ordem fisiológica à física pois também descreve o ambiente onde as sociedades
nascem, crescem, perecem. Cada reunião humana possui uma estrutura que ordena
suas formas de ser e de agir. Sei que os senhores dominam os textos de Montesquieu
onde o elo entre leis e clima sela a ética da sociedade.
A noção de Katástasis encerra o nexo entre a
estrutura física e espiritual dos povos, o que permite a governabilidade.
Quando um coletivo segue suas bases naturais e anímicas, nele reina a boa ordem
(taxis) que corrige o desequilíbrio
interno, a dissidência e guerra civil, a stasis.
Daí, a lógica do que nós e os gregos entendemos como “Estado”. Com base numa Katástasis, numa Constituição, a
política permite que os indivíduos e os coletivos subsistam e se desenvolvam
sem fraturas que trariam a morte. O Estado, se ele possui forma adequada à
índole dos povos e dos indivíduos garante a vida, afasta a guerra de todos
contra todos. Tal fórmula atribuída a Hobbes, na verdade tem seu nascimento em
Empédocles de Agrigento, filósofo que serviu como fio condutor da filosofia
platônica, a mais profunda, extensa e elevada ética do mundo ocidental.
Segundo Empédocles, o
universo é perene sucessão de guerra e paz (Eros
e Neikos). Os quatro elementos (água, terra, ar, fogo) se
digladiam pelo domínio. Como nenhum deles o consegue, a sua concórdia é
momentânea, logo retorna a virulência recíproca. ([2])
Como o homem é um ente natural composto pelos mesmos quatro elementos, a sua
vida e morte ocorre entre tranquila convivência e luta feroz. A guerra o
atormenta quando ele está imerso na physis.
É possível aquilatar o pensamento de Empédocles após as carnificinas do século XX, as duas guerra
mundiais com seus desdobramentos no Vietnã, no Oriente Médio etc. O pavor
subsiste e pode ser vislumbrado nos seus versos, presentes no pensamento
hobbesiano e dos que pensam sobre a vida e a morte, efetividades que definem
toda ética.
Platão percebe no
cosmos/caos exposto por Empédocles a base para pensar a guerra de todos contra
todos. A solução temporária dos conflitos, como no plano físico, não pode vir expontâneamente.
Apenas uma intervenção externa consegue, à semelhança das máquinas, diques,
pontes, edifícios, deter a violência natural. No diálogo Timeu, ele apresenta a tese de um técnico (o termo é τεχνίτης , artesão,
artista) cuja destreza, inteligência e cálculo matemático une os
elementos naturais num engenho, a máquina do mundo. Agindo externamente, ele
produz o mecanismo e o regula quando surgem desarranjos. O técnico recebe o
nome de demiurgo, que em nossas traduções imperfeitas é sinônimo do ser divino.
O artesão controla a máquina do mundo porque a produziu. Ele conhece as suas engrenagens
e complexas estruturas. Mesmo sob controle, no entanto, o engenho cósmico pode
causar estragos como os dilúvios (hegemonia da água), os terremotos (convulsões
da terra), as secas (predomínio do ar), os incêndios, etc. Para que os danos
não continuem é preciso a vigilância constante do técnico.
Os homens são entes
naturais e trazem dentro de si os quatro elementos, os conflitos do
caos/cosmos. Também para eles é preciso fabricar um engenho controlador
manipulado por técnicos competentes, postos acima das lutas coletivas. Outro
contributo importante no trabalho platônico vem do médico Alcmeon de Crotona,
segundo o qual a natureza e os homens não suportam a monarquia onde reina um só
elemento sobre os demais. É preciso que entre eles ocorra uma correta unidade,
a Krasis saudável. E desse modo
Platão propõe a máquina do Estado, a Politeia
que realiza aquela síntese dos opostos.
Entregue a si mesmo, sem o cuidado dos técnicos competentes, o mecanismo
do Estado degenera e se torna impotente diante da violência natural ínsita nos
indivíduos e grupos. A República
descreve a fratura do poder estatal nos sucessivos regimes, realeza,
aristocracia, democracia, tirania. Sem os técnicos do poder o mecanismo estatal
segue rumo à reinstauração da luta de todos contra todos.
Platão apresenta as seguintes
teses sobre a ética:
1) Agir mal, a kakourgia, é algo involuntário (vem da
natureza feroz dos homens). A virtude não é derivada apenas da natureza, mas ela é
uma arte, uma técnica, um artifício. Ela deve ser ensinada, aprendida,
conhecida.
Os homens desejam o bem,
ou o que imaginam ser o bem. Se conhecem o bem, não agem de maneira maléfica. O
bem apenas imaginado vem dos costumes trazidos pela família, grupo social, tribo ou meio ambiente (lembro a constituição,
Katástasis). O bem real é objeto de
ciência, não está preso aos limites da imaginação, dos hábitos familiares,
tribais, etc. Atos ruins, voluntários ou involuntários, precisam receber sanção
legal negativa, para que o coletivo não se frature. E o tema é discutido amplamente
por Platão no diálogo As Leis, obra
da sua velhice.
2) O saber é a única base
do agir consciente para o bem. A opinião (doxa)
e o hábito (ethos) podem ajudar na regulagem
dos atos. Mas apenas o saber, trazido pelos especialistas do bem comum, define
a liberdade efetiva. O indivíduo pode nascer com a disposição para o saber, mas
não o conseguirá sozinho, de modo expontâneo. “Povo estranho, o ateniense”, diz
Sócrates em determinado passo platônico. “Para construir suas casas, contratam
os melhores arquitetos, para seus navios, os melhores armadores. Mas para
dirigir os negócios públicos, escolhem qualquer um”. A política é técnica, não
habilidade retórica e persuasiva. Veremos o quanto tal ponto é decisivo em
termos de ética pública, na cidade de Atenas e em nossos dias.
Tomemos um exemplo da
educação técnica para a obediência consciente das leis. Lembro que a noção de
que ninguém pode ignorar a lei é instituída pela democracia ateniense. As leis
eram esculpidas em grandes letras na praça pública. Todos a viam sem possível
disfarce. No entanto, os arqueólogos do século XX descobriram pedras com
maldições dos governantes contra os que danificavam as pedras das leis. E mais,
descobriram outras pedras contendo maldições para os que fraturaram as pedras
que continham as ditas maldições. Prova da tese platônica: o conhecimento do
bem e do mal não tem origem imediata nos homens, mas precisa ser obtido pela
técnica do ensino. Por sua natureza, os homens não suportam a lei. Assim, eles,
ao contrário do que pensa Aristóteles, não são imediatamente animais políticos.
Este é um outro ensino que Hobbes aprendeu de Platão.
E o filósofo apresenta a
pedagogia com um similar tecnológico. Platão, diga-se, é a fonte de todo nosso pensamento baseado na
tecnologia. Ele arrazoa técnicamente em quase todos os casos éticos que aborda.
Quem o lê percebe o quanto a técnica nele se apresenta nos dilemas sociais, nas
soluções possíveis, nos desastres. Se os homens quebram as leis e não as
obedecem é porque ignoram a sua relevância na preservação temporária da vida. Não é possível esperar que eles, de
maneira inata, a conheçam e pratiquem. [3]
É necessário que as leis
sejam neles inculcadas por um ardil técnico. Tal artifício é comparado por
Platão ao ofício do tintureiro. Para que se obtenha uma cor firme e constante,
não facilmente desbotável, é preciso que o artesão seja exímio, conheça o
tecido que vai receber a tinta, a sua
qualidade, conheça as próprias tintas e o tempo necessário de imersão do tecido.
Caso contrário, o pano logo desbota, perde a qualidade brilhante que obteve na
tintura.
Assim deve ser o ensino
para o saber e a obediência da lei. Esta última é a tinta que pode ser boa ou
ruim. Ela deve ser aplicada por um técnico exímio, o professor ou juiz, na alma
( o tecido) das crianças, desde os primeiros passos. Nas Leis, diz ainda Platão que os juízes e professores devem ensinar
aos jovens a diferença entre a caça aos animais e a caça aos homens. Num país
onde o linchamento é prática habitual, podemos aquilatar a importância da
advertência platônica.
É preciso tingir almas com a tintura das leis.
Se o trabalho técnico do professor ou juiz é habilidoso as leis são impressas na
alma dos jovens, de modo que elas não se atenuam com o tempo. Platão lembra,
quando se trata de um trabalho ruim de tintura, as pessoas que frequentam as
praias esporadicamente, nelas ganham um bronzeado mas logo retorna o aspecto doentio. Se a lei é
impressa na alma, ela domina os atos dos indivíduos e grupos. Importa seguí-la
porque assim alguém obedece a si mesmo. À Katástasis
da natureza, base de uma ética bruta onde ninguém é livre, substitui-se uma nova
constituição técnica que define uma nova ética, a política para a vida na polis. ([4])
Temos aí um antecedente
da noção de liberdade e autonomia, cujo
ápice está no imperativo categórico enunciado por Imanuel Kant: ao obedecer a
lei, não por influências externas, por medo ou esperança de prêmios, mas apenas
porque ela é a lei, somos autônomos. Se
não a transgredimos por receio do castigo ou por recompensas, somos heterônomos.
Kant usa os mesmos vocábulos platônicos : o Nomos,
a lei, ou está em nós, ou vem do nosso exterior. A um ethos
da escravidão, a heteronomia, substitui-se o ethos da liberdade no qual obedecer a lei é obedecer a si mesmo,
não um outro. O nomos deixa de ser um
fator externo que pode ser burlado, para se integrar à consciência que o indivíduo
tem de si mesmo. Na ética autônoma, a lei integra a vontade e o saber dos seres
humanos.
Se, no entanto, a receita
platônica em pedagogia levou a reflexões como as kantianas, ela pode conduzir à
mais dura experiência de perda, para os indivíduos e coletivos, da liberdade.
Se a lei está impressa na própria mente, como se levantar contra normas mentirosas
e injustas? Se, ao assumir a sua escravidão diante da lei (Platão chama os que
obedecem à lei de “servos voluntários”, o que é um elogio aos seus olhos porque
os críticos de tais “servos” seriam os cidadãos democráticos que abririam,
segundo o filósofo, as sendas para o advento do regime tirânico) o indivíduo
assume uma segunda natureza, técnica, suspendendo a primeira, a violenta, como
escaparia ele do poder autocrático, o dos técnicos ? Hobbes, platônico até à
raiz, tudo faz para que o direito natural seja enfraquecido pela instauração do
Estado, a Commonwealth. Spinoza, pensador democrático, recusa tal operação
tecnológica. São célebres as sentenças spinozanas sobre o assunto, em
carta a Jarig Jelles: “O senhor me pergunta qual a diferença entre o
pensamento de Hobbes e o meu, no relativo à política: ela consiste em que sempre
mantenho o direito natural e só concedo, em
qualquer cidade , direito ao soberano sobre os é o ápice.cidadãos na medida em que, pela potência, ele os
sobrepuje; é a continuação do estado de
natureza”. (2 de junho de 1674). ([5])
Temos aí o
núcleo de todas as questões relativas à resistência aos poderes tirânicos,
mesmo os intitulados “despotismos esclarecidos”. Durante a Idade Média e os
tempos modernos (sobretudo no século XVII) o debate entre defensores do poder e
seus críticos gerou frutos amargos nas
“guerras de religião”e nos atentados tiranicidas, dos quais o libelo Vindiciae contra Tyrannos, do anônimo
Junius Brutus é o ápice. ([6])
Do ponto de vista jurídico, os pontos elevados encontram-se nas doutrinas que
atacam ou defendem a rebelião contra o poder estabelecido. Permitam que eu cite
a mim mesmo, em trabalho sobre o assunto : "O ponto crucial do problema
inteiro (do tiranicídio) gira ao redor do estatuto do indivíduo no campo
coletivo. Quais os limites do primeiro e do segundo? Quem é fonte dos direitos
e da ação política? Quando a tirania do Todo suscita a resistência legítima ?
Todas essas questões, suscitadas pelos monarcômacos protestantes, são refletidas
de maneira inversa nos monarcômacos do catolicismo. O ponto mais grave, no meu
entender, reside na tese de que não raro os átomos sociais e políticos, os
indivíduos, podem estar na posse do direito efetivo, quando a maioria se deixa controlar por tiranias mentirosas e
anti-jurídicas. Basta recordar os totalitarismos do século 20 : quem tinha
razão e estava na verdade, as massas animalizadas pela propaganda nazista,
estalinista, fascista, ou os poucos cidadãos que aceitaram ir para a morte, sem
disto precisar por que eram “arianos” ou porque simplesmente poderiam calar e
cooperar com o Estado?" ([7])
Seria fascinante
analisar com os senhores os textos de juristas do século XVII, sobremodo os de
François Hotman, a FrancoGallia ([8])
Roland Mousnier é autor de um clássico, até agora indispensável para o estudo
do problema. ([9])
Voltemos às fontes, ao autor da República,
aos problemas da ética social e política
no Ocidente. Platão foi visto como um
idealista utópico porque seus críticos ou adeptos na verdade não o seguiram,
mas ao neoplatonismo, mistura do pensamento de Aristóteles, intuições místicas
e textos platônicos lidos como oráculos herméticos. O famoso “idealismo” que
informa os lugares comuns batidos sobre o filósofo, existem apenas em autores
neoplatônicos.
Após o vagalhão neoplatônico que deturpou os escritos do
filósofo dando-lhes uma roupagem edulcorada ou fideísta cujos frutos encontram-se
em Marcilio Ficino e outros místicos da Renascença, tivemos na história recente
o Platão totalitário fabricado por escritores como Karl Popper. (10][)
Os ataques de Popper têm algum sentido se olhamos os textos platônicos na sua
própria nascente ou se os examinamos segundo o ponto de vista dos totalitários
que o usaram em suas doutrinas. Com o nazismo, professores de filosofia alemães
reivindicaram, em escritos fascistas, o pensamento de Platão sobre o Estado e a
sociedade. Assim, surgiram escritores como Joachim Bannes (Hitler’s Kampf und Platons Staat
,1933), K. Hildebrandt (Platon, der Kampf
des Geistes um die Macht, 1933) e outros, sempre abusando do termo “Kampf”,
para bajular o dono do poder, o autor de Mein
Kampf. Os senhores podem encontrar uma exposição profunda do tema em
Luciano Canfora, Ideologie del
classicismo, Torino, Einaudi, 1980.
Mas não foi apenas no
lado nazista que Platão recebeu honras totalitárias. Na União Soviética o
professor Skatkin, do Instituto de Eletricidade de Moscou, foi invectivado por
alunos e colegas por afirmar que Platão fundara o fascismo. Ele foi demitido e
seus superiores receberam censuras “de cima” (do Kremlin) por não terem impedido
a heresia. A União dos Jovens Comunistas e o próprio Partido exigiram que o
nome do filósofo não fosse usado em vão. Os senhores podem encontrar detalhes
do problema no belo artigo de Glenn Morrow, in Vlastos, Gregory : Plato II, ethics, politics, and philosophy
of art and religion (Notre Dame University Press, 1971).
Assumido pelos
totalitarismos, o filósofo foi execrado pelos pensadores liberais. Nos EUA,
Edward O. Sisson chegou a escrever em 1940 que o filósofo grego redigiu a
“carta original do fascismo” sendo sua obra “um dos mais perigosos itens na
educação do mundo ocidental”. Qual o motivo para semelhante endeusamento e diabolização
na história recente?
Trata-se da doutrina
platônica a que me referi no início: a idéia segundo a qual apenas o técnico
que fabrica a máquina pode dirigi-la competentemente. A política deve se pautar pela lei, mas ela é
externa à mente e ao coração dos homens comuns e foi fabricada pelos técnicos.
Aqui temos uma divisão até hoje dominante nos meios profissionais, com forte
marca em suas éticas: de um lado, os técnicos competentes, jurista, médico,
engenheiro, cientista, filósofo. No outro extremo, os “leigos” ignaros que não
devem palpitar em assuntos sérios. Tal clivagem é platônica, dado que o
filósofo via no povo (laós), composto
pelos muitos (oi poloi), quando não
dominado pelas leis, um ignorante animal feroz, incapaz de se organizar na
forma superior e adquirir o estatuto de um demos.
([11])
A eduacação deve tingir
as almas de fora para dentro. A lei, diz Platão no diálogo Político, não deve obstaculizar o trabalho dos técnicos de governo.
Pelo menos esta é a exegese dos totalitários e dos liberais. Os primeiros viam
em Platão o indicador máximo dos poderes burocráticos da elite dirigente. Os
segundos nele percebiam a mesma coisa mas com valor trocado: o excelente para
os nazistas e comunistas, é péssimo para os liberais. O problema, no entanto, é
mais complexo do que diziam os teóricos do comunismo, do fascismo, do
liberalismo.
Na República
e, sobretudo, na Carta VIIa, Platão define que o correto governante,
especialmente se o país é tirânico, deve restaurar a constituição, trocar o
absolutismo do poderoso pelo governo das leis. Carta VIIa, 334 c-d “Nem
a Sicilia, nem outro Estado qualquer, tal é minha doutrina, deve ser escrava de
homens despóticos, mas das leis; porque tal escravidão não é boa para quem
escraviza e para quem é escravizado”—μὴ δουλοῦσθαι Σικελίαν ὑπ᾽ ἀνθρώποις δεσπόταις, μηδὲ ἄλλην πόλιν, ὅ γ᾽ ἐμὸς λόγος, ἀλλ᾽ ὑπὸ νόμοις: οὔτε γὰρ τοῖς δουλουμένοις οὔτε τοῖς δουλωθεῖσιν ἄμεινον), 336 a-b : Se o tirano Dionísio fosse
de fato um discipulo meu, diz Platão, “ele teria dado ao seu país as tinturas
das leis mais apropriadas”. Em vez disso, ele apenas deu ao seu povo a falta de
lei e de religião” ἀνομίᾳ καὶ ἀθεότητι 324, a-b : o povo de Siracusa deve ser livre,
obedecendo as leis (κατὰ νόμους).
A obediência à lei exige que os gestores da vida pública desempenhem seu mister com responsabilidade. Ninguém, sobretudo jovem, diz Platão nas Leis, “pode carregar um poder supremo e irresponsável, sem perder sua sabedoria e integridade”. (691 c). Enquanto as leis não forem soberanas e os gestores servos da lei, o poder público segue para a destruição. Todo juiz e funcionário deve responder por aquilo que faz, como funcionário ou juiz (761 e). Ninguém pode ser irresponsável (ἀνυπεύθυνος) na gestão da justiça e da coisa pública.
Aqui, Platão entra em choque com a ética imperante em Atenas, onde a administração da justiça é feita pela corte popular soberana, os dicastérios. Naquelas cortes tinham assento de 500 a 2 500 indivíduos, escolhidos por sorteio antes do julgamento. Tais pessoas eram anônimas no voto, mas susceptíveis da lisonja e artimanhas sofísticas, no ataque e na defesa. Nas Leis, Platão propõe o anonimato maior, tornando o membro da corte imune às lisonjas e pressões. (Leis, 876 b). Mas nas mesmas Leis ele mantem a corte popular, sobretudo por motivo de corrupção. É mais difícil subornar 500 juizes, especialmente se é desconhecida a composição da corte antes do julgamento. Assim, diz um comentarista moderno do direito grego, os tribunais democráticos de Atenas conseguia trazer à prestação de contas o rico e poderoso. Platão propõe o fim do juramento pelos integrantes da corte: “É uma coisa terrível” diz ele, “quando um processo segue na corte, que metade dos que nela se apresentam cometem perjúrio”(Leis, 948 e).
Platão, portanto, não ataca todos os princípios doutrinários e práticos da justiça democrática ateniense. Mas insiste no princípio da responsabilização e toca o ponto fraco daquele sistema. ([12])
Ele põe em questão a estrutura da justiça em Atenas. O seu projeto rejeita a forma oligárquica e democrática de julgar e inícia o sistema da pesagem das atribuições e competências, algo que fez fortuna até os nossos dias, passando por autores como Montesquieu. Platão inventa o “Estado misto” no qual opera a balança entre tendências opostas, algo apreciado inclusive por Locke. É de Platão a tese do necessário exercício de “checks and balances”. Não havia, na sua proposta um promotor público. Em Atenas ocorre apenas o embrião de tal atividade. Quando uma pessoa era injustiçada, devia tomar a iniciativa da ação legal contra o ofensor. O cidadão possuía o direito ( e o dever) de processar as ofensas contra o público.
Mas tal liberdade de processar trazia males terríveis na democracia ateniense. Um cidadão, em qualquer sociedade e em todo regime, não aprecia ser processado, mesmo que possa provar sua inocência. Mas o sistema legal de Atenas era com frequência erodido pela chantagem durante o processo. Platão procura remediar o abuso que pode ser feito por um tribunal que reúne centena ou milhar de juízes e sujeito à demagogia, à retórica, à sofística, à falta de codificação legislativa. ([13]) Um exemplo: quando Sócrates foi julgado, quase ninguém conseguiu ouvir a sua defesa, tamanho o alarido da assembléia. Seu prazo legal de defesa não foi o correto, além de outras graves irregularidades. Nas Leis, Platão propõe pesadas multas para casos de abusos e acusações não fundamentadas. (938b-c, 948 c). E o filósofo propõe instâncias superiores à Assembléia para acolher os apelos dos que se julgavam injustiçados pela corte soberana.
A partir de agora vou me deter num exemplo, para que fique clara a crítica do filósofo à justiça ateniense. Me refiro à lei da atimia. Na revista Diké, Robert Wallace analisa o problema da atimia no direito grego. Aquela figura é acolhida pelos tribunais de Atenas e apoiada pela sociedade inclusiva. Trata-se de grave restrição aos direitos civis dos acusados de crimes e delitos, hoje separados na ordem legal. ([14]) Wallace menciona, na coletânea de leis sobre a atimia, o comentário de Esquino com as cinco causas que podem gerar a perda dos direitos cidadãos. Esquino acusa Timarcos que supostamente “vivia coberto de vergonha [ou seja, como prostituto masculino] e a lei o proibe de falar ao povo”. Falar ao povo é o direito básico da ordem democrática ateniense. E falar ao povo nas eleições é vital para os candidatos. Se um deles, no entanto, recebia na campanha apoio popular maior do que o concedido aos concorrentes, logo surgia uma “denúncia”contra o infeliz. Os costumes eleitorais permanecem inalterados, de Atenas ao mundo e Brasil do século XXI. ([15])
A ordem legal citada por Esquino proclama que “Se algum ateniense prostituir sua pessoa, não será permitido o seu acesso ao cargo de um dos nove arcontes, nem o exercício do sacerdócio, nem a função de advogado (syndikos) para o povo, nenhuma magistratura, no país ou no estrangeiro, tanto os cargos preenchidos por sorteio ou eleição; ele não pode entrar nos debates nem se apresentar nos sacrifícios públicos; quando os cidadãos usarem guirlandas, ele não poderá fazer o mesmo; e não poderá ultrapassar os limites da Agora”. ([16]) As chantagens sobre os candidatos eram intensas, mormente em épocas de eleição. Voltarei ao ponto.
Detalhe a ser anotado com muita cautela : os processos, cujos fragmentos subsistiram até hoje, registram quem perdia assim os direitos mas não tinham culpa declarada pelos tribunais. Bastava a desconfiança para definir a pena. Daí a expressão de juristas modernos de que aquelas pessoas seriam “atimoi não declarados culpados”. Um autor, MacDowell, ([17]) diz que os acusados de prostituição masculina deviam “evitar o exercício dos direitos cidadãos se tidos como atimoi, pois eles seriam processados caso ignorassem tal determinação. A pena era a morte. A dokimasia, exame para ingresso e saída dos cargos públicos, define que “a atimia (perda dos direitos) pode caber como pena aos acusados de prostituição, mas só para os políticos, não para os cidadãos privados”, afirma S.C. Todd ([18])
O atenuante do vocábulo “só” não tranquiliza ninguém, porque o grego democrático respira políticamente. As penas de atimia eram aplicadas, em casos diferentes aos da prostituição, a magistrados que, sem deixar o cargo, não pagavam os seus débitos aos tribunais e à Assembléia. Também os cidadãos que, chamados para integrar o exército, não compareciam, eram submetidos à plena atimia.
O que eram as timai que ordenavam o termo negativo, atimia? Eram as honras públicas que permitiam acesso aos cargos, aos tribunais, ao povo reunido em asssembléia. Atimia era imposta aos covardes na guerra, aos que não protegiam seus familiares, sobretudo menores, aos devedores do erário oficial. Atimia pode ser hereditária. A maior ou menor abrangência da perda dos direitos era decidida caso a caso. Autores indicam que no cotidiano certas penas de atimia eram quase ignoradas pela população, como nos débitos de cidadãos privados para com o erário público. E temos também o caso dos promotores públicos que, se não conseguissem convencer pelo menos um quinto dos juízes e jurados, ou eram proibidos de tratar novamente de causas públicas ou multados pesadamente.
Agora a questão subjacente às críticas de Platão contra a prática jurisdicional ateniense: em casos de atimia, condenação sem julgamento ou de ostracismo, quem se responsabiliza? Quando se fala em democracia grega é preciso cautela. A referida forma de poder não apresenta as determinações definidas hoje na semântica e prática política ou jurídica. No caso da atimia, a permanência no coletivo cidadão era restrita e, não raro, dependia das lutas e acusações feitas por adversários, sem garantias dos direitos. Platão, com razão, nota fraturas gravíssimas na ordem democrática. Também Tucídides mostra, com lógica férrea, que a democracia na Grécia seguiu o caminho perigoso da ambição imperial para satisfazer a fome de mando e riquezas dos cidadãos eleitos. As Vespas de Aristófanes mostram o quanto a própria justiça se transforma, na democracia helênica, em assalto aos cofres públicos e aos cargos em troca de salários, posição social e política. Não erra muito quem afirma da ordem democrática grega, que nela o efetivo era um clube de homens, proprietários, xenófobos e imperialistas arrogantes.([19])
O acesso ao sistema legal ateniense, bem como em outras áreas da vida política, comenta um especialista em direito e história jurídica da Grécia, eram prerrogativas dos cidadãos. Note-se que mesmo o termo “as atenienses” não existia, mas apenas “os atenienses” (oi Athenaioi). Para ser cidadão, era preciso antes de 451 AC, ter pai ateniense e mãe livre. Depois, a qualificação se tornou mais exigente, sendo necessário que pai e mãe tivessem nascido gregos. Só os homens poderiam ter cargos públicos, participar da Assembléia, servir como juízes, advogados ou testemunhas. Nos inquérito sobre homicídios, as mulheres poderiam comparecer mas pouca documentação sobre o item pode ser citada. Para toda ação legal, ela era representada por um adulto homem, o seu Kyrios (guardião, mas com tradução melhor como Senhor) que poderia ser o pai, antes do casamento, ou marido. Se acusada judicialmente, o processo seguia contra ela e seu Kyrios. Evidências eram trazidas ao tribunal pelo marido. Pode-se aquilatar o que significa a atimia entre os gregos. Trata-se de perder a condição de homem, de Kyrios. Os atimoi não têm honra, pois a honra era uma propriedade dos homens. Os atimoi não tinham proteção segura para a sua vida e bens. ([20])
Analisemos a semântica da palavra atimia,
que joga indivíduos masculinos para fora da lei e do gênero que a natureza lhes
deu. Timós, nas significações
arcaicas, conota pensamentos e emoções,
ambos regulados pelo diafragma, entendido como “freio” do corpo e das ações.([21])
O timós equivale ao logos, a razão
que tudo controla e freia. Assim, o homem que possui um timós não corrompido apresenta coragem e controle racional da coragem, o que é próprio
do logos. O preceito da parresia, a palavra livre do cidadão na
Assembléia, exige que o indivíduo não seja impedido de falar pela vergonha,
pelas paixões, pela chantagem ou pela falta de vergonha. A ninguém é lícito
alegar a própria torpeza. Se vende seu corpo, o indivíduo aliena a coragem, a
razão, a vergonha, a honra. Ele não pode ser partícipe de nenhum direito,
porque o direito é palavra utilizada publicamente e em particular, sem
impedimentos. Temos a chave para entender a pena de atimia. Negociar o corpo e assumir o papel passivo é para o adulto
ateniense passar para o lado feminino sem ter útero. Se a mulher é “macho
infértil” segundo Aristóteles, o macho que assume o papel da mulher, numa
compra e venda do corpo, não consegue substituir o corpo feminino na geração de
filhos. Se a mulher é ser humano imperfeito, ou ainda segundo os aristotélicos,
um monstro, ([22])
o homem prostituido nega em si mesmo a sua própria natureza. Eis a origem da
tese, defendida em debate público para as eleições presidenciais de agora, por
um candidato conservador brasileiro.
É certo que os gregos tinham consciência das ambiguidades e conflitos entre leis e costumes, e de que as primeiras variavam de uma cidade Estado a outra. Platão, no Simpósio, põe na fala de Pausanias a sentença de que em Atenas as leis e costumes ligados a problemas coletivos como a homossexualidade são poikilos (multicoloridos, intrincados, com muitas saídas), pois naquela cidade ao mesmo tempo eram censurados e aprovados, segundo a oportunidade, os fatos daquele campo ético e jurídico. Poikilia é noção usada na República platônica para descrédito do regime democrático. Naquela constituição política, diz o filósofo, a mais bela de todas, as opiniões jurídicas são multicoloridas, não fazem unidade alguma. Tal constituição é comparada por ele às vestimentas dos atores que, ao entrar na cidade, atraem as crianças e as mulheres com seus mantos de retalhos bordados em matizes berrantes. ([23]) O regime proposto na República e nas Leis afasta-se desse carnaval opinativo, foge do gosto estético e político do povo, das mulheres e crianças. A poikilia agrada aos olhos, mas afasta o pensamento da justiça e da verdade. Do regime democrático, com semelhante festa sensual sem freios, o resultado só poderia ser a violência tirânica. Assim, quando o Pausanias de Platão diz que as leis atenienses sobre a homossexualidade pertencem ao campo da poikilia, ele afirma que os cidadãos e governantes de Atenas não conseguiram estabelecer leis e costumes racionais, escrevem leis não unitárias em termos de condenação ou consentimento de todos os assuntos, incluindo a homossexualidade.
As leis atenienses reguladoras do homoerotismo podem ser agrupadas em três categorias : leis sobre a prostituição, leis sobre a educação e as provisões sobre atentados sexuais. ([24]) O cidadão era posto na atimia se tivesse vendido o corpo para o prazer sexual de um homem, o vendedor poderia estar na idade adulta ou na infância. Se o garoto era alugado pelo genitor, irmão, parentes ou qualquer responsável legal por ele, tais pessoas respondiam a processo penal. Na educação: leis detalhadas protegiam os estudantes do assédio adulto. As escolas não poderiam abrir suas portas antes da luz solar ou depois do entardecer. A terceira lei liga-se à Hybris (insulto, ultraje, abuso). Costuma-se traduzir hybris por desmesura. Esta é uma das suas significações, quando se trata da arrogância do rico e poderoso contra o pobre e fraco. Mas hybris pode ser aplicada aos que abusam do mais fraco (mulher, criança, estrangeiro, escravo) para seu prazer e autoindulgência. É o caso do abuso do homem adulto contra um menino. Importa recordar, dizem os comentadores, que os nomes ligados à hybris e ao verbo hubrysein possuem forte conotação sexual. Segundo Aristóteles a hybris desonra e envergonha a vítima para o prazer ou gratificação do ofensor (Retórica 1378 b). É com base neste ponto que Esquino afirma, ao comentar a lei da atimia, que no caso da ofensa por hybris a desonra cai sobre a vítima, mesmo que ela não tenha consentido.
A lógica da atimia, portanto, é evitar a desonra dos jovens e futuros cidadãos atenienses geradores de familias, o que seria frustrado caso um indivíduo que se vendeu ou foi vendido por seus responsáveis penetrasse o círculo fechado da política. Daí as “denúncias”, não raro torpes, nas campanhas eleitorais. Como notamos, nada é novo sob o sol. Entende-se também o peso da acusação contra Sócrates, condenado a beber cicuta por impiedade (asebeia) e por corromper os jovens de Atenas. A pena de morte era destinada a quem se aproveitasse, por hybris, dos jovens escolares.
A honra masculina, como indica um comentador, seja na pessoa própria, seja na mulher ou filhos é “jogo de soma zero: o aumento da honra de um homem dá-se às expensas de outros”. A proibição da venda do corpo masculino tem implicações éticas relevantes, se notarmos que a honra na cultura grega é o correlato da noção de vergonha, pudor, Aidós. Assim como o guerreiro covarde não sente vergonha da fuga, abandona o seu dever de proteção aos familiares e demais membros da cidadania, também o homem (ou menino) que se entrega a um adulto masculino em troca de presentes e dinheiro perderia a vergonha como experiência ética fundamental. Assim sendo, a corrupção do prostituido, além de colocá-lo no falso papel de mulher, o que seria um ato duplamente contrário à natureza, faria desaparecer os laços de respeito entre pessoas e de respeito próprio. ([25])
Termino minha alocução. Os senhores notaram que os problemas apresentados giram ao redor de temas éticos candentes em nossa atualidade. No caso da atimia, se colocássemos alguns candidatos à presidência da república, adversários dos direitos homossexuais no centro da assembléia ateniense em dias de votação, ele certamente aprovaria a lei contra um candidato popular, favorito no Ibope ou Datafolha da época. E o descarte do candidato incômodo seria feito sem julgamento efetivo. Qual autoritarismo é mais duro, o de Platão ou o dos que julgavam certo banir pessoas sem os ritos da justiça, pelo ostracismo ou pela atimia? E que dizer dos direitos das mulheres, defendidos por Platão numa sociedade masculizante e…democrática? Num país como o nosso, onde a lei Maria da Penha não consegue impedir a violência de homens contra suas esposas e filhas, Platão é um autor a ser lido em termos éticos fundamentais.
Dei apenas um exemplo, o da atimia. Mas poderíamos passar horas mencionando falhas brutais na democracia ateniense, o nosso paradigma ético e jurídico. Não podemos esquecer a violência que se apresenta em todos os seres humanos, individuais ou coletivos e a necessidade do Estado como freio da tirania que opera nos péssimos comportamentos éticos irrefletidos de antigamente e de nossos dias. Se é verdade que a soberania das leis deve receber severa hermenêutica, ([26]) sobretudo na sociedade democrática, também é verdade que a democracia sem lei ruma para a sua antítese, a tirania.
Num país que sofreu sob duas tiranias no século XX, não podemos olvidar as advertências platônicas sobre as nossas falhas éticas, que resultam em governos despóticos sob a capa da popularidade. Finalizo de vez. No diálogo Górgias (522 a) Platão critica a demagogia, a retórica eleitoral e forense de Atenas. Sócrates apresenta a si mesmo (e a alguns outros atenienses) como “o único dos homens afeito aos assuntos do Estado Quando eu falo, as palavras que pronuncio se destinam a ao que mais vale, não ao que mais agrada”. Como exemplo, ele figura um médico e um cozinheiro que discursam para juízes infantis. O médico, o próprio Sócrates, é acusado pelo cozinheiro de aplicar aos infantes disciplina, regime, duros exercícios e muitos sacrifícios. Ele, cozinheiro, deixa que todos se refestelem com bebidas e comidas, ninguém precisa fazer regime nem exercícios. Sócrates interroga sobre a sorte do médico. A resposta, todos nós a conhecemos, de Atenas aos nossos dias. E tal é a crônica complicada da Constituição democrática e da ética que ele implica. Obrigado.
[1] Katástasis: constitutio,
institutum (in magistratibus creandis, pos. est vern. Einsetzung. Cf. F. Astius, Lexicon platonicum, sivre vocum platonicarum
index, (Lipsiae, 1836), Volume II, p. 162. Dicionário Grego de Liddell & Scott (Oxford University
Press, 1982) p. 361 : Katástasis: estabelecimento de uma instituição; de uma
condição fixa; de uma condição estatal; da natureza de uma coisa; da constituição de um Estado. Existem autores que enxergam no termo o
significado de “ocasional”, como o faz Lain Intralgo. Para ele, “Os herdeiros latinos da medicina hipocrática traduzirão a palavra
katástasis por constitutio
e, especificando mais, por constitutio
epidemica: a peculiar índole
climática, meteorológica e clínica de um país determinado durante determinada
estação do ano”. . (http://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/la-medicina-hipocratica/html/eb4cdfa6-c5c0-11e1-b1fb-00163ebf5e63_2.html). O elemento essencial é a união entre condições naturais
de existência e forma do Estado, a sua constituição.
[2] Para
uma edição clássica dos Fragmentos de Empédocles, Cf. Diels and Kranz, Die Fragmente der Vorsokratiker (Zurich,
Weidmann Ed. 1964). Outra edição interessante é a de William Ellery Leonard
(Open Court Pub. & Co. 1908).
[3] No Brasil, a professora Maria Sylvia Carvalho Franco pesquisa tais
aspectos do pensamento platônico. Dela retiro as teses acima. Naturalmente, os
equívocos hermenêuticos sobre seu trabalho refinado, correm por minha conta
[4] Para a análise
das técnicas ideadas por Platão para convencer a cidadania sobre o respeito da
lei, cf. Yvon Brès: La psychologie de
Platon (Paris, PUF, 1973), pp. 341 e ss.
[5] Roberto Romano: “Democracia e Direito Natural-
Spinoza”in Foglio Spinoziano (Itália), http://www.fogliospinoziano.it/democracia_silva.pdf
[6] O intróito do livro é
eloquente para o nosso tema: “Justino (…) fala de Licurgo, legisldor da
Lacedemonia, que ele deu leis aos espartanos; ele foi renomado por sua
diligente observação das mesmas leis (…) se fez leis para os outros, ele não se
recusou a obedecê-las. Moldando o povo para obedecer voluntariamente, e o
principe para governar retamente”. Vindiciae
contra tyrannos (trad. Inglêsa de 1689),
Defence of liberty against Tyrants, or, of the lawful power of the prince over
the people, and of the people over the prince (London, Richard Baldwin,
1689).
[7] Roberto Romano : “Tiranicídio” in http://filosofiaunicamp.blogspot.com.br/
[8] Cf. François Hotman, FrancoGallia (Cambridge, University Press, 1972).
[9] Roland Mousnier : L’assassinat
d’Henry IV (Paris, Gallimard, 1964).
[10] Karl Popper : The
open society and its enemies (1 Plato) in (New Jersey, Princeton University
Press, 1966). Todo o primeiro volume da obra se dedica à crítica de Platão, o
próprio subtítulo indica o tom beligerante de Popper “The spell of Plato”.
[11] A divisão entre povo e
técnicos de governo fundamenta a doutrina milenar da raison d’État, tão relevante nos séculos XVII e XVIII e ainda
estratégica em nossos dias. Um dos autores que moldaram a referida doutrina é
Platão na República. Não tenho condições, aqui, de analisar a vexata questio da “nobre mentira”posta
na República (livro II e III).
Importa dizer que a mentira é um remédio (hos pharmakon chresimon) que só pode ser usada para o bem do Estado e
deve ser proibída aos particulares. Cf. Miguell Catalán, “Genealogia de la
noble mentira”in Revista Accueil,
número 4.
Cf. Roberto
Romano “Mentira e Razão de Estado” Aula proferida na Escola Superior da
Procuradoria de São Paulo. In filosofiaunicamp.blogspot.com.br e Roberto
Romano: palestra no Seminário Fronteiras do Pensamento, in
silncioerudoasatiraemdenisdiderot.blogspot.com.br ( a edição impressa do livro,
com o título Retratos de um mundo
complexo, ed. Unisinos, está indisponível no momento).
Geraldo Alves Teixeira Junior defendeu, sob
minha orientação, um doutorado na Unicamp sobre a razão de Estado no mundo
atual, sobretudo nos EUA sob a Lei Patriótica, grave ruptura no Estado de
direito naquela federação. Cf. Razão de
Estado e política antiterrorismo nos Estados Unidos. O texto completo pode
ser lido gratuitamente na edição eletrônica da Biblioteca Digital da Unicamp
(bibliotecadigital.unicamp.br) Outra tese relevante sobre o problema do poder e
da participação popular, foi defendida sob minha orientação na Unicamp :
Fernando Bianchini, Democracia
Representativa (SP, Ed. Millenium, 2014).
[12] Analiso tal ponto, com mais detalhes em meu artigo
“Sobre o princípio de reponsabilidade”in José Renato Nalini (org.) Magistratura e Ética (SP, Ed. Contexto,
2013), pp. 126 e ss.
[13] Cf. Victoria Wohl : Law’s cosmos, juridical discourse in
Athenian Forensic Oratory
(Cambridge University Press, 2010), p. 288.
[14] “Unconvicted
or potential atimoi in Ancient
Athens”, pp. 63-78. Além do artigo escrito por Wallace, toda a revista merece
acurado exame e reflexão. Cf. Eva Cantarella (ed.), Dike. Rivista di storia del diritto Greco ed ellenistico, vol.
I-IV. (Milano,Edizioni Universitarie di Lettere Economia Diritto, 1998-2001).
[15] Para os Estados
Unidos, pátria dos “spin doctors” que ajudam a vencer eleições sem pudor e
recato, com uso de problemas intimos para chantagear candidatos afastando-os da
liça política, cf. Joe Klein, Politics
Lost, from RFK to now, how politicians have become less courageous and more
interested in keeping power than in doing what’s right for America (New
York, Broadway Books, 2006).
[16] O
texto encontra-se, com pequenas diferenças de tradução, em Arnaoutoglou, Ilias:
Leis da Grécia Antiga (São Paulo, Ed.
Odysseus, 2003), p. 76.
[17] Cf.
Douglas M. MacDowell: The Law in
Classical Athens (Ithaca, Cornell University Press, 1978).
[18] The Shape of Athenian Law (Oxford, University Press, 1993) pp.
107-116.
[19] Em A guerra do Peloponeso, livro IV, 84 e seguintes, Tucídides mostra
toda a arrogância imperial dos atenienses contra os habitantes de Melos, cujo
povo resistiu à rendição às tropas democráticas. “Não diremos belas palavras,
não diremos que nosso domínio é justo (…) de sua parte não digam que recusaram
o nosso lado porque são colonos de Esparta ou porque lhes fizemos algum la (…)
Sempre que uns possuem mais força e podem usá-la como puderem, os mais fracos
arruman-se nestas condições como podem”.
Tais assertivas serviram como preliminar à invasão ateniense, o
assassinato de todos os homens, incuindo adolescentes, a escravização de todas
as mulheres e crianças. Em troca, os democráticos atenienses deixaram na terra
500 colonos para povoar a terra arrasada. Friedrich Mainecke, autor do ainda
hoje estratégico,
localiza naquele evento a gênese da racionalidade estatal, uso da força e da
mentira como instrumentos bélicos e de governo. Cf. Meinecke, Friedrich: Die Idee der Staatsräson in der
Neueren Geschichte (Berlin, Druck und Verlag von R. Oldenbourg, 1924
[20] Cf.
Christopher Carey: Trials from Classical
Athens (London/New York, Routledge, 1997), pp. 8,187 e 202, com a citação
de Demóstenes, que acusa Neaira.
[21] Cf.
Richard Broxton Onians : The Origins of
European Thought. about the Body, the mind, the soul, the world, time and fate.
New interpretations of Greek, Roman and
kindred evidence also of some basic Jewish and Christian beliefs.
(Cambridge, University Press, 1954).
[22] Cf. Roberto Romano, Moral e Ciência, a monstruosidade no século XVIII (SP, Sesc Ed.
2002); também Roberto Romano : “Pensamento e Monstruosidade”, in Revista USP número 50, junho/agosto,
2001, pp.210 e ss.
[23] “Esta
é a mais bela das constituições; como um agasalho de muitas cores, bordado com
muitas cores, assim ela, aparecerá como a mais bela, como uma confusão
colorida. É seguramente provável que, a semelhança das crianças e mulheres
quando olham objetos multicoloridos, este regime será considerado por muitos
como o mais belo de todos” [..kallistê
hautê tôn politeiôn einai: hôsper himation poikilon pasin anthesi
pepoikilmenon, houtô kai hautê pasin êthesin pepoikilmenê kallistê an
phainoito. kai isôs men, ên d' egô, kai tautên, hôsper hoi paides te kai hai
gunaikes ta poikila theômenoi, kallistên an polloi krineian]. República, VIII, 556 e. Segundo o Dicionário de G. Liddlel & R. Scott,
“poikilos” significa “many-coloured, spotted, mottled, pied, dappled”.
[24] Cf.
David Cohen : Law, sexuality and society, the enforcement of morals in
classical Athens (Cambridge, University Press, 1994), pp. 175 e ss.
[25] Cf.
Douglas L. Cairns: Aidós The Psychology
and Ethics of Honour and Shame in Ancient Greek Literature (Clarendon
Press, 1993).
[26] Cf. Romano, Roberto : Zetética e Dogmática, uma visão filosófica, em http://silncioerudoasatiraemdenisdiderot.blogspot.com.br/2011/06/uma-palestra-filosofica-e-politica.html