domingo, 12 de outubro de 2014

Zero Hora, 11/10/2104

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Uma guinada à direita

O que ganha força e o que se enfraquece com a formação de um Congresso mais conservador

O perfil dos novos parlamentares é antes contra do que a favor em temas como a descriminalização do aborto, a legalização das drogas e o combate à homofobia

11/10/2014 | 13h01
O que ganha força e o que se enfraquece com a formação de um Congresso mais conservador Rodolfo Stuckert/Agência Câmara
Foto: Rodolfo Stuckert / Agência Câmara
 
Seja qual for o resultado das eleições majoritárias em segundo turno no próximo dia 26, uma coisa já está bem delineada com os resultados divulgados no último dia 5: independentemente da orientação ideológica do ocupante do Executivo, o Brasil montou um parlamento de perfil mais conservador, o que vai ter reflexos importantes na condução de pautas em tramitação no Congresso.

Há muita novidade no Legislativo nacional. Dos 27 senadores eleitos para renovar um terço do Senado, apenas cinco já exerciam mandato e foram reeleitos. Os outros são novos. A Câmara sai das eleições renovada em 46,79%, de acordo com os dados do Departamento Intersindical da Assessoria Parlamentar (Diap).

Isso representa a troca de mais de um terço dos deputados, mas, quantitativamente, não chega a ser surpreendente — desde 1998, o índice de renovação da Câmara oscila na faixa dos 40%. É na análise qualitativa que ficam claras as mudanças pelas quais o parlamento deve passar na próxima legislatura.
— A votação do último dia 5 retratou uma tendência conservadora que é a da própria sociedade brasileira. No Brasil, determinados assuntos, principalmente da esfera do comportamento, não são muito discutidos porque há uma tendência a apagar o debate e fazer valer o que já está estabelecido. Tanto é assim que os três candidatos mais votados à Presidência fugiram o tempo todo de debates mais polêmicos, ou se firmando na Constituição ou na lei vigente, mas não queriam se posicionar radicalmente — analisa o doutor em educação Hamilton Werneck.

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De fato, pela feição do novo Congresso, consagraram-se nas urnas os candidatos à direita da maioria das pautas comportamentais mais discutidas durante os debates eleitorais para a Presidência. O perfil dos novos parlamentares é antes contra do que a favor em temas como a descriminalização do aborto, a legalização das drogas e o combate à homofobia. Pelo contrário, setores historicamente identificados por combater tais propostas, como a bancada evangélica ou os deputados ligados à segurança pública, tiveram seus avanços. A maioria silenciosa, posta diante de temas que pretendiam mudanças na configuração social e familiar, parece ter se organizado para levar ao parlamento os que prometiam manter as coisas como estão ou até mesmo retornar a tempos menos liberais. Entender como se deu esse processo passa também por compreender a natureza da formação do país. 

— Somos um país, no fundo, formado por uma cultura judaico-cristã ocidental com vários conceitos que a acompanham. Um deles é o patriarcalismo. No caso, por exemplo, da homoafetividade, todo esse grupo considera o aspecto da masculinidade e da feminilidade pela biologia, pela genitália, não é a teoria de gênero que define os papéis. Então, algumas propostas como a adoção de crianças por homossexuais vão contra essas raízes fundadas na cultura religiosa do país — diz Hamilton Werneck.

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Para surpresa de muitos, a guinada eleitoral conservadora se dá em um momento em que ainda repercutem as manifestações de junho de 2013. Porém, um dos elementos que mais atraíram adeptos para os protestos do ano passado foi o seu caráter aparentemente apartidário. É, portanto, compreensível que o caráter múltiplo e mesmo anárquico das jornadas não tenha produzido uma proposta com representação no novo parlamento. Com seu espírito abertamente contrário a partidos e agremiações da política institucional, as manifestações parecem ter repercutido nas urnas não em um nome, mas em nome algum. 

Além de um índice alto de abstenção de cerca de 20% dos eleitores (cerca de 27,6 milhões de pessoas), que pode também ser atribuído à desatualização de muitos cadastros eleitorais, o número de votos brancos e nulos chegou a 9,64%, o equivalente a 11,09 milhões de votos. Um índice três vezes maior do que a soma de todos os votos obtidos do quarto lugar para baixo na eleição presidencial. Sim, é isso: de Luciana Genro, a mais bem votada das candidaturas presidenciais menores, com 1,6 milhão de votos, até Rui Costa Pimenta, último colocado, com pouco mais de 12 mil votos, as candidaturas minoritárias somaram 3,2% do eleitorado — mostrando que a insatisfação política nas ruas não encontrou, ou talvez nem estivesse procurando, representação nas urnas.

— Um índice de votos igual ao que tivemos de nulos e brancos decide qualquer eleição em qualquer país do mundo. É um sintoma de um divórcio do eleitorado das instituições parlamentares, algo que já vinha se insinuando mas que está claro nesta eleição. Os movimentos democráticos e os partidos políticos deveriam pensar mais nessa situação, porque um país que teve duas ditaduras no século 20, ainda recentes na memória e nas instituições, e que tem desconfiança das instituições eleitorais, terá um eleitorado apto a ser capturado por um salvador. Se você soma isso à quantidade exponencial do aumento de movimentos de direita no Brasil, está explicada a votação de algumas figuras eleitas neste pleito — observa Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia na Unicamp e doutor em Filosofia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris. 

Outro motivo da reação das urnas apontar em direção oposta à sinalizada por boa parte das manifestações foi o próprio caráter informe e horizontal do movimento, com um grande número de temas e questões muitas vezes opostos entre si. Com a ausência e o voto nulo de parte da multidão, a pauta mais conservadora de outra parcela que foi às ruas com a ampliação das manifestações ganhou espaço. As próprias contradições das forças em disputa podem ser apontadas como elementos para explicar o que houve.

— Os movimentos não tiveram uma pedagogia, não conseguiram passar, no fim, a ideia de que o movimento era de todos. Foi um movimento de jovens contestadores que não tiveram a capacidade de agregar outros setores sociais, outras faixas etárias, até. Ganhou corpo nas manifestações, inadvertidamente, um discurso que tem sido também o dos partidos de direita, a fuga da ideologia e do partidarismo. Isso, e o efeito negativo da violência dos black blocs nas manifestações, foram determinantes para que parte do eleitorado se afastasse das discussões — diz Jorge Barcellos, doutor em educação e pesquisador da Seção de Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre.

Não é difícil prever que, com o novo Congresso, a discussão de temas ainda em tramitação na casa deve mudar de tom. A nova nominata do parlamento nacional inclui um número maior de legisladores ligados a igrejas evangélicas, às instituições de segurança, ao setor agrário. A chamada "bancada empresarial" na Câmara, ou seja a que tem deputados cujos rendimentos advém de empresas de sua propriedade, diminuiu, passando de 246 para 190. Por outro lado, os parlamentares nominalmente ligados às lutas sindicais também serão em menor número, de 83 para 40, de acordo com o Diap.

Mais do que uma óbvia mudança de orientação política na pauta do Congresso, a eleição e seu resultado consolidam a ascensão de um novo tipo de parlamentar, menos ligado a grandes temas institucionais e mais focado em interesses setoriais e classistas.

— O novo perfil de parlamentar não tem vínculos com a grande burguesia nacional, ou com a grande classe média urbana que vai de Recife a Porto Alegre. Outros setores que já tiveram peso também não estão mais tão representados no Congresso, como empresários, os ricos, a classe média intelectual mais tradicional: engenheiros, médicos, profissionais liberais. E os novos também não estão ligados a movimentos sociais ou da classe trabalhista. É uma configuração diferente, mas que, pela forma como apresentam suas propostas, não representam necessariamente uma melhoria no que toca à diversidade de opiniões — define Roberto Romano.

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Quais pautas ganham força e quais se enfraquecem na nova configuração do parlamento:
Avançam
Diminuição da maioridade penal
De acordo com o levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o número de policiais e militares eleitos para o Congresso aumentou em 30% — o grande porta-voz do bloco é o militar da reserva Jair Bolsonaro (PP-RJ), candidato mais votado à Câmara no Rio. Isso significa que pautas ligadas à área da segurança pública devem ganhar relevância nas próximas discussões do parlamento, especialmente aquelas que propõem alternativas mais repressivas à violência urbana.
Aplicação da Lei da Anistia
O mesmo grupo de parlamentares ligado à segurança defende a retração das investigações aos crimes cometidos pelos agentes da Ditadura Militar entre 1964 e 1984 — muitas vezes sob o argumento consensual entre determinados setores conservadores de que uma investigação deveria "abarcar os dois lados". Com a nova composição do congresso a partir de 2015, é improvável que passe alguma legislação que altere os termos da "anistia ampla, geral e irrestrita" que serviu tanto para os considerados subversivos quanto para os agentes do regime.
Alterações na Lei do Trabalho Escravo
A bancada ruralista também cresceu, e deve passar de 60 para 70 na Câmara. Uma das bandeiras desse grupo é a alteração do texto que define, no artigo 149 do Código Penal, o conceito de "trabalho escravo" como "trabalhos forçados ou jornada exaustiva" de pessoas sob "condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador". De acordo com os dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o setor ruralista lidera a relação dos empregadores enquadrados na categoria. Os ruralistas argumentam que a definição da lei é defasada, muito vaga, e não contempla variações complexas. Mudar o texto está entre as prioridades da bancada agrária.
Recuam
Questões LGBT
Foram 80 os deputados evangélicos que se elegeram no último dia 5. É o maior numero já registrado na Câmara e representa um aumento em comparação com os 73 eleitos em 2010. Nem todos os evangélicos, porém, se elegeram com uma campanha assumidamente vinculada às pautas da fé, como Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Benedita da Silva (PT-RJ). Uma das bandeiras declaradas da Bancada Evangélica é a manutenção do conceito de família presente na Constituição (e restrito à união entre homem e mulher). Na nova configuração, na qual a bancada ligada à segurança também se alinha ao grupo evangélico em questões comportamentais, perdem espaço a equiparação de direitos civis aos casais homossexuais, a possibilidade de adoção de crianças por casais do mesmo sexo e a criminalização da homofobia expressa no PL 122, que ainda tramita no Congresso.
Descriminalização do aborto
O crescimento da bancada evangélica também tem impacto nas discussões relativas ao aborto. A manutenção dos parâmetros da atual legislação — e até mesmo a proibição pura e simples do aborto, em qualquer caso —, é uma bandeira comum da maioria das denominações evangélicas com representação parlamentar. Por outro ângulo, embora a bancada feminina tenha aumentado em 10% na Câmara dos Deputados, com a eleição de 51 deputadas, cinco a mais do que em 2010, não há um "bloco feminino" com um consenso entre questões chave para as lutas feministas. Pelo contrário, entre as eleitas há nomes como o de Christiane Yared (PTN-PR), pastora evangélica e deputada mais votada do Paraná, e Clarissa Garotinho (PR-RJ), evangélica, filha do ex-governador do Rio Anthony Garotinho.
Questões indígenas e ambientais
Com o aumento da bancada ruralista, a dicotomia "agronegócio x preservação" pende para o primeiro elemento. Ao longo da atual legislatura, a bancada ruralista conseguiu fazer valer seus pontos de vista em temas como o do novo Código Florestal, flexibilizado por pressão dos representantes do setor agrário. Para a nova legislatura, a Frente Parlamentar da Agropecuária já se manifestou prometendo papel ativo na fiscalização das demarcações de reservas indígenas e no reconhecimento de áreas de quilombos — e, se possível, na limitação de seu número. O deputado mais votado do Rio Grande do Sul, Luiz Carlos Heinze (PP-RS), aquele do comentário "índio, quilombola, tudo que não presta" é um dos mais atuantes do grupo.