Política
17/10/2014 - 18h35
Candidatos ignoram ética e deixam eleitor sem debates construtivos
Disseminação de ofensas e factoides
ofusca discussão sobre planos de governo, numa "guerrilha digital" que
contamina partidários. Com liminar dada nesta semana, TSE abre brecha
para que campanhas sejam mais propositivas.
Os comentários de partidários de PT e PSDB nas redes sociais têm sido marcados por ofensas e troca de acusações, num reflexo, segundo especialistas, da postura que os próprios candidatos vêm demonstrando nos debates e da tendência de esvaziamento da discussão dos projetos de governo.
Diante de cerca de 40 milhões de eleitores com idade entre 16 e 28
anos, que se informam majoritariamente pelo meio digital, segundo
apontam pesquisas de agências especializadas, as campanhas têm reforçado
pela internet a propaganda dos meios tradicionais do rádio e da
televisão e os argumentos apresentados pelos presidenciáveis nos
debates.
Minutos depois de Dilma Rousseff fazer uma pergunta sobre a Lei Seca
a Aécio Neves no debate de quinta-feira (17/10), a página do PT no
Facebook compartilhou uma reportagem que relata que o tucano foi parado
por uma blitz e teve a carteira de habilitação apreendida. O post traz a
hashtag #RespondeAécio.
Já a página do candidato do PSDB se concentrou em reproduzir
perguntas feitas por ele à petista, como as denúncias sobre corrupção na
Petrobras e a nomeação de Igor Rousseff, irmão da presidente, ao
gabinete do ex-prefeito e agora governador de Minas Gerais, Fernando
Pimentel, em 2003.
"Essa violência que não é estranha à sociedade brasileira, mas está
no seu cerne e faz parte da vida cotidiana, se transfere para as redes
sociais", diz Roberto Romano, professor de Ética da Unicamp. "O mais
lamentável nessa campanha é que ela veio acentuar essa violência
desregrada, sem nenhuma perspectiva programática. Entre os candidatos,
não vemos a apresentação dos programas de governo. Há apenas slogans
repetidos, palavrórios e xingamentos."
Para a advogada Patricia Peck Pinheiro, especialista em Direito
Digital, o maior prejudicado em meio às acusações entre os candidatos à
Presidência nas redes sociais é o eleitor.
"Infelizmente, no Brasil, ainda prevalece a guerrilha digital. A
liberdade de expressão se confunde com direito de ofender. Isso é
negativo para a democracia, pois confunde o eleitor e não agrega
conhecimentos relevantes sobre projetos e propostas de governo", avalia.
Precedente
Horas antes do debate de quinta-feira, o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) concedeu uma liminar ao tucano Aécio Neves para que trechos de
uma propaganda eleitoral do PT veiculada em rádio sejam suspensos. Na
peça, o ex-governador de Minas Gerais é associado à ditadura.
Os ministros do TSE entenderam que a decisão abre um precedente para
que as propagandas eleitorais sejam mais "programáticas" e
"propositivas". "A Justiça Eleitoral tem que adotar uma postura de como
vai admitir que esse jogo seja jogado", declarou o ministro Luiz Fux.
O especialista em Direito Eleitoral e Constitucional Erick Wilson
Pereira, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), assinala que na campanha do segundo turno se trabalha a
desconstrução da imagem do adversário, ao contrário do primeiro turno,
em que o tom é mais propositivo.
"Nesse sentido, se busca mostrar o aspectos negativos do oponente e,
às vezes, isso transborda o raio da legalidade e da razoabilidade",
afirma.
"O eleitor precisa de informação, isso é um direito constitucional. Por isso, a Justiça Eleitoral não pode permitir que as campanhas modifiquem os fatos", argumenta. "Além disso, a propaganda não é gratuita. Ela é paga pelo contribuinte com os benefícios e compensações fiscais que as emissoras têm."
O advogado considera que, nestas eleições, a Justiça Eleitoral se posiciona de uma forma mais contundente. Em pleitos anteriores, processos que se referiam a mandatos de governador, senador e presidente da República geravam uma timidez devido ao peso dos cargos.
"Hoje, a Justiça Eleitoral tem cassado mandatos e aplicado multas para gerar um efeito educativo nos cidadãos e nos políticos", avalia.
Já Romano é cético quanto ao novo posicionamento do TSE. "Existe uma pressão insuportável dos poderes sobre o Judiciário, que não desgosta de privilégios. É muito difícil conseguir que a corte aja de uma maneira imparcial, objetiva e prudente", diz o professor da Unicamp.
Minirreforma
Neste ano, a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei da minirreforma eleitoral. O texto prevê alterações de prazos e estabelece maiores restrições para evitar a propaganda eleitoral irregular.
No âmbito das redes sociais, é permitido a candidatos e filiados partidários se manifestarem em grupos de discussão na internet, sem que isso seja considerado propaganda eleitoral antecipada. A nova legislação, no entanto, só vale para as eleições municipais, em 2016.
Para a advogada Patrícia Peck Pinheiro, a minirreforma eleitoral não será suficiente para promover o controle sobre manifestações políticas na internet. A especialista defende que o TSE se empenhe na educação da cidadania digital e na regulamentação dos limites do que pode ou não ser feito nas mídias sociais.
"Uma cartilha de ética e cidadania digital já ajudaria muito, mas também é necessário falar sobre consequências a quem não cumpre as regras eleitorais. No Brasil, prevalece a crença da impunidade", diz.
Romano avalia que a nova lei se apresenta como um paliativo, não uma solução: "A Justiça Eleitoral ainda tem muito o que caminhar para assegurar eleições republicanas no Brasil, a começar por uma grande reforma na estrutura dos partidos, que são dominados por oligarquias."