por: Mariana Mazza
28/08/2014 11:31Manual da TIM para torturar clientes
Quando a Anatel decidiu
lançar o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de
Telecomunicações (RGC) duvido que imaginava o tamanho da resistência que
iria enfrentar. As empresas não tem mostrado nenhum pudor em contestar
item por item do documento, que pretende aumentar a qualidade do
atendimento ao consumidor. Não que seja surpresa para alguém que
companhias de grande porte não queiram facilitar a vida de seus
clientes. Mas isso normalmente é feito na surdina. Contestar na Justiça
direitos básicos que os consumidores deveriam ter garantidos há muito
tempo é sempre assustador.
Desde que essa nova batalha começou, tenho ponderado sobre a eficácia
desse regulamento. Não tenho dúvidas de que as regras são um avanço.
Mas sem uma ação efetiva da agência reguladora, fiscalizando o
cumprimento das exigências e incentivando uma mudança na cultura dos
Call Centers, temo que as medidas se tornem inócuas.
Uma reviravolta recente no processo trouxe à tona um chocante
documento que mostra como regras, sem fiscalização, não são o suficiente
para mudar as coisas. Na última semana, a Hoje Telecom decidiu se
retirar do rol de associados da Telcomp, uma das principais entidades
representativas do setor. É por meio da Telcomp que boa parte das
companhias telefônicas tem contestado a validade do RGC.
A Hoje Telecom, uma pequena empresa que há sete anos batalha para
ampliar a concorrência no mercado de telecomunicações, resolveu se
afastar da entidade por entender que as grandes companhias ali
representadas têm se esforçado em prejudicar o surgimento de novos
competidores. A empresa já vinha sentindo na pele a dificuldade de abrir
espaço no mercado de telefonia brasileiro e tem travado uma disputa com
suas rivais por conta das tarifas de interconexão. O que nem ela
esperava é que esta batalha a levaria a descobrir provas de que o jogo
para minar a concorrência e prejudicar os consumidores faz parte de uma
estratégia concreta, documentada e implementada não só no Brasil, mas
nas próprias matrizes das grandes operadoras.
A personagem das denúncias é a TIM. A Hoje Telecom teve acesso ao
processo movido na Justiça italiana sobre a controladora da rival no
Brasil, a Telecom Itália. E na papelada reunida pelos promotores
italianos encontrou uma verdadeira pérola do descaso das companhias com
seus clientes. Em um e-mail com data de 20 de março de 2009, o
presidente da TIM, Luca Luciani, orienta seus funcionários a dificultar
qualquer tentativa de cancelamento de linhas ou mudança para uma outra
operadora. O trecho inserido no processo italiano e, agora, apresentado à
Justiça brasileira é autoexplicativo.
"Então, deveremos agir nos comportamentos:
- Aumentaremos o nível de dificuldade do processo de cancelamento (ou
seja, "na unha”). Isto vale para linhas portadas e para cancelamentos
voluntários. Isto incluiu uma série de comportamento, tais como:
- declarar que estão incompletos os dados cadastrais / documentação para cancelamento.
- reduzir a transparência e informações (por exemplo, as mensagens
automáticas de voz não devem ser informativas, pois ao transferir a
ligação para o operador este não terá chance de defesa).
- exercer pressão no caso de faturas não pagas ou multa contratual (a
quantos efetivamente pedimos a retenção pela multa?). Vamos procurar
uma forma automática de inclusão nas listas negras de crédito."
Ou seja, Luciani orienta claramente seus funcionários a agir sem
escrúpulos para impedir que os clientes da TIM deixem a empresa,
inclusive sonegando informações. O contexto deste e-mail é atualização
da Lei do SAC (decreto 6.523/2008) que, entre outros avanços, visava
acabar com as horas de espera dos clientes nas linhas de atendimento. O
executivo ainda conta com o lançamento no Brasil de uma campanha para
incentivar os atendentes a serem mais severos com os clientes
insatisfeitos. "Na Itália, a premiação ´ganhe um Mini Cooper´ foi um
sucesso notável. Em curtíssimo prazo, a premiação atrai e focaliza a
atenção dos operadores." Pra quem acha que só o consumidor brasileiro
passa por essas coisas, está ai a prova de que há abuso nos outros
países também, embora isso não seja nenhum consolo.
O e-mail deixa claro que a TIM está disposta a assumir os riscos de
descumprir a lei para manter, como reféns, seus clientes. Ou como
escreveram os advogados da Hoje Telecom na ação apresentada na Justiça:
"Para quem acha que o atendimento é ruim porque a TIM é incompetente,
fica provado que ela é competente em ser ruim".
Mas não sejamos ingênuos. A TIM foi pega em flagrante, mas este
espírito de maltratar os clientes não pertence apenas a ela. Clientes de
todas as operadoras sofrem nos Call Centers. Tanto que a peça-chave do
RGC, lançado cinco anos após a Lei do SAC, ainda é garantir ao
consumidor o direito de cancelar sua linha sem ser molestado.
Além de escrever a regra no papel, a Anatel tem que fiscalizar
rigorosamente essas empresas se quiser de fato implementar mudanças. Os
clientes, por sua vez, devem denunciar na agência toda vez que sentirem
que estão sendo passados para trás nas centrais de atendimento. Quem
sabe, sob pressão, a agência reguladora aja com mais força. O e-mail da
TIM é uma amostra da cultura que se expandiu no setor de
telecomunicações, onde o importante é "prender" o cliente com
estratagemas e desinformação ao invés de garantir uma fidelização por
meio de um serviço de qualidade.