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Palestra do filósofo Roberto Romano abre semana temática da formação inicial de juízes
Fotos: Denis Simas
Por Ademar Lopes Junior
A Escola Judicial do TRT-15 abriu, na manhã desta segunda-feira, 20/10,
sob o tema "Presença dos Princípios Constitucionais – Caminho para Boas
Decisões", a 12ª Semana Temática da Formação Inicial dos Juízes do
Trabalho Substitutos, que se estende até sexta-feira, dia 24. Compuseram
a Mesa de Honra, além do diretor da Ejud, o desembargador Samuel Hugo
Lima, o presidente do Regional, desembargador Flavio Allegretti de
Campos Cooper, o presidente eleito da Corte para o biênio 2014/2016,
desembargador Lorival Ferreira dos Santos, e as juízas Alzeni Aparecida
de Oliveira Furlan e Teresa Cristina Pedrasi, respectivamente
representantes dos juízes titulares e dos substitutos no Conselho
Consultivo e de Programas da Escola.
O evento reuniu 54 juízes substitutos que se encontram em processo de
vitaliciamento, e contou com a presença, dentre outras autoridades, do
vice-presidente administrativo do TRT, desembargador Fernando da Silva
Borges, dos desembargadores Luiz Roberto Nunes e Maria Inês Corrêa de
Cerqueira César Targa, e dos juízes auxiliares da Vice-Presidência
Administrativa, Ricardo Regis Laraia, e da Vice-Corregedoria Regional,
Oséas Pereira Lopes Junior, além da diretora do Fórum Trabalhista de São
José dos Campos e titular da 3ª Vara do Trabalho, Antonia Sant'Ana.
O desembargador Samuel Hugo Lima ressaltou, nas boas-vindas aos alunos
magistrados, os expressivos investimentos feitos pelo Tribunal nos
últimos anos na Escola para capacitar ainda mais os novos juízes, e
lembrou que "o tema da 12ª Semana Temática reflete a preocupação de
formar juízes antenados".
O presidente Cooper, em seu breve discurso de boas-vindas, deu ênfase
ao "amor" que deve animar a todos no trabalho: "amor às varas em que se
trabalhou, se trabalha e ao Tribunal a que pertence". Cooper falou de
duas experiências pessoais, em Varas do Trabalho, quando ainda atuava
como substituto, em que aceitou enfrentar situações adversas que, depois
de solucionadas, trouxeram um "prazer especial". O presidente também
citou a "Ser 15", revista eletrônica do Tribunal, cuja proposta é a
valorização dos integrantes do TRT-15, e conclamou a todos para que
"sejam 15 e sejam felizes".
O desembargador Lorival elogiou a gestão do colega, desembargador
Samuel, afirmando que a "Escola deu muitos passos". Sobre o tema da
Semana, o presidente eleito falou da importância dos "princípios" e
lembrou aos vitaliciandos que "não podemos decidir o processo pela rama,
mas pelos princípios constitucionais", e ressaltou que, com esse
espírito de amor ao trabalho o juiz poderá corresponder às expectativas
dos jurisdicionados.
A juíza Alzeni chegou a se emocionar ao contar aos colegas uma
experiência pessoal na Vara do Trabalho de Araçatuba, assim que tomou
posse como titular, e solucionou um processo complicado que envolvia uma
grande soma de dinheiro para vários reclamantes, quase todos idosos, e
que esperavam há anos por um desfecho. Assim que o dinheiro foi
liberado, a filha de um dos reclamantes, morto no curso do processo,
veio agradecer à juíza por ter feito a justiça que seu pai esperou por
anos mas que, infelizmente, não chegou a se beneficiar dela. A juíza
Teresa Cristina lamentou não ter uma grande história para contar, porém
conclamou os magistrados a "aproveitarem essa oportunidade única".
Ética e Moral
O vice-presidente administrativo, desembargador Fernando da Silva
Borges, apresentou o palestrante convidado, o professor Roberto Romano
da Silva, titular MS6 da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
afirmando que "a ética é uma decisão do ser humano pelo Bem".
Em seu discurso de boas-vindas aos juízes, o desembargador Fernando
Borges elogiou a quantidade e a qualidade dos trabalhos da Escola
Judicial na gestão do diretor Samuel Hugo Lima e lembrou que estamos
vivendo uma "fase de humanização da Justiça". O desembargador ressaltou
também que "o ‘sentimento' não é algo incompatível com a aplicação da
lei", e que ao juiz é "indispensável a empatia com o jurisdicionado".
O tema abordado pelo palestrante Roberto Romano da Silva, que é doutor
em Filosofia pela l'École des Hautes Études en Sciences Sociales, buscou
na Grécia antiga as raízes da ética e da moral. Numa apresentação de
pouco mais de uma hora, o professor Romano, que tem experiência na área
de Filosofia, com ênfase em ética e política, citou filósofos como
Platão, Aristóteles, e os mais modernos Hobbes, Montesquieu, Spinoza e
Kant. Segundo o professor, a sociedade ateniense, apesar de ser
"paradigma de nossas formas de pensar, apresenta ao exame dos
historiadores, antropólogos, arqueólogos, juristas, qualidades e
falhas". Romano falou das raízes do Estado, com suas raízes na noção de
Katástasis, que "encerra o nexo entre a estrutura física e espiritual
dos povos, o que permite a governabilidade".
Segundo o palestrante, Platão percebe no cosmos/caos exposto por
Empédocles a base para pensar a guerra de todos contra todos, e que a
solução temporária dos conflitos, como no plano físico, não pode vir
espontaneamente, e afirmou que "apenas uma intervenção externa consegue,
à semelhança das máquinas, diques, pontes, edifícios, deter a violência
natural".
De acordo com o professor Romano, Platão apresenta, basicamente, duas
teses sobre a ética. A primeira delas é a kakourgia (agir mal), algo
involuntário (vem da natureza feroz dos homens). Segundo essa tese, "a
virtude não é derivada apenas da natureza, mas ela é uma arte, uma
técnica, um artifício, que deve ser ensinada, aprendida, conhecida".
Segundo Platão no diálogo As Leis, os homens desejam o bem, "ou o que
imaginam ser o bem". Se conhecem o bem, não agem de maneira maléfica. O
bem apenas imaginado vem dos costumes trazidos pela família, grupo
social, tribo ou meio ambiente. O bem real é objeto de ciência, não está
preso aos limites da imaginação, dos hábitos familiares e tribais. Atos
ruins, voluntários ou involuntários, precisam receber sanção legal
negativa, para que o coletivo não se frature.
A segunda tese platônica sobre a ética se resume ao "saber", única base
do agir consciente para o bem. A opinião (doxa) e o hábito (ethos)
podem ajudar na regulagem dos atos, mas apenas o saber trazido pelos
especialistas do bem comum define a liberdade efetiva. O indivíduo pode
nascer com a disposição para o saber, mas não o conseguirá sozinho, de
modo espontâneo.
O pensador grego defende, também, a educação técnica para a obediência
consciente das leis. Num exemplo a essa obediência, o professor Romano
afirmou que "as leis eram esculpidas em grandes letras na praça pública.
Todos a viam sem possível disfarce. No entanto, os arqueólogos do
século XX descobriram pedras com maldições dos governantes contra os que
danificavam as pedras das leis. E mais, descobriram outras pedras
contendo maldições para os que fraturaram as pedras que continham as
ditas maldições, o que prova a tese platônica de que "o conhecimento do
bem e do mal não tem origem imediata nos homens, mas precisa ser obtido
pela técnica do ensino", concluiu o palestrante. Romano afirmou que "por
sua natureza, os homens não suportam a lei", e salientou que "ao
contrário do que pensa Aristóteles, eles não são imediatamente animais
políticos", e afirmou que "este é um outro ensino que Hobbes aprendeu de
Platão".
Para o professor Romano, com base na noção de liberdade e autonomia,
segundo o pensamento de Imanuel Kant, "ao obedecer a lei, não por
influências externas, por medo ou esperança de prêmios, mas apenas
porque ela é a lei, somos autônomos". Em sentido oposto, "se não a
transgredimos por receio do castigo ou por recompensas, somos
heterônomos". Kant usa os mesmos vocábulos platônicos, o nomos, a lei,
ou está em nós, ou vem do nosso exterior. A um ethos da escravidão, a
heteronomia, substitui-se o ethos da liberdade no qual obedecer a lei é
obedecer a si mesmo, não um outro. O nomos deixa de ser um fator externo
que pode ser burlado, para se integrar à consciência que o indivíduo
tem de si mesmo. Na ética autônoma, a lei integra a vontade e o saber
dos seres humanos.
Roberto Romano apresentou ainda reflexões sobre a experiência de perda
da liberdade, tanto por parte dos indivíduos como pelas coletividades.
"Se a lei está impressa na própria mente, como se levantar contra normas
mentirosas e injustas? Se, ao assumir a sua escravidão diante da lei, o
indivíduo assume uma segunda natureza, técnica, suspendendo a primeira,
a violenta, como escaparia ele do poder autocrático, o dos técnicos? O
palestrante cita Hobbes, "platônico até à raiz", e que "tudo faz para
que o direito natural seja enfraquecido pela instauração do Estado, a
Commonwealth". Já Spinoza, pensador democrático, recusa tal operação
tecnológica. Segundo Romano, esse pensador, no que se refere à política,
acredita no direito natural, e o direito ao soberano sobre cidadãos só é
concebido "na medida em que, pela potência, ele os sobrepuje; é a
continuação do estado de natureza".
Romano toma esse conceito como o núcleo de todas as questões relativas à
resistência aos poderes tirânicos, mesmo os intitulados "despotismos
esclarecidos", e chega ao século XX, em que floresceram os
totalitarismos, especialmente o stalinista, o nazista e o fascista, e se
pergunta "quem tinha razão e estava na verdade, as massas animalizadas
pela propaganda nazista, stalinista, fascista, ou os poucos cidadãos que
aceitaram ir para a morte, sem disso precisar por que eram "arianos" ou
porque simplesmente poderiam calar e cooperar com o Estado?"
Romano afirmou que Platão foi assumido pelos totalitarismos, porém
execrado pelos pensadores liberais, chegando a ser acusado, nos EUA, por
Edward O. Sisson, em 1940, de ter redigido a "carta original do
fascismo" sendo sua obra "um dos mais perigosos itens na educação do
mundo ocidental". O palestrante se pergunta qual o motivo para
semelhante endeusamento e diabolização na história recente?
A resposta, segundo o professor, se concentra na ideia de que "a
política deve se pautar pela lei, mas ela é externa à mente e ao coração
dos homens comuns e foi fabricada pelos técnicos". Segundo o
palestrante, ainda com base em Platão, "a obediência à lei exige que os
gestores da vida pública desempenhem seu mister com responsabilidade". O
pensador grego põe em questão a estrutura da justiça em Atenas, e seu
projeto rejeita a forma oligárquica e democrática de julgar e inicia o
sistema da pesagem das atribuições e competências, algo que fez fortuna
até os nossos dias, passando por autores como Montesquieu. Platão
inventa, assim, o "Estado misto", no qual opera a balança entre
tendências opostas, algo apreciado inclusive por Locke. É de Platão a
tese do necessário exercício de "checks and balances".
Em sua conclusão, o palestrante ressaltou que "os problemas
apresentados giram ao redor de temas éticos candentes em nossa
atualidade" e se pergunta "qual autoritarismo é mais duro, o de Platão
ou o dos que julgavam certo banir pessoas sem os ritos da justiça, pelo
ostracismo ou pela atimia (perda dos direitos cidadãos)? E que dizer dos
direitos das mulheres, defendidos por Platão numa sociedade
masculizante e…democrática? Num país como o nosso, onde a lei Maria da
Penha não consegue impedir a violência de homens contra suas esposas e
filhas? Por tudo isso, "Platão é um autor a ser lido em termos éticos
fundamentais", ressaltou Romano. Esse cuidado é importante porque,
segundo lembrou o palestrante, existem "falhas brutais na democracia
ateniense", que é "o nosso paradigma ético e jurídico". "Não podemos
esquecer a violência que se apresenta em todos os seres humanos,
individuais ou coletivos, e a necessidade do Estado como freio da
tirania que opera nos péssimos comportamentos éticos irrefletidos de
antigamente e de nossos dias", concluiu o professor.