Quarta-feira,
01 de outubro de 2014
“Ainda vivemos as mazelas do absolutismo”
Roberto Romano – Professor de Ética e Filosofia da Unicamp
Roberto Romano – Professor de Ética e Filosofia da Unicamp
Nascido na pequena cidade de Jaguapitã no norte do Paraná, Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Filho da comunhão de uma família paulista que ia em direção ao Sul e de uma família gaúcha que seguia em direção ao Norte, cresceu em uma região predominantemente rural. Graduado em Filosofia pela USP (Universidade de São Paulo) e doutor em Filosofia pela École des hautes études en sciences sociales, de Paris. Escreveu os livros: “Moral e Ciência – A Monstruosidade do Século XVIII”; “O Caldeirão de Medéia”, (São Paulo, Imprensa Oficial); “Cidadania – Verso e Reverso”, (Ed. Guanabara); “Lux in Tenebris” (Meditações sobre Filosofia e Cultura), (Cortez Editora); “Silêncio e Ruído”, (Ed. da Unicamp); “Silence et Bruit”, (Ed. do autor); “Brasil, Igreja contra Estado”, (Ed. Kayrós – 1979); “Conservadorismo Romântico”, (Ed. Brasiliense –
Postado 1 de outubro de 2014 por Eder Fonseca em Pensamento
“Ainda
vivemos as mazelas do absolutismo”
Roberto Romano – Professor de Ética e Filosofia da Unicamp
Nascido na pequena cidade de
Jaguapitã no norte do Paraná, Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia
na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Filho da comunhão de uma
família paulista que ia em direção ao Sul e de uma família gaúcha que seguia em
direção ao Norte, cresceu em uma região predominantemente rural. Graduado em
Filosofia pela USP (Universidade de São Paulo) e doutor em Filosofia pela École
des hautes études en sciences sociales, de Paris. Escreveu os livros: “Moral e
Ciência – A Monstruosidade do Século XVIII”; “O Caldeirão de Medéia”, (São
Paulo, Imprensa Oficial); “Cidadania – Verso e Reverso”, (Ed. Guanabara); “Lux
in Tenebris” (Meditações sobre Filosofia e Cultura), (Cortez Editora);
“Silêncio e Ruído”, (Ed. da Unicamp); “Silence et Bruit”, (Ed. do autor);
“Brasil, Igreja contra Estado”, (Ed. Kayrós – 1979); “Conservadorismo
Romântico”, (Ed. Brasiliense – 1981). Para o portal Panorama Mercantil, o
filósofo traz a sua visão sobre ética e civilidade entre outros assuntos do
cenário político e social.
Professor, como o senhor enxerga a
ética hoje no mundo da política?
A política, como todos os fenômenos
sociais, não possui ética única. Como expressa os desejos, pensamentos e
projetos de múltiplos setores (religiosos, econômicos, ideológicos, culturais,
étnicos, etc) ela se caracteriza pelos ajustes e conflitos das várias éticas
existentes. Mas há uma cristalização ética própria às instituições. O Estado
brasileiro, no qual se exerce o monopólio da política pública, traz ainda hoje
as marcas do absolutismo que o gerou no século 19. Nele, não existem plenamente
as noções de responsabilidade do gestor diante do contribuinte. A famosa
“accountability” foi haurida na democracia grega do século quinto antes de
Cristo pelos autores da Revolução Inglesa do século 17 (sobretudo os liberais,
os Levellers). Ela foi, depois, transmitida aos estadistas norte-americanos e
franceses do século 18. No mesmo passo em que as democracias ocidentais
firmaram modelos modernos de gestão e de prestação de contas, no Brasil foi
mantido o privilégio dos operadores do Estado, nos três poderes. Resulta que a
ética política institucional brasileira é infensa à responsabilidade plena dos
governantes. Daí, todos os abusos que levam ao perene “é dando que se recebe”,
as prerrogativas de foro, etc. Estamos ainda muito longe da ética democrática,
para a qual o povo é soberano. Basta entrar em qualquer repartição pública
brasileira: na parede pode-se ler em letras garrafais : “insulto ao
funcionário, tantos anos de cadeia”. Mas não existe, ao lado, outro cartaz
dizendo “desrespeito ao contribuinte, tantos anos de cadeia”. A ética política
nacional escancara todos os estigmas do absolutismo, regime que, afirmam
historiadores como Joël Cornette [historiador francês, 1949], é um dos mais
corrompidos da história moderna. Nele, os cargos eram vendidos, alianças
estapafúrdias foram mantidas, o favor imperou nos tratos de soberanos e
súditos. E, sobretudo, foram definidas técnicas para a hegemonia do Executivo
sobre os demais aspectos do poder público (seja consultado o excelente livro de
Alexis de Tocqueville, “O Antigo Regime e a Revolução”, Editora UNB). O sistema
brasileiro seria o sonho de Richelieu [Cardeal de Richelieu, político francês,
1585 - 1642] e de Luís 14 [monarca conhecido como "Rei-Sol" 1638 -
1715]: o governante concentra nas mãos todas as prerrogativas, compradas por
acordos e favores no Parlamento e sob as vistas cegas da Justiça. A ética
política institucional brasileira é anacrônica, não democrática, nada
republicana. Cada vereador tem privilégios que, mesmo no Antigo Regime, seriam
proibidos aos membros da nobreza. Não era todo conde ou duque que tinha carro,
aposentadoria, etc, pagos pelo contribuinte.
O senhor diz que nossa sociedade não
tem costume de respeitar o que é público e elege governantes que também não
respeitam. Como fugir desse espelhamento?
Em primeiro lugar, em segundo lugar, em
terceiro lugar, e assim por diante, com instrução. Condorcet [Marquês de
Cordorcet, filósofo e matemático francês 1743 - 1794], um dos grandes
democratas do século 18 francês, dedicado às questões eleitorais (leia-se seu
clássico, “Sobre as eleições”), mostrou que sem um escrutínio severo, vence
eleições os que foram hostilizados pela maioria dos votantes. É o famoso “Paradoxo
de Condorcet”, que não posso analisar aqui com detalhes. Após as eleições
problemáticas dos EUA, quando George Bush chegou à presidência, o “Paradoxo de
Condorcet” voltou a ser muito estudado nas universidades. Importa que, para bem
estabelecer uma eleição democrática, Condorcet mostra ser necessária a
capacidade do eleitor para o cálculo das probabilidades. Ou seja, a instrução
do eleitorado em matemáticas é essencial. Se forem verificados os índices de
aprovação dos cursos brasileiros de matemática, em plano internacional,
verificamos o quanto estamos longe de efetivar tal requisito. A educação de
massa que não traga melhorias consideráveis no estudo do cálculo, é mero
adestramento retórico para escolhas cegas. Se o leitor desejar um pouco mais de
informes sobre o “Paradoxo de Condorcet”, dele falo em vídeo publicado pelos
Seminários Internacionais Fronteiras do Pensamento. A partir daí é possível
consultar, posteriormente, a vasta bibliografia sobre o tema. Outro problema
ligado ao ponto encontra-se na estrutura de nossos partidos políticos. A sua
maioria esmagadora é oligarquizada, ou seja, é propriedade de alguns indivíduos
e grupos. Tais elites (se é possível usar o termo…) mandam nos cofres, nas
escolhas de candidatos, nas alianças, na distribuição de cargos, etc., sem
ouvir os militantes de base, os que arcam com o mais pesado na prática. Existem
dirigentes que mandam nas agremiações há décadas, nelas tudo controlando. Não
temos eleições primárias, não temos assembleias partidárias autônomas. Os jovens
que desejam entrar para a política devem aprender a lição de servilismo e
corrupção, beijando a mão dos líderes idosos e mestres na arte de bajular,
chantagear, vender. Resulta que a urna já apresenta um “prato feito” ao
eleitor. É um espelhamento equívoco: o eleitor deseja honestidade, mudança, mas
os candidatos, que passaram pelo filtro das direções, apenas prometem, mas não
podem entregar o exigido, porque já se comprometeram com os donos do seu
partido. A mocidade e os velhos, ambos se afastam dos partidos, o que redunda
em descontrole e falta de fiscalização no exercício do poder Executivo,
Legislativo e, mesmo, do Judiciário. Numa reforma política que não fosse
demagógica e simplesmente eleitoreira, a primeira providência seria
democratizar os partidos, proibindo a permanência, nos postos de direção
agremiativa, por mais de dois anos. Escrevi sobre o tema para a Folha de São
Paulo (“Pela democratização dos Partidos”, 20/09/2013).
A urbanização de um certo modo, fez
diminuir a civilidade?
A dialética do campo e da cidade é algo
conhecido desde a era em que Babilônia, Atenas, Roma, mandavam no mundo. Sempre
que há uma concentração de pessoas em espaço limitado, formando urbes, existe
um descompasso ético coletivo. As antigas formas de convívio, de respeito e
polidez, entram em crise nas ruas numerosas, nas praças lotadas, nas massas
anônimas. Leva tempo para que novas formas de convívio sejam solidamente
instituídas, porque é preciso chegar ao ponto em que os prejuízos da ausência
de regras sejam notados pela maioria dos habitantes. No Brasil, até 1950,
tínhamos uma rede delgada de cidades litorâneas e um imenso sertão. A
urbanização foi acelerada após Brasília e mantida pelos governos, ditatoriais
ou civis. Estamos nos acostumando aos hábitos requeridos por um trato polido.
Por enquanto, a violência nos confrontos face a face domina todos os setores de
classe, ricos ou pobres. Basta ver o que ocorre nas periferias e nos shopping
centers: as pessoas ainda não aprenderam a respeitar o corpo alheio. Nas áreas
endinheiradas de consumo, quando alguém empurra uma pessoa a desculpa é sempre
“não vi”. Aprender a ver é um dos primeiros elementos da ética na vida
coletiva. Quem sequer enxerga o próximo, ignora as demais regras da polidez e
urbanidade.
A democracia não fica prejudicada,
quando um partido político fica no poder por um longo tempo como é o caso do PT
atualmente?
A democracia sempre é a maior
prejudicada quando um partido permanece no poder durante muito tempo. É uma
tendência natural que todo grupo queira conquistar e manter o mando. Mas a
política não é algo “natural”, ela é produto da cultura e das técnicas de
Governo. Elemento básico da democracia é a renovação dos dirigentes. Quando um
agrupamento tende a se encastelar nos palácios, no seu interior surgem os que,
segundo Norberto Bobbio [filósofo, historiador e senador vitalício italiano,
1909 - 2004], esquecem que devem seu poder às praças. Eles se tornam arrogantes
como os soberanos absolutistas que, à semelhança de Tiago 1 da Inglaterra,
dizia no século 17 não dever prestação de contas a ninguém, mas apenas a Deus.
Ainda segundo Bobbio, o embate entre praça e palácio é vital para a democracia.
Todo partido, para não degenerar totalmente, precisa perder o palácio de vez em
quando e ouvir os reclamos da praça. Tratei de analisar mais longamente o
assunto na conferência publicada em vídeo pelo Café Filosófico da CPFL (“O
poder dos palácios e a força das praças”, 18/outubro, 2013 – clique aqui).
A liberdade de expressão esbarra em
algo que não a faz ser totalmente plena em nosso país?
Como disse, ainda vivemos as mazelas do
absolutismo. No Brasil, em primeiro lugar, é proibido fazer oposição ao
Governo. Quem se levanta, perde recursos públicos para suas regiões. Daí se
entende o quanto nossas “oposições” são tímidas e, não raro, silentes diante
dos abusos governamentais. Recomendo aos leitores, para entender a situação
brasileira, a leitura do capítulo 20 do “Tratado Teológico-Político” de Bento
Spinoza [filósofo holandês, 1632 - 1677]. Ali, o filósofo defende a liberdade
de pensar e dizer (e de escrever), como fundamento de um Estado democrático. E
mostra que os desejos de censura, assumidos por quase todos os regimes,
esbarram na natureza livre do ser humano. A intolerância diante da divergência
é marca do fanatismo (ideológico, religioso, doutrinário). E o fanatismo é inimigo
da democracia.
Como se situa a esquerda hoje, já que
às vezes temos a sensação de que muitos esquerdistas são mais parecidos com os
grandes capitalistas globais, saindo daquela ideologia tão pregada em outrora?
A esquerda surgiu da metáfora espacial.
O lugar ocupado pelos jacobinos radicais na Assembleia Nacional, durante a
Revolução Francesa. Do espaço às mentes, foi um pulo. Esquerda, de modo geral,
significa inconformismo com a desigualdade, a injustiça, a corrupção. Mas a
história da própria Revolução Francesa mostra que, sob a capa do rigor moral da
esquerda, se escondia muito arbítrio, desejo de mando, corrupção. O historiador
Michel Benoit [escritor, ensaísta, historiador, teólogo e doutor em biologia
francês, 1943] publicou uma pesquisa muito instrutiva a respeito, infelizmente
ainda não traduzida para a nossa língua: “1793, a República da Tentação, um
negócio de corrupção na primeira república” (Éditions de l’Armançon, 2008). Os
documentos mostram que líderes jacobinos, apesar de seu homem maior,
Robespierre [Maximilien de Robespierre, advogado e político francês 1758 -
1794] receber o apelido de “Incorruptível”, se apropriaram de bens públicos
(como jóias da coroa, terras, etc) para enriquecimento próprio. Outro escritor,
um homem ainda hoje de esquerda, Alain Badiou [filósofo, dramaturgo e novelista
francês, 1937], mostra que o golpe do Termidor, que acabou com a Revolução
democrática na França, foi dado pela esquerda, os jacobinos. Volto a Norberto
Bobbio: quando um grupo, de esquerda ou conservador, se instala no palácio,
imagina eternizar seu mando. Elias Canetti [romancista e ensaísta de
nacionalidade búlgara e britânica 1905 - 1994] tem excelentes análises, no
livro “Massa e Poder”, sobre o poderoso como sobrevivente. O poderoso aposenta
ideologias, programas, crenças, para manter seu controle sobre os demais entes
humanos. É o famoso “realismo”. E muitos, ainda, desculpam seu desejo de mando
sob o nome de Maquiavel [Nicolau Maquiavel, historiador italiano 1469 - 1527] ,
um republicano exemplar que nada mais fez do que exibir o modo de funcionamento
da máquina política, movida por autoritários e oportunistas.
Ideias:
Para o filósofo professor de Ética e Filosofia da Unicamp, a democracia sempre
é a maior prejudicada quando um partido permanece no poder durante muito tempo
(Foto: Arquivo)
Alguns filósofos dizem que existe muita
mentira na vida acadêmica nacional. Como enxerga essa questão?
Existe mentira e verdade em todos os
setores sociais, os campi (polo universitário) não significam exceção. O pior,
neles, é o enquistamento nas seitas que disputam recursos humanos e
financeiros. Não aceito, por exemplo, que verbas públicas aos milhões sejam
distribuídas a pesquisadores, e a seus afilhados, pelo método do sigilo do
assessor. Tal “método” serve para perseguir, de modo anônimo, investigadores
contrários aos dogmas do assessor e de seu agrupamento. Se a pesquisa tem como
alvo a verdade, um meio assim, anônimo e covarde, mancha a prática científica.
A desculpa é proporcionar privacidade e autonomia do assessor. Mas o fato é que
tal anonimato foge da prestação integral de contas, porque o nome de quem veta
ou concede verbas é ignorado pelos candidatos e pelo público que paga as
contas. O problema não é apenas brasileiro e a avaliação pelos pares tem sido
questionada com ênfase, sobretudo nos EUA. O poder micrológico das seitas
acadêmicas é um dos maiores defeitos da instituição.
Qual a visão do senhor sobre as
universidades públicas do Brasil?
São as únicas que, a rigor, merecem o
título de “universidades”. Nelas são feitas pesquisas, técnicas, modos de
melhorar a vida humana de maneira significativa. O interior do Estado de São
Paulo não exibiria sua plena pujança econômica sem o aporte da USP, Unicamp,
Unesp. Apesar das seitas acadêmicas, citadas na resposta acima, as universidade
oficiais brasileiras e paulistas preparam fortes bases para uma economia
sólida, sobretudo quando se trata de preparar mercadorias com valor agregado.
Tal alvo que deve ser assumido, se quisermos sair do triste destino, que nos
orienta desde 1500, de meros exportadores de matéria prima. Mas os campi
precisam dialogar mais com a sociedade, sobretudo no campo das políticas
públicas.
Voltando à política, hoje está cada vez
mais difícil de se discutir ideias, nas redes sociais por exemplo é um
bate-boca constante entre oposição e situação. Isso é irreversível?
Como disse, o fanatismo combate a
democracia. Fanáticos ignoram o respeito próprio e mútuo, querem impor na base
da força física ou constrangimento moral os seus dogmas e dirigentes. Nem
sempre os costumes se refinam com a técnica. Não raro, novas técnicas de
comunicação servem apenas para transmitir ódio. O nazismo aprimorou muito as
técnicas de comunicação (rádio, cinema e até a televisão!) e as reduziu a meio
de propaganda, mentira, terrorismo. Chegar à internet sem cultura democrática,
significa usar a nova tecnologia como se ela fosse um tacape. É um anacronismo
triste.
Em 2005 o senhor disse que a função dos intelectuais é de pesar as palavras, pesar as ideias e mostrar os caminhos. Eles (intelectuais) nesse momento estão fazendo isso ou simplesmente estão fazendo algo que o senhor abomina que é se curvar diante do poder?
Luciano Canfora [filólogo clássico,
historiador ensaísta italiano, 1942], historiador do pensamento político antigo
e moderno, publicou um livro (traduzido no Brasil) onde são coletados os atos
dos filósofos a serviço dos poderosos e de seus golpes. O título do volume é
expressivo: “Um ofício perigoso” (Editora Perspectiva). Da Grécia clássica aos
nossos dias, ocorre a traição dos intelectuais. No “Pasquim”, jornalzinho
contrário ao poder instituído em 1964, ficou célebre a desculpa dos acadêmicos
que a ele aderiram : “eu preciso sobreviver, entende?”. No antigo Regime, nas
revoluções modernas, no Nazismo, no Fascismo, no Stalinismo, sempre existiu uma
grei intelectual que ajudou a justificar tiranias. Quando o compromisso maior
de um intelectual é com o gabinete dos poderosos, e não com a busca da verdade,
ele deixou de ser um pensador e reduz seu papel na ordenação de mentiras,
piedosas ou sangrentas. Jean-Paul Sartre [filósofo, escritor e crítico francês,
1905 - 1980] distingue corretamente entre o filósofo, o que busca a sabedoria,
e o ideólogo, que justifica poderes. Muitos começam sua vida pública como
filósofos e se transformam em ideólogos. Muitos começam como ideólogos e se rendem
tardiamente à filosofia. Os bajuladores dos palácios, se receberam informações
sobre a filosofia, são tão responsáveis pelos genocídios e massacres quanto os
que os efetivaram. Um etnólogo que muito prezo, André Leroi-Gourhan
[arqueólogo, paleontólogo, paleoantropólogo e antropólogo francês 1911- 1986],
diz que na marcha da evolução nosso corpo se aprimorou como instrumento
técnico: na postura ereta, o cérebro aumentou, a face diminuiu, os olhos se
agudizaram, as mãos se tornaram politécnicas. “Somos inteligentes, porque
ficamos de pé”, diz o cientista. Quem rasteja diante dos governos e se julga
inteligente é apenas esperto, mas indigno do mundo humano. Infelizmente, ainda
hoje, para chegar aos gabinetes dos palácios é preciso passar sobre corpos
rastejantes que ali buscam recursos financeiros, cargos, glória efêmera. Mas
tal coisa não é nova, como bem evidenciam Julien Benda [crítico, escritor e
filósofo francês, 1867 - 1956] e outros espíritos lúcidos.
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Eder Fonseca
Eder Fonseca é jornalista. Fundou e atualmente é o diretor-executivo do
Panorama Mercantil, um dos principais portais de entrevistas do país.
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