terça-feira, 28 de outubro de 2014

Zero Hora, 28/10/2014

Intolerância na internet

A origem do ódio contra os nordestinos
Após a vitória de Dilma Rousseff sobre Aécio Neves, milhares de mensagens preconceituosas contra os moradores das regiões Norte e Nordeste se multiplicaram nas redes sociais. Conteúdo pode ser considerado crime de injúria racial

por Nilson Mariano
27/10/2014 | 23h17

No Twitter, internautas usaram frases agressivas
Foto: Reprodução / Reprodução
A onda de manifestações preconceituosas contra as regiões Norte e Nordeste, que eclodiu tão logo foi anunciada a vitória de Dilma Rousseff (PT) nas eleições de domingo, vai além de uma atitude por si só condenável. Pode significar a reação adversa de quem não aceita uma mudança em curso no país: o surgimento de uma sociedade mais igualitária.

A constatação é do cientista político Alberto Carlos Almeida, autor do livro A Cabeça do Brasileiro. Analisando o resultado das urnas, ele diz que os nordestinos não votaram apenas em agradecimento ao Bolsa Família — a região concentra 51% dos beneficiados. Reelegeram o PT de acordo com os seus interesses e reconheceram o avanço econômico dos últimos anos. Para Almeida, há uma definição para o preconceito vindo de setores do Sul-Sudeste:

— É a dor do parto.

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Diretor do Instituto Análise, de São Paulo, Almeida avalia que parte dos sulistas recusa as transformações sociais. Foi assim quando as universidades federais abriram os seus cursos mais concorridos, como a Medicina, para alunos de escolas públicas. Continuou com a lei que protege as empregadas domésticas, antes à mercê dos humores das patroas.

— A sociedade vem se abrindo, se democratizando — diz Almeida.

Mensagens preconceituosas devem ser combatidas (podem configurar injúria racial, crime previsto no Código Penal), mas também entendidas. Nascido no Recife (PE) e morando em São Paulo há 40 anos, o sociólogo Francisco de Oliveira afirma que estão nas origens do Brasil. O acirramento das eleições, em que a população se dividiu entre PT e PSDB, apenas expõe um sentimento adormecido.

— É o velho preconceito contra o nordestino, o qual já ouvi muito. Não é novidade, mas é uma prova muito ruim de que as relações não melhoraram — observa o sociólogo, mais conhecido como Chico Oliveira.

Mensagens de ódio cresceram 342% no segundo turno, turbinadas por grupos de extrema direita

Professor aposentado pela Universidade de São Paulo (USP), Oliveira lembra que o antagonismo não é exclusividade daqui. Exemplifica que, nos Estados Unidos, o Norte desenvolvido ainda deprecia o Sul, de passado escravocrata. São os ecos distantes da guerra civil americana, finalizada há um século e meio.

No Brasil, prepondera o que o filósofo Roberto Romano qualifica de cultura do ressentimento, entranhada desde os primórdios. Lembra que o país foi unificado graças ao Exército de Duque de Caxias, que abafou revoltas separatistas de Sul a Norte no início do século 19. As duas longevas ditaduras do século 20 (o Estado Novo, de Getúlio Vargas, e o regime militar) consolidaram o centralismo e isolaram as regiões com suas diferenças de povo e cultura.

— O Estado brasileiro não cumpre a função de ser um mediador nas relações. As questões regionais são abandonadas — avalia Romano.



Na Wikipédia, o texto sobre o Nordeste foi alterado (Foto: reprodução)

Radicais aproveitam aparente anonimato

Professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o filósofo destaca ser enganoso pensar que somente o Sul e o Sudeste cultivam o ressentimento contra o Norte-Nordeste. Afirma que os nordestinos também se mostram ofendidos com os sulistas. E que os nortistas se magoam com todos os outros.

— Só dizer que o Sul é preconceituoso é complicado — ressalva.

Há outro componente a considerar. Romano avalia que aumentou a presença de grupos neonazistas, no Rio Grande do Sul, em São Paulo e até na nordestina Bahia. Com as facilidades da internet e recorrendo ao anonimato, eles podem espalhar suas ideias racistas e xenófobas, que são amplificadas pelos ressentidos que só aguardam o momento de se expressar.

— A eleição foi o clima preparado para a ação desses radicais — adverte o professor da Unicamp.

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