terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Correio Popular de Campinas, 28 de janeiro 2009

Publicada em 28/1/2009


Liberdade, segurança, imprensa

Roberto Romano

Minha primeira palavra é de pleno apoio ao Correio Popular. Bombas, granadas, intimidações mostram a relevância da imprensa ontem, hoje, sempre. Integro o setor que não admite o monopólio absoluto da força física nas mãos do Estado. E não aceito o emprego da mesma força por indivíduos e grupos opostos à lei. A soberania popular, moderna doutrina de fundamento democrático, tem como outro lado a liberdade corporal e espiritual. A primeira, se o poder público é absoluto, tende a ser tutelada por agentes oficiais. Caso estes últimos sejam corruptos, incompetentes, arbitrários, o cidadão perde a motivação para aceitar as leis e a ordem coletiva. Se bandidos penetram numa residência, matam e subtraem os moradores com sequestros, estupros etc., a família está à beira da descrença se, ao chegar a polícia, os funcionários públicos são truculentos em nível similar ao dos assaltantes. A situação é admiravelmente bem descrita na poesia de Tracy Chapman (Behind The Wall): Last night I heard the screaming/ Loud voices behind the wall/Another sleepless night for me/ It won't do no good to call/The police/Always come late hey/ If they come at all. Por tal motivo, é preciso não abandonar a defesa dos grupos ao Estado, sem rigorosas contrapartidas.

Ocorre, no Brasil e no mundo, uma guerra surda entre pessoas que não acatam a lei e o Estado, cujo alvo é o monopólio da força (além do imposto e da norma jurídica). As primeiras desejam impor uma soberania perversa com base no terror ilimitado e para tal fim usam instrumentos tradicionais ou novos, entre eles as bombas. O segundo exige o desarmamento geral, mas não cuida com seriedade e respeito do setor repressivo. Resulta que, em vez do povo soberano, temos grupos tirânicos dentro e fora da máquina estatal. E também vemos uma nação de intimidados pelos governos ou pelos seus concorrentes da ilegalidade.

Em semelhante guerra, a primeira vítima é a livre informação. Nem os poderes oficiais nem os príncipes do crime organizado admitem a circulação coletiva de fatos e de análises. O segredo é a sua norma. O poder antidemocrático inventou o segredo para se proteger dos cidadãos e gerou a polícia para bisbilhotar a vida dos pacíficos contribuintes. Os que não obedecem a lei imitam a secreta razão de Estado: matam corpos e almas, como também empregam a intimidação impiedosa. Não interessa aos dois concorrentes que o povo saiba o fundo de suas ações, o que as move. “Se o povinho soubesse como são feitas as leis, as salsichas....” é o lema da razão estatal, proclamado pelo Chanceler de Ferro, Otto von Bismarck. “Se o povo souber o que fazemos, nossas desculpas não mais serão aceitas”, é o slogan dos inimigos da lei.

Quando soube dos atentados contra a RAC, me preparava para analisar um excelente livro, de não menos excelente escritor com moradia em Campinas. Trata-se de Valter Foleto Santin e o nome do escrito é Controle Judicial da Segurança Pública (SP, Revista dos Tribunais Ed., 2004). Nada mais importante, no momento, do que as linhas serenas e bem fundamentadas daquele trabalho. Deixo a resenha para mais tarde, quando a paz (sempre momentânea) retornar à imprensa campineira, digna do nome.

O ato virulento, cometido não apenas contra uma empresa jornalística, mas contra o povo de Campinas, de São Paulo, do Brasil, merece repúdio. Todos devem exigir da Justiça e dos que exercitam a força física em nome do Estado apurações exatas e rigorosas, com a punição urgente dos responsáveis. Em situações de guerra social, importa aplicar a lei, caso contrário a própria fé pública se dissolve. Agora, é preciso mostrar à cidadania indignada que a polícia vale algo e vela pela tranquilidade dos honestos. Caso contrário, a reação de apatia e desespero, retratada na canção de Tracy Chapman será repetida por todos nós: chamar a polícia não é boa idéia, ela sempre chega tarde. Quando chega... Um abraço amigo para todos os profissionais da RAC e do Correio Popular.