quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Resposta a um triste artigo.
Roberto Romano


"A emancipação do judeu é a emancipação da sociedade do Judaísmo"
(Karl Marx, judeu, em seu panfleto sobre a Questão Judaica.

No escrito mencionado, Marx se mostra discípulo de Feurbach, mesmo nos detalhes. O autor de A Essencia do Cristianismo acusa os judeus e sua religião de egoísmo e ganância materiais. O culto judeu seria o do estômago. Com a virulência anti-semita de Feurbach, teratologias "filosóficas" surgiram entre os conservadores (Richard Wagner e quejandos) e "liberais" (o jovem Marx). Tais ideologias ajudaram a justificar massacres não apenas de judeus, mas de todas as minorias desprezadas na Europa, nos séculos 19 e 20. Os resultados, sob o nazismo e o stalinismo, são tremendos, só negados por doutrinários assassinos. Nào por acaso Pierre Vidal Naquet precisou redigir um livro cujo título é eloquente : Os Assassinos da Memória (Les assassins de la mémoire, Paris, Ed. Le Seuil, 1995). Falava o escrito sobre os que, não contentes em matar seis milhões de corpos, agora passam à segunda fase do assassinato, praticando a corrosão das lembranças históricas.

Karl Marx resumiu, no seu texto infame, todos os preconceitos e ódios contra o seu povo. Não por acaso existe o conceito (e a prática) do que foi denominado Jüdische Selbsthass. É possível encontrar judeus que odeiam judeus (Marx é exemplo, mas outros surgiram na história), negros que odeiam negros, etc. Com o panfleto, o teórico do "socialismo científico" alimentou Pogroms na extinta URSS e em todos os seus países satélites. Na linha paralela, Richard Wagner, outro filhote de Hegel e de Feuerbach, satisfazia a sede de sangue das almas nazistas.

Apenas o livro, cujo título é igual ao de Marx, redigido por Sartre em momento de extrema lucidez, atenuou na esquerda o anti-semitismo larvar que a sustenta (até hoje). Não me deternho na análise do livro publicado por Sartre. Remeto para a sua biografia escrita por Bernard-Henri Lévy (O Século de Sartre, RJ, Nova Fronteira Ed. 2001). De especial interesse o capítulo “Sartre e os Judeus” (pp. 343 e ss). Com seu livro, o contrário do marxismo anti-semita. diz Henri Lévy, “em duzentas páginas, Sartre varre o amontoado de hipocrisias ou de compaixões perversas. E, para todos os judeus daquele tempo, para Claude Lanzmann, Jean Daniel, Robert Misrahi, Bernard Frank, foi como uma libertação e como a volta do ‘gosto de viver’ : ‘nesta terra, maravilha-se Lanzmann, há pelo menos um homem próximo a nós, que nos entendeu’”. E segue a análise de Lévy que discute três méritos no livro de Sartre. Deixo aos leitores a tarefa de reler a biografia, e sobretudo o texto de Sartre.

Lição de anti-maniqueísmo: mesmo um autor que escreve coisas indefensáveis (em especial o doutrinário Furacão sobre Cuba) existem ângulos meritórios e que ajudam a pensar as questões políticas e sociais de maneira livre de preconceitos.

Todas essas considerações surgiram em minha mente, ao ler o artigo abaixo, de um articulista brilhante, mas que nele segue os parâmetros oficiais da esquerda. Com a técnica retórica do paradoxo (usar algo aceito universalmente em sentido diretamente oposto) o articulista transforma a questão judaica no inverso : Israel, como sempre nas teses da margem esquerda, é culpado. Os verdadeiros judeus seriam os palestinos e seu ícone, as crianças. Como se crianças judaicas jamais tivessem sido atingidas por foguetes lançados pelo Hamas. Como se na Carta de Fundação do Hamas não estivesse programada (pela enésima vez) a destruição de Israel e dos judeus.

Lamentável, em todos os sentidos o artigo de hoje. Que merece leitura atenta e crítica.

Roberto Romano

Acentuo o parágrafo seguinte, no texto em pauta:

"Não será uma loucura todo esse raciocínio de Finkelstein? A odiosa perseguição antissemita ao capitão Dreyfus terminou em vitória contra o preconceito. A Segunda Guerra Mundial terminou em vitória contra Hitler. A insegurança dos judeus, no mundo ocidental, diminuiu a quase zero no Pós-Guerra.".

Não é verdade que que a "odiosa perseguição" anti semita "terminou em vitória contra o preconceito"É ignorar tudo o que ocorreu durante as duas Grandes Guerras, e ocorre até hoje, na França e na Europa, contra os judeus. O autor "esqueceu"o Holocausto. E outras ações virulentas contra os judeus, depois do caso Dreyfus e, sobretudo, devido à vitória comandada por Zola contra os racistas. A derrota de Hitler não gerou paz para os judeus. Leia-se, entre muitos analistas, um que não é judeu e na verdade é conservador (segue o pensamento de Schlelling contra Hegel e seus filhotes) : Eric Voegelin (Hitler e os Alemães). Alí o autor deixa claro como o sol a persistência do anti semitismo nas igrejas e universidades alemãs, sem falar nos organismos do Estado que surgiu no lado ocidental (na Alemanha oriental o anti semitismo seguiu o parâmetro de Moscou) da terra alemã. Diminuiu a quase zero a insegurança dos judeus nos Pós Guerra? Digamos isto às vítimas de atentados em sinagogas, às vítimas dos atentados em jogos olímpicos e a todas as vítimas que choram seus parentes, ontem, hoje e, com ajuda de intelectuais, amanhã.

São Paulo, quarta-feira, 14 de janeiro de 2009



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MARCELO COELHO

Somos todos judeus


Luta contra a opressão e o preconceito é traída nas ações ocorridas na Faixa de Gaza

É MUITO EXALTADO e revelador o artigo de Daniel Finkelstein, colunista do "Times" londrino, que o suplemento "Mais!" reproduziu neste domingo. Um trecho:
"A origem do Estado de Israel não está na religião ou no nacionalismo: está na experiência da opressão e do assassinato, no medo da aniquilação total e na conclusão amarga de que não foi possível confiar na opinião mundial para proteger judeus. Israel foi ideia de um jornalista. Theodor Herzl era o correspondente em Paris da "Neue Freie Press" quando testemunhou manifestações antissemitas violentas contra o capitão Alfred Dreyfus, judeu (...). Essa experiência levou Herzl a perder sua fé na assimilação. Ele se convenceu de que os judeus só poderiam viver em segurança se tivessem seu próprio país. Muitos judeus resistiram a sua conclusão durante muitos anos. (...) Mas a experiência de judeus de todo o mundo na primeira metade do século 20 (...) acabou confirmando a visão de Herzl. Assim, quando se pede a Israel que respeite a opinião mundial e confie na comunidade internacional, não se está compreendendo o ponto fundamental. A própria ideia de Israel é uma rejeição dessa opção. Israel só existe porque os judeus não se sentem tutelados da opinião mundial".

Não será uma loucura todo esse raciocínio de Finkelstein? A odiosa perseguição antissemita ao capitão Dreyfus terminou em vitória contra o preconceito. A Segunda Guerra Mundial terminou em vitória contra Hitler. A insegurança dos judeus, no mundo ocidental, diminuiu a quase zero no Pós-Guerra.

A criação de um Estado judeu no Oriente Médio tem sido o único fator a reverter esse processo.
A opinião pública mundial sempre esteve disposta a defender os judeus. Não mais, quando para reagir ao fundamentalismo cego do Hamas e do Hizbollah se matam as irmãs árabes de Anne Frank.
É justamente nesse momento que o articulista do "Times" se sente liberado para dizer que a opinião pública mundial não deve tutelar os judeus. "Opinião pública mundial" termina virando sinônimo, na verdade, do bom senso e da moralidade básica de qualquer ser humano.
Nada entendo de táticas de guerra, mas imagino que o Exército israelense, capaz de brilhantes operações como as de Entebbe e da Guerra dos Seis Dias, poderia conceber meios melhores para debelar os assassinos do Hamas do que mísseis que matam crianças e civis.
Israel dissemina o terror numa população que nem sequer tem condições de fugir. O terror, a fome e a miséria criarão novos militantes que nada têm a perder.
Quantas fotos, ao lado daquelas das crianças mortas, não mostram também crianças protestando e jogando pedras contra os judeus? O ódio é incutido desde cedo; semeia-se com bombas de última geração a insegurança de Israel nos próximos 20 anos.
Certamente, atos de violência e bombardeios localizados nem sempre são ineficazes. Mísseis caíram sobre o palácio do ditador líbio Muammar Gadafi e isso ajudou a torná-lo minimamente razoável.
Não sei se o mesmo acontecerá depois de Israel destruir tudo o que existe em Gaza. Mas sei que cada criança morta ali é também um atestado da morte moral do Estado judeu.
Quiseram construí-lo para segurança dos judeus? A interpretação é pobre, mas vá lá: o fato é que essa segurança pouco existe. Existe mais nas democracias ocidentais, de que o sionismo desconfiava tanto.
Quiseram construí-lo, numa interpretação melhor, em nome da moralidade e da inocência de um povo injustamente atacado e perseguido? Seria melhor cumprir então o que está atrás dessa ideia, e ser antes vítima que perseguidor, antes inocente que assassino.
Para mim, a sorte do judaísmo simboliza a sorte da humanidade toda, na exata medida em que não há Estado a defendê-la. O lar dos judeus, o verdadeiro lar, é um mundo em que todos sejam iguais. É este o lar que quero para mim, que me sinto judeu.
Pois são judeus todos aqueles submetidos à perseguição, ao preconceito e ao racismo. Judia é aquela criança carregada pelos pais, morta pelos mísseis de Israel.

coelhofsp@uol.com.br