terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Correio Popular de Campias, 21 de janeiro 2009

Publicada em 21/1/2009


Golpe à vista

Roberto Romano

A semana passada trouxe novos sinais de golpes contra o Estado democrático. O presidente, na Venezuela e Bolívia, cantou as glórias das reeleições indefinidas, como se elas fossem inscritas na alma “do povo”. Seguindo a crise econômica, a política se amesquinha como puro jogo de interesses grupais. Líderes da oposição operam mano a mano com o governante federal e seus áulicos. Obcecados por manobras e táticas palacianas, fazem o jogo do presidente. Os governadores de São Paulo e de Minas buscam agradar Luis Inácio da Silva e perdem a prudência. Imitam sem querer os líderes civis de 1964. Carlos Lacerda, Adhemar de Barros, Magalhães Pinto, candidatos à sucessão de Jango, flertavam com o presidente (menos Lacerda) e conspiravam com os golpistas. Espertos em demasia, terminaram na irrelevância.

Líderes tucanos alimentam equívocos que fornecem ocasiões para que Lula se eternize no poder. O Congresso tem expressiva presença do PSDB. Com os apertos de mão, as gentilezas e as coisas sérias ditas em segredo mitigado, os governadores tucanos dão lastro para uma entente cordiale no Parlamento, entre seguidores de Lula e nominais oposicionistas. Um acordo para modificar a Constituição no tocante às reeleições pode ser iniciado de modo a favorecer os oposicionistas. Mas nada garante a vitória no plenário, nada garante que as emendas e retalhos deixem de seguir rumo ao terceiro mandato. Generais sem tropa jamais garantem vitórias. Os líderes oposicionistas desdenham o apoio popular e confiam em demasia nos pactos entre gabinetes. Formados na ideologia da “vanguarda revolucionária”, muitos integrantes do PSDB se imaginam proprietários da “Realidade”.

Eles se unem, nesse ponto, aos seus primos do PT. As duas facções não possuem planos para a melhoria do Estado brasileiro. Ambas querem apenas controlar o poder Executivo. Elas já o tiveram nas mãos e fizeram o que bem lhes aprouve. As duas desprezam os demais poderes. Setores tucanos e petistas se irmanaram na imposição ao Brasil do obsceno privilégio de foro, permanente golpe contra a república que instaurou inédito regime, o da improbidade inviolável. Certos deputados chegaram a dizer que jamais seriam submetidos a “juizinhos de primeira instância”. No seu imaginário, o Estado se confunde com o Executivo e com a pessoa que ocupa o cargo supremo. Eles ignoram a imperativa alternância democrática.

Tais segmentos surgem da esquerda. Eles admiram Marx, mas nada entenderam do 18 Brumário de Luis Bonaparte Se tivessem aprendido algo com seu alegado mestre, tais políticos temeriam a realidade do poder que desejam: “ O executivo, com sua imensa organização burocrática e militar, com seu mecanismo estatal complexo e artificial, seu exército armado de funcionários (...) é espantoso corpo parasita que recobre como uma membrana o corpo da sociedade (...) e fecha todos os seus poros”. O moderno poder Executivo sufoca liberdades e arranca riquezas dos verdadeiros trabalhadores e capitalistas. Ele os troca por empresários à cata de verba pública para seus alvos privados e pelegos que o sustentam politicamente. Leiam, senhores, O 18 Brumário: nele, De te fabula narratur.

Para alimentar tais barganhas, diz Marx, vem o “imposto, fonte vital da burocracia, do exército, da Igreja e da corte, de todo o aparelho executivo. Governo forte e pesados impostos são sinônimos”. Marx escreveu frases que satirizam a esquerda marxista de hoje. Se os seus patronos teóricos são citados, zombam os adoecidos de realismo: “ah, os textos de Marx.. .a vida é outra, professor!”. O mesmo eles dizem da Constituição. Na sua fala, só nefelibatas se preocupam com leis, direito, alternância no poder. Eles se imaginam “realistas” quando olvidam os princípios democráticos e o direito. Com a ditadura do “nosso líder” sumirá o delírio “realista” dos que hoje operam na oposição nominal: virão as delações, as cadeias, a caça aos universitários etc. Mais a irrelevância dos tíbios que poderiam colocar sólida barreira contra o perene candidato à tirania.