Editorial : Anistia para a Itália
Para o ministro da Justiça, Tarso Genro, "não existe crise entre Brasil e Itália". Mas, mesmo não enxergando qualquer dificuldade diplomática que tenha surgido entre os dois países, mesmo não dando importância alguma ao fato de o embaixador italiano no Brasil ter sido chamado a Roma - o que na linguagem da diplomacia indica grave contrariedade de um país a atitudes tomadas por outro - e mesmo se sentindo inteiramente respaldado pela decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) haverá de tomar, contra a extradição de Cesare Battisti - no que se revela verdadeiro "profeta judicial", capaz de saber por antecipação o que decidirão os membros do Pretório Excelso -, nosso ministro da Justiça dá mostras de ter descoberto a causa original de toda a, digamos, frustração italiana, exacerbada pelo affaire Battisti: é que, ao contrário do que houve no Brasil, a Itália não contou, até agora, com uma lei de anistia (!!!).
Tentando "esfriar a crise" (para ele inexistente), no que obedece à orientação do presidente Lula - para quem a melhor coisa a fazer para superar o entrevero diplomático é adotar, unilateralmente, a postura de "fim de papo" -, Tarso Genro se dispõe a oferecer aos italianos sua reflexão jurídico-sociológica sobre o problema que sofre o país europeu, quanto à forma de lidar com o terrorismo havido em seu território na década de 1970. Disse ele: "Acho que esse, realmente, é um caso doloroso para a sociedade italiana. Como a Itália não teve uma lei de anistia, essas graves questões, dos anos 70, ainda não são cicatrizadas." Que este seja um "caso doloroso" para a sociedade italiana não resta a menor dúvida. Só que parece, no mínimo, uma impertinência uma autoridade governamental de outro país, que contribuiu gratuitamente para agravar essa dor - a não ser que não se considere gratuito o que tem motivação ideológica -, fazer interpretações como as perpetradas pelo ministro Genro.
Cada vez se torna mais claro que a concessão de refúgio ao criminoso italiano Cesare Battisti se deu por motivação "partidária e ideológica", como a avaliou o professor Roberto Romano: "Neste episódio, como tem sido a norma no governo Lula, o Brasil abriu mão de sua tradição diplomática. O Itamaraty sempre teve pauta independente do presidente, sobretudo de sua ideologia. Em vez de diplomacia, houve atuação partidária em escala internacional."
Com efeito, se houvesse uma preocupação apenas técnico-jurídica em tratar do caso de um condenado de país estrangeiro (uma plena democracia, sempre é bom lembrar), que cometeu quatro homicídios entre 1978 e 1979, que já estava preso por delito comum quando foi cooptado pelo movimento Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), e em razão dos assassinatos recebeu pena de prisão perpétua, o Ministério da Justiça brasileiro deveria atentar para a decisão insuspeita da Corte Europeia de Direitos Humanos (de Estrasburgo) que validou de modo inquestionável aquela condenação, por decisão unânime, prolatada em 12 de dezembro de 2006 - confirmando ter sido respeitado o devido processo legal, a defesa regular do réu, por advogados, assim como seu conhecimento de todos os procedimentos judiciais (mesmo sendo revel).
Não se contentando em recusar qualquer hipótese de rever a decisão tomada de conceder status de refugiado a Cesare Battisti (o que lhe é de direito), o ministro Genro vai além: quase chega a aconselhar aos italianos que façam uma lei de anistia (como fizemos), no que compara o sistema de governo italiano pós-fascismo ao da ditadura militar (que tivemos). Por outro lado, referindo-se a essa sua polêmica decisão, assevera: "Agora, o Supremo vai decidir quais os efeitos dessa decisão, mas não é o caso de examinar o mérito, e, sim, a constitucionalidade da norma que outorga ao ministro o direito de conceder refúgio e interrompe o processo de extradição." Quer dizer, o ministro Genro já delimita a órbita de atuação do STF, no caso, desqualificando-o para um eventual julgamento de mérito. Percebe-se, assim, que a generosidade dos doutos ensinamentos do jurista Tarso Genro não se restringe a aconselhamentos de lege ferenda a uma democracia europeia (à qual propõe uma lei de anistia), mas estende-se à mais alta corte de Justiça de nosso País, instruindo-a sobre como e o que deve julgar...