terça-feira, 13 de janeiro de 2009

No Correio Popular de Campinas, 14/01/2009

Publicada em 14/1/2009


Neutralidade simulada

Roberto Romano

Ao comentar a propaganda movida por Goebbels e companheiros, E. Auerbach a denomina “técnica do holofote”. Citarei a passagem inteira de Auerbach (Mimesis, a representação da realidade na literatura ocidental, São Paulo, Perspectiva, 1971), depois discutirei a atitude do Brasil, entre Israel e Hamas. A técnica do holofote “consiste em iluminar excessivamente uma pequena parte de um grande e complexo contexto, deixando na escuridão todo o restante que puder explicar ou ordenar aquela parte, e que talvez serviria como contrapeso daquilo que é salientado; de tal forma diz-se aparentemente a verdade, pois que o dito é indiscutível, mas tudo não deixa de ser falsificado, pois que, da verdade faz parte toda a verdade, assim como a correta ligação das suas partes. O público sempre volta a cair nestes truques, sobretudo em tempos de inquietação, e todos conhecemos bastantes exemplos disto, do nosso passado mais imediato. Contudo, o truque é, na maior parte dos casos, fácil de ser descoberto; mas falta ao povo ou ao público, em tempos de tensão, a vontade séria de fazê-lo; quando uma forma de vida ou um grupo humano cumpriram o seu tempo ou perderam prestígio e tolerância, toda injustiça que a propaganda comete contra eles é recebida, apesar de se ter uma semiconsciência do seu caráter de injustiça, com alegria sádica”.

No conflito entre Israel e Hamas, holofotes não percorrem o palco inteiro. Nada podemos fazer quanto às tentativas de manipular o público. Mas é possível e necessário definir a propaganda que impera em nosso país, cujos truques são homólogos ao do holofote. O mais hediondo reside na comédia do governo federal brasileiro, que insiste em se proclamar “neutro” no embate.

A citada posição do governo Lula não se fundamenta na verdade. O Itamaraty tudo faz para se aliar a potências como o Irã, Estado que mais se interessa em destruir Israel e age para executar aquele projeto. A política externa do Brasil, sob Lula e Marco Aurélio Garcia, segue os parâmetros da Venezuela. A diferença reside na dissimulação: Chavez apoia o Irã abertamente. Já os nossos dirigentes dissimulam o apoio aos inimigos do povo judeu. No mesmo passo em que o chanceler fala em diálogo com as partes, protocolos de comércio preferencial são definidos com o Irã e seus aliados. Quase nula é a relação, neste plano, com Israel.

Na semana passada o PT lançou um manifesto, obra-prima da técnica do holofote. O texto separa atos israelenses das causas que os produzem. E toma partido sem pesar o que ocorre nos dois lados. F. Bacon (Of Simulation and Dissimulation) diz o seguinte: “Existem três desvantagens na dissimulação: simular e dissimular trazem consigo uma exibição de medo, o que prejudica todos os negócios. E confundem pessoas que poderiam, de outro modo, cooperar com um indivíduo, e fazem com que ele fique solitário, caminhe sozinho rumo aos seus fins. O terceiro e maior inconveniente é retirar da pessoa o principal meio de ação, a confiança e a fé”.

O governo Lula pensa manipular a opinião pública mundial como o faz no País. Enquanto o presidente for ovacionado (ditadores do pretérito também receberam aplausos delirantes das multidões, graças à propaganda e aos interesses de grupos econômicos e políticos), as falas dissimuladas serão aceitas por setores da imprensa e da ordem política. Mas o Brasil não abarca a humanidade. Esta viu a matança de seis milhões de judeus. E sabe que o povo de Israel pode ser novamente sacrificado, aos milhões. Este, o panorama do palco, a sua totalidade. Este, o alvo do Hamas e dos grupos similares.

Quando as lutas forem interrompidas no Oriente Médio, menções serão atribuídas aos Estados. Ao Brasil será entregue a medalha de ouro da dissimulação, anulando qualquer acolhimento sério de nosso país na cena mundial. Como diz Bacon, confiança e fé definem a ordem pública. O Brasil do governo Lula ignora aquelas virtudes. Torquato Acetto escreveu sobre uma “dissimulação honesta”. Ele não previu a liliputiana razão brasileira de Estado.