Ao escrever contra a Diatribe sobre o Livre Arbítrio de Erasmo, Lutero foi ao ponto fraco do texto e pegou o seu antigo parceiro, digamos, desprevenido. O grande humanista, no desejo de argumentar de modo elegante, deitou na página um enunciado que afirmava ser pouco sério buscar o entendimento da onisciência divina, e da nossa livre vontade. Se é pouco sério pensar tais problemas, ataca Lutero, o que seria bem sério, religioso, merecedor de nosso respeito e conhecimento? Exasperado com as brincadeiras de esconde esconde erasmianas, Lutero não se contem e, num texto em latim, escreve em forte e grosso alemão : "Erasmo : Das ist zuviel!" Ou seja, você foi longe demais com as brincadeiras com algo sério. Os dois livros, De libero arbitrio (Erasmo) e De servo arbitrio (Lutero) deveriam ser leituras diárias, sobretudo em tempos de pastores eletrônicos que fazem exato o contrário do que ensinaram os dois grandes homens.
Agora, ao ler o texto abaixo, só pude exclamar : "Das ist zuviel, Eliane!".
"Das duas, uma: ou a competência virou pó (de fósforo?!), ou foi ordem superior para dizimar não apenas o inimigo Hamas, mas os palestinos da faixa de Gaza." (EC, abaixo)
A articulista poderia provar a segunda alternativa? Caso contrário, perde ela e perde o jornalismo, e perde a verdade.
"O Hamas ameaça da boca para fora 'varrer Israel do mapa'. E o governo de Israel, que deveria acolher o apoio internacional enquanto vítima, parecia agir para efetivamente tirar toda aquela área e toda aquela gente do mapa. Coisa para tribunais internacionais." (EC, abaixo)
De boca para fora ? Então, de fato, Israel é agressor e não vítima, certo? Se for assim, todo o resto do artigo é feito apenas para chegar à semelhante conclusão, não dita. Cara Eliane, além do "é demais", caberia pedir que assuma com clareza a posição dos inimigos de Israel, sem dramas, como é de direito democrático. Mas dançar com palavras traz o perigo do descrédito, o pior quando se trata de uma jornalista brilhante, que sempre admirei.
RR
São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2009
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice ELIANE CANTANHÊDE Obama, trégua e desconfiança BRASÍLIA - Um dos traços marcantes dos judeus, mundo afora, é o brilhantismo em campos variados, de arte a economia, de joalheria a agricultura. Isso se traduziu num "produto de exportação" de Israel: as áreas militar e de inteligência. Até aqui, na Colômbia, o Exército e os serviços de informação, que surpreenderam o mundo com a libertação de Ingrid Betancourt "sem uma gota de sangue", tiveram treinamento israelense, assim como norte-americano. Pois bem. Dia sim, dia não, Israel atingiu escolas da ONU, caminhão da ONU, depósito de doações da ONU e civis sob proteção da ONU na atual guerra, todos identificados. Das duas, uma: ou a competência virou pó (de fósforo?!), ou foi ordem superior para dizimar não apenas o inimigo Hamas, mas os palestinos da faixa de Gaza. O Hamas ameaça da boca para fora "varrer Israel do mapa". E o governo de Israel, que deveria acolher o apoio internacional enquanto vítima, parecia agir para efetivamente tirar toda aquela área e toda aquela gente do mapa. Coisa para tribunais internacionais. A guerra não acabou, e o cessar-fogo mais parece uma trégua para a posse de hoje de Barack Obama. O Brasil soma esforços e se integra a um movimento tácito mundial para reduzir a importância devastadora e a influência dos EUA sobre todo o resto, na economia, na política e no Oriente Médio. Mas, queiram ou não, quem tem poder e quase US$ 14 trilhões de PIB são os EUA. Que Obama use esse poder com bom senso e parcimônia. Pelas preces brasileiras, inclusive de Lula, para deixar de contaminar o mundo com a crise e irradiar recuperação; impor o fim do bloqueio a Cuba para se aproximar da América Latina e ser agente, não de guerras, mas de um acordo de paz que permita dois Estados: o de Israel, seguro, e o Palestino, viável. Obama, porém, é um símbolo atolado em interrogações. Tem muito a enfrentar, antes de convencer. |