quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Uma declaração pessoal.

O estilo usado na guerra ideológica e nas outras guerras me cansa, ou melhor, enjoa. Fico com nauseas porque não posso acreditar que o mundo, como tentou ensinar Mani, é apenas preto e branco.

Quando olho a natureza vejo o amarelo, o vermelho, o cinza, o verde, o azul, etc. com os seus matizes. Sinto o conforto de viver num cosmos e não por acreditar na romântica e rousseoísta "boa physis". Sei bem que a natureza é violência bruta que prossegue no animal humano.

Mas o estilo exibido nas tocaias ou em campo aberto reduz o universo noético a slogans (algo herdado tanto de Voltaire quanto de Joseph de Maistre) diminui o quadro mental às cores e formas duras. Procuro, sempre que possível, fugir da ótica maniqueísta. É claro que sempre me dei mal com a esquerda e a direita, com os católicos e protestantes, com todos os partidos e seitas.

Em situações nas quais que tive horror de mim mesmo, fui levado ao ataque pessoal, às teses como instrumento de aniquilação alheia. Não me orgulho de semelhantes recaídas, sob os ditames de Mani.

Em Araraquara ( eu ainda era um "jovem professor" de 35 anos, exilado na Unesp por decreto de uma seita imperante no Departamento de Filosofia da USP) uma aluna me perguntou qual seria o conteúdo do curso a ser dado por mim. "Maquiavel", respondi. E a réplica : "Numa universidade marxista se ensina Marx". Naqueles tempos, Marx ainda não era o "cão morto" de hoje. De bate pronto disse eu : "Errado, a universidade, pública ou particular, não pode ser marxista, católica, liberal ou macumbeira. Nela todas as expressões do pensamento humano devem e podem ser estudadas". E dei o tiro de misericórdia : "Se fosse uma universidade marxista, faria como fez Marx: nela seriam estudados Platão, Aristóteles, Vico, Adam Smith, David Ricardo, Hume, Camões, Shakespeare, etc., todos citados com rigor nos escritos de Marx".

Pensadores, por mais graves os seus erros teóricos e práticos, a partir do instante em que refletem com profundidade sobre os problemas humanos, merecem respeito. Quando alguém fala de Marx ou de Hegel (de Spinoza ou de Kant) como se fossem o padeiro da esquina, afirmando que tudo o que eles escreveram é inútil ou perigoso, tenho quase a certeza de estar diante de uma pessoa que não pondera. O mesmo sentimento surge quando alguém da esquerda diz jamais ter lido Hayek ou seus pares, mas luta contra o neo liberalismo. Daí vem a reação diante da animalidade, que de humana tem a forma talvez, mas cujo pensamento é nulo. Instintivo horror diante da carne sem espírito. Todos os que afirmam, sem pestanejar, que não leram e não gostaram de um autor filosófico, científico, historiográfico, jornalístico, jurídico, etc., no meu entender, não deveriam cumprir função alguma na cultura. Desculpem o aparente aristocratismo (ou real). Mas quem se nega a seguir os argumentos de outros e se aferra a certezas a priori é militante nazista, fascista, stalinista, maoísta, fundamentalista. Não exerce a função do pensamento.

Na graduação de filosofia, da velha e triste USP, tive uma colega cujo vezo era o seguinte: nos seminários dos cursos, quando chamada a examinar textos e conceitos de Spinoza, Kant, Hegel, Rousseau, era preparado por ela um seminário sobre Marx, Trotsky ou algum outro patrono do setor. No inicio da exposição surgia um pobre resumo dos textos a serem analisados. Após 10 minutos, a seminarista entoava a cantiga sectária : "até agora, vimos o que Spinoza disse.Vejamos o que Spinoza não disse e Marx disse". E desciam catadutas de slogans indemonstrados, verdades acacianas ou simplesmente tolices ideológicas.

Não apenas colegas agiam assim. Em inúmeros cursos nos mais de 30 anos de docência, encontrei alunos que se recusavam a ler autores clássicos da filosofia, porque eles seriam burgueses e porque a Verdade não residia neles, mas em Trotsky, Gramsci ou em outro ídolo qualquer. Não raro precisei provar conhecimento dos livros de Trotsky, etc. e convidear os fanáticos (o termo é o único cabível) para a leitura de autores cuja apreciação do mundo era uma benção de humanidade. Muitos doutrinados assim, após algum tempo, me procuraram para dizer que jamais suspeitariam o quanto Spinoza, Kant, Diderot e outros foram estratégicos.

Não abro meu Blog a comentários. Tenho ansias de vômito quando leio, em outros, expressões chulas próprias de bordéis desqualificados (na minha época, alguns bordéis finos existiam, alguns atingiram o estatuto de mitos para os moços, como o da Eni, em Baurú, os paulistas sabem do que falo). Comentários dignos da classificação "rampeira" (termo em desuso, mas que na minha juventude significava puta do pior escalão) surgem naquela área que, supostamente, deveria servir para troca de idéias, informações, etc. Os tais comentários babam ódio contra os "inimigos"a serem destroçados, sobretudo moralmente, e babam encômios ao líder, o tocador do Blog. E não importa a placa afixada no frontão: de esquerda ou direita, todos operam com expressões estereotipadas, certezas grupais e tribais, anátemas e palavrões contra quem ousa pensar diferente. Ética lamentável, indigna dos princípios comezinhos de civilidade e civilização.

Hoje ocorre um embate entre ideólogos da Itália e do Brasil. Os primeiros, em boa parte, são notórios defensores do racismo e, para ser elegante, fascismo. Lí na imprensa da Itália declarações etnocêntricas sobre "os brasileiros", "o Brasil". Uma delas dizia que o Brasil deve muito à Itália e agora paga com ingratidão. O mundo deve muito aos romanos que souberam se apropriar da cultura grega, egípcia, hebraica, mesopotâmica, etc. O mundo deve muito aos escritores do Renascimento que souberam retomar a herança múltipla dos romanos e da Igreja. Mas o mundo deve muito pouco, e na verdade o mundo tem imenso saldo credor diante da Itália fascista, mafiosa e bandida que exportou o crime e a corrupção, a Mafia e a Camorra, sem mencionar os tocadores secretos do "Banco do Santo Espírito" e tutti quanti para todos os continentes. O mundo deve muito a Norberto Bobbio. Este jurista e filósofo, apesar o espraiado anti semitismo na universidade italiana, escolheu um jurista de origem judaica, Hans Kelsen, para ser o parceiro dos diálogos sobre a lei, a democracia, etc. O mesmo Bobbio levou décadas buscando o diálogo respeitoso com a direita e com a esquerda. Não por acaso era respeitado em todos os setores políticos.

Nós, os brasileiros, incluindo os de origem italiana (a maioria saída da Itália para não morrer de fome ou para não ser esmagada pelos Signori e seus apadrinhados) não temos lição alguma de trabalho, honestidade, ética, etc. a receber da Itália comandada por Silvio Berlusconi ou pelos inúmeros "Padrinhos"que infestam a Itália, os EUA, e outras terras . Dou uma colher de chá: o corrupto Berlusconi talvez não represente a maioria do povo italiano. Ou talvez use a propaganda milionária de suas televisões para hipnotizar gente honesta e inteligente.

Mas o mesmo pode ser dito do Brasil. A seita que se apoderou do poder federal, bárbara mas esperta, não representa o país em todos os seus matizes. Só pessoas que não refletem imaginam que as "pesquisas de opinião" sejam portadoras de veracidade. Como o nome diz, elas espelham a doxa imperante, a revolta dirigida contra um Congresso corrompido, uma classe política ignara e contrária à república (sou dos poucos que não se cansam e denunciam o privilégio de foro nesta terra).

A diplomacia de hoje, no Brasil, dirigida por ideólogos e por diletantes, acolhe um terrorista. Boa parte da opinião pública brasileira se indigna contra o procedimento. Integro o setor que julga ser contrário às regras do direito internacional o feito do Ministério da Justiça, do Itamaraty e da Presidência. Eles usaram a lei para favorecer evidente criminoso. Apesar do Procurador Geral da Justiça, favorável à permanência do indivíduo no Brasil, a questão ainda não está decidida no STF.

Mas ainda é cedo, e sempre será demasiado cedo, para atacar a honra e a dignidade dos brasileiros sob pretexto de criticar o governo de plantão. Est modus in rebus. O costume de reduzir a nossa gente a lixo, e lamber as botas (agora também em sentido geográfico) dos outros países serve apenas como elemento corruptor de nossos costumes. Uma coisa ridícula (com origem grega e passada aos modernos) é a doutrina sobre o "caráter"dos povos. "O frances é assim, o ingles é assado, o alemão é...". Falta base lógica, empírica, científica para tais juizos de valor. Quando alguém fala, repetindo os racistas do século 19, "o brasileiro é preguiçoso, desonesto, etc", sempre pergunto se o falante conhece pessoalmente os milhões de seres humanos enquadrados no artigo definido "o ". Quem fala, naquele instante, quase sempre, é Gobineau. O suposto falante apenas cumpre a missão, pouco gloriosa para o pensamento, de medium que transmite mensagens do Além, de uma verdade transcendente ao tempo e ao espaço, logo de um não conhecimento (favor reler a Crítica da Razão Pura).


Volto ao universo da poikilia: como diz Tertuliano, o real é multicolor, versicolor.... o poeta acertou em cheio : "mundo, mundo, vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria rima, não seria solução". Indivíduos "combativos" tem causas. E causas são ídolos devoradores, sanguinários. "Os deuses tem sede" diziam os lúcidos do século 18. O coração dos fanáticos é cativo dos idolos, eles jamais serão mais vastos do que o mundo.

RR