Chamou-me atenção a entrevista à Radioagência NP, da professora e especialista em cultura árabe da Universidade de São Paulo (USP), Alerne Clemesha. Ela repete alguns elementos históricos sobre a origem dos conflitos (massacres) de 1948 que, para dizer o mínimo, são bastante controversos.
Acredito que quando fala da nova historiografia israelense, mas sem citar as fontes, ela refere-se a Ilan Pappe, que escreveu livro polêmico e refutado por outros historiadores, inclusive os da nova historiografia. Benny Morris, citado no meu texto, é um deles. Claro que todos devem ser lidos, incluindo o Pappe. Pappe é um crítico virulento da proposta dos dois estados. É citado com freqüência pelos esquerdistas anti-semitas como fonte para identificar o mal no Oriente Médio com a origem do estado judaico. Conseqüência lógica, extirpe-se o mal e o sacrossanto equilíbrio (proporcionalidade) se restabelecerá no Oriente Médio. Nem preciso dizer que já vimos esse filme muitas vezes na história.
Pappe nasceu em Israel. Tem ou teve militância esquerdista e anti-sionista. Se não me engano, foi um dos fundadores do Partido Comunista em Israel. No entanto, muitos o estão ativando (duvido que a maioria o leu) como justificativa para o velho anti-semitismo hoje disfarçado de anti-sionismo.
A historiografia israelense não nos é facilmente acessível. Tenho lido apenas alguns artigos que encontrei na internet. Sobretudo os artigos do historiador Efraim Karsh: Resenha do livro "A Grande Guerra pela Civilização" de Robert Fisk - Por Efraim Karsh
http://josepapomisc.blogspot.com/2007/08/resenha-do-livro-grande-guerra-pela.html
Resenha do livro "A Muralha de Ferro" de Avi Shlaim - Por Efraim Karsh
http://josepapomisc.blogspot.com/2007/08/resenha-do-livro-muralha-de-ferro-de.html
O tradutor indica os links para as versões nos originais em inglês.
Recentemente, encontrei um artigo do historiador Efraim Karsh sobre um livro do Benny Morris. Ele discute exatamente essa questão da ativação da nova historiografia como arma de combate do anti-semitismo militante. Ainda não li o artigo todo, mas gostei do que li:
Benny Morris's Reign of Error, Revisited
The Post-Zionist Critique
http://www.meforum.org/article/711
Encontrei, mas também ainda não li, um artigo em um blog espanhol sobre um livro do Efrain (Empires of the Sand) que questiona o que o autor chama de mito da espoliação européia no Oriente Médio após a queda do Império Otomano.
http://neoconomicon.blogspot.com/2006/12/imperios-de-las-arenas-i.html
Mas volto à entrevista da professora especialista da USP :
RNP: Como você analisa a figura do Hamas nesse conflito?
AC: O Hamas é um partido político. Independentemente da sua casta de fundação ou teor religioso do partido, o Hamas vem declarando e a imprensa não divulga que gostaria de realizar conversas para reconhecer o Estado de Israel. Isto não está escrito na sua carta [do partido], mas eles têm dado declarações. Mas por que não colocam isso na carta? Porque seria como entregar para Israel a única troca que o Hamas teria. Israel ainda não reconhece direito ao Estado palestino. Por mais que se possa criticar o Hamas por seu aspecto religioso, trata-se de um partido. Imagine só se fosse o governo palestino, por exemplo, dizendo que o governo eleito do Likud [partido do ex-primeiro ministro israelense Ariel Sharon] deve ser derrubado por ele ser religioso. Ninguém aceitaria, mas seria exatamente a mesma coisa. Só se aceita isso porque existe na cabeça das pessoas toda uma preparação ideológica para aceitar que o árabe é terrorista.
Faltou expressar com clareza uma inverdade assumida pela entrevistada. Só lhe faltou dizer que a imprensa não divulga porque é controlada pelo lobby judeu.
Segue o meu texto:
Não existe algo como um Estado secular ou democrático no mundo árabe. O Islã é a religião oficial de Estado em praticamente toda nação árabe. A hipótese de um Estado laico palestino secular e democrático é uma ficção inventada no Ocidente. A proposta dos "dois Estados" é correta e vem sendo apresentada desde 1937, mas sempre de algum modo recusada por uma mesma parte.Por que Israel conseguiu fazer acordos de paz com a Jordânia e com o Egito e não conseguiu até hoje fazer o mesmo com os representantes palestinos? Jamais foi oferecido aos palestinos um Estado próprio.
Histórico
Na verdade, os líderes palestinos recusaram várias propostas para criar um Estado independente:
1.Em 1937, a Comissão Peel propôs a partilha da Palestina e a criação de um Estado árabe.
2.Em 1939, o Livro Branco britânico propôs a criação de um Estado árabe somente, mas os árabes rejeitaram o plano.
3.Em 1947, as Nações Unidas teriam criado um Estado árabe ainda maior como parte do seu plano de partilha.
4.Israel não controlou a Cisjordânia entre 1948 e 1967. Os palestinos poderiam ter exigido dos jordanianos um Estado independente.
5.Em 1979, as negociações de paz entre Egito e Israel ofereceram autonomia aos palestinos, o que poderia conduzir à independência plena.
6.O processo de Oslo, iniciado em 1993, apontava para a criação de um Estado palestino.
7.Em 2000, o primeiro-ministro Barak se dispôs aceitar a criação do Estado palestino, mas Arafat rejeitou o acordo.
Razões político-religiosas das recusas:
Muitas explicações são apresentadas para justificar a recusa dos líderes palestinos. Nas palavras de Abba Eban (proeminente político israelense. Atuou no Mapai, partido político de esquerda de Israel que se fundiu em 1968 com o Partido Trabalhista): as lideranças palestinas nunca perderam uma oportunidade de perder uma oportunidade. O historiador Benny Morris considera que os palestinos têm razões religiosas, históricas e práticas para se opor a um acordo com Israel. Ele diz que Arafat e sua geração não podem abrir mão do sonho da grande terra de Israel para os árabes (porque) essa é uma terra sagrada. Dar al-Islam (o mundo do Islã) já esteve em poder dos muçulmanos e é inconcebível (para eles) que infiéis como nós (os israelenses) a recebamos. Os palestinos também acreditam que o tempo está ao seu lado. Eles acham que a demografia vai derrotar os judeus em cem ou 200 anos, assim como foi com os Cruzados. (Citado por Bard, M.G. Myths & Facts: A Guide to the Arab-Israeli Conflict. In: http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/myths2/cover.html)
Além de médico, Mahmud al-Zahar é fundador e um dos principais líderes do Hamas. Ele confirma as análises de Benny Morris. Abaixo, partes reveladoras do pensamento político-religioso do chefe do Hamas em uma entrevista em 2005, pouco antes de Israel desocupar a faixa de Gaza. Al-Zahar é considerado hoje o principal chefe político do Hamas em Gaza.
Note-se, principalmente, a coerência das suas respostas em 2005 com os princípios programáticos da carta de fundação do Hamas de 1988.
P: ¿No concibe usted la posibilidad de que esta tierra pertenece tanto a judíos como a musulmanes y que todos juntos deberán hallar la forma de compartirla, sin guerras?
R: En 1492 España erradicó la existencia de los judíos del país y en esa ocasión, así como en muchas otras, la tierra islámica fue la única capaz de recibirlos. Pero vivían bajo el control islámico, bajo el régimen islámico. Bajo el Islam, todos tienen derecho a vivir como musulmanes, con igualdad de derechos y deberes. Pero no pueden vivir como los dueños de Palestina, especialmente considerando que es tierra "waqf", o sea pertenece sagradamente a la nación islámica. Esto no puede ser propiedad particular ni siquiera de musulmanes, o sea que es inaceptable que los dueños sean judíos o cristianos. TIENEN QUE VIVIR AQUÍ COMO MUSULMANES, JUDÍOS O CRISTIANOS PERO NO BAJO LA BANDERA DEL SIONISMO SINO DE ISLAM, QUE ÉS LA RELIGIÓN DE ESTA ZONA.
P: ¿Para usted, no sólo Cisjordania y la Franja de Gaza son territorio ocupado, sino que todo el territorio de Israel lo es?
R: Estemos hablando de 1948, o de 1956, de la ocupación de 1967, o de la ocupación del Líbano en 1982 y luego en 2000 la nueva ocupación de nuestra tierra, lo que hay es ocupación, algo ilegal. Un metro cuadrado de tierra ocupada, es una existencia ilegal.
P: ¿Eso significa que no los puede aceptar en el marco de un Estado? En su opinión, el Estado de Israel todo es ilegal ....
R: Si, con mayúscula, es ilegal, es una gran ilegalidad.
P: O sea que si Israel realmente cumple con el plan de retirada de la Franja de Gaza nada estaría cambiando...
R: Esos se van de nuestra zona no porque nos den un regalo sino porque fracasaron en el enfrentamiento con nuestro pueblo. No es un obsequio a los palestino, sino porque han sido derrotados. Hace un año decían que Netzarim es parte de su seguridad nacional y ¿por qué se van ahora? Por la lucha armada efectiva y sus pérdidas en Zaitun, porque allí dejaron sus cuerpos, por la efectiva guerra de los túneles, por nuestros sacrificios. Repito por centésima vez: no nos están regalando nada, sino que han sido derrotados. Por eso se van.
P: Mi pregunta es si acaso cuando Israel se vaya nada habrá cambiado porque de todos modos seguirá habiendo otras tierras que usted considera ocupadas, no sólo en Cisjordania, sino también lo que es el Estado de Israel propiamente dicho. ¿Cree que algo estará comenzando a cambiar de fondo si Israel realmente se retira de Gaza o es un pequeñísimo punto en el mapa?
R: Nuestra tierra no es la Franja de Gaza o Cisjordania, sino TODA PALESTINA. Cuatro millones viven fuera de Palestina, aunque su patria está en Haifa y Jaffa. Nuestra patria es toda Palestina, lo repito.
P: Desde el río hasta el mar.....
R: Desde el río hasta el mar, de norte a sur, desde Egipto hasta Líbano. Esta es la TIERRA SAGRADA, es lo más sagrado para el Islam y no aceptamos que esté ocupada por nadie, ni judíos ni cristianos. Ni siquiera musulmanes seculares deberían establecer un Estado en esta zona, porque es waqf islamico (waqf é o nome árabe para dotação religiosa.).
P: ¿Usted concibe la posibilidad de reconocer alguna vez al Estado de Israel?
R: No, le diré varias veces, no, no, no, no. Puede preguntarme varias veces y ésta seguirá siendo la respuesta.
P:¿Y existe la posibilidad de negociaciones o diálogo con Israel?
R: ¿Para qué tenemos que dialogar? Ya hay una Autoridad palestina que admira el diálogo y considera que el diálogo es una política estratégica.
P: Usted usa un tono sarcástico al hablar de la Autoridad palestina como quien "admira" las negociaciones.¿Cree que la ANP comete errores de fondo?
R: Claro que sí, comete errores fundamentales. Ellos fueron a Oslo, reconocieron a Israel a cambio de nada, negociaron en España, en Taba, trataron todo con los israelíes y lo que nos trajeron fue un cero absoluto.
In: Ana Jerozolimski. Editorial Semanario Hebreo. 15 de setiembre de 2005
http://letras-uruguay.espaciolatino.com/jerozolimski/nunca_reconoceremos.htm