quinta-feira, 30 de abril de 2009

Um artigo alienado, hoje, na Folha.

"Lamentamos que a Folha se refira ao Congresso Nacional em termos tão ofensivos. (...) O funcionamento das instituições democráticas infelizmente gera custos. Ditaduras, não. Ditaduras são, desse ponto de vista estreito, baratas. Basta um ditador com desfaçatez absoluta. Não são necessários os Legislativos. Não precisa nem de imprensa livre.É claro que, nesse caso, somos forçados a renunciar a certos ´luxos democráticos´. Como poder escrever editoriais ofensivos ao Congresso Nacional e aos Legislativos de países vizinhos.". Do artigo abaixo, publicado hoje na Folha de São Paulo.

Não sou adepto de jogar no lixo todos os elementos de qualquer filosofia. No caso da tradição hegeliano-marxista, um termo interessante já tinha sido posto fora pelos próprios marxistas na década de 60, do século 20. Aquele termo foi considerado "não científico" pelos seguidores de Louis Althusser. ele seria o fruto da fase "liberal e humanista" do jovem Marx, com os defeitos todos que, na mente dos estalinistas de então, os nomes de liberal e humanista evocavam. Além, claro, de "cosmopolita" (o ódio contra este último reinou a partir do instante em que foi proclamado o "socialismo num só país").

O termo tem origem nos textos da "burguesia" filosófica, forjado desde o século 16 e com plena vigência nas teorias do contrato social, no século 18. Ele tenta descrever a propriedade de si mesmo e das coisas, pelo sujeito humano. A consciência humana pode estar presente a si mesma (em sua casa, para usar a metáfora mais antiga da filosofia grega) ou estar ausente de si mesma, perdida em outro (o senhor feudal, a Igreja, Deus ou diabo). Daí, a doutrina de Rousseau sobre a não entrega da consciência aos donos do mundo e a instauração do contrato social, sem que o indivíduo perdesse sua liberdade.

Qual o termo? Alienação. Na lingua dos alemães, em especial na de Hegel e de Marx, ele se traduz por três vocábulos diversos, com sentidos distintos. Existe alienação como Entäusserung , que aponta para a saída de si do sujeito, sem conotação negativa ou positiva, como no ato de respirar. Quando respiramos, saímos de nós mesmos, mergulhamos no ar circundante, voltamos para nós. Alienação, neste plano, não ostenta nenhuma perda, mas define uma permanência no Ser dos entes vivos.

Outra palavra para alienação é Veräusserung. Aqui, temos um movimento voluntário de exteriorização do ser humano. O trabalho, as técnicas, etc. exigem que "saiamos de nós mesmos", e nos coloquemos no interior da natureza e da cultura, forjando instrumentos apropriados às coisas que desejamos formar. O aspecto dessa alienação é volitivo, com maior grau de ação do sujeito, mas não é necessáriamente negativo. O trabalho não é sempre perda da liberdade.

A terceira palavra é Entfremdung, o estranhamento, quando o sujeito perde a presença a si mesmo, não é mais senhor de si. No trabalho alienado, ocorre esta perda de si mesmo, em proveito alheio. É como se fossemos estranhos em nossa própria morada (como ao acordar, notamos que nosso corpo não é mais humano, mas tem a forma de uma barata). Quando estamos neste estado de alienação, ignoramos as nossas relações normais, desconhecemos limites entre o que é certo e o que é errado, o moral e o imoral. Podemos fazer ou suportar coisas insuportáveis em condições adequadas de vida.

Diante das frases extraídas do artigo abaixo, com tristeza, só posso concluir que os autores, no instante em que o Congresso, por culpa própria, sem intervenção alheia, chega ao mais baixo nível de credibilidade pública, estão imersos na lamentável Entfremdung. Eles não sabem o que fazem ou o que fizeram os seus pares. E ousam dar lições de democracia e liberdade.

Triste assim.

RR




São Paulo, quinta-feira, 30 de abril de 2009



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TENDÊNCIAS/DEBATES

Carta aberta à Folha

DR. ROSINHA, CLÁUDIO DIAZ, PEDRO SIMON e ALOIZIO MERCADANTE


Os "mercocéticos" talvez considerem que o Mercosul e seu Parlamento não têm relevância. Discordamos


ESTE JORNAL , em editorial de 14/4, com o agressivo título "Cabide parlamentar", acusa o Congresso de "ilimitada desfaçatez" por estar estudando a implantação de quatro vagas para a representação dos brasileiros que vivem no exterior e de 75 vagas, a partir de 2014, para o Parlamento do Mercosul.

Lamentamos que a Folha se refira ao Congresso Nacional em termos tão ofensivos. Ademais, como a proposta de criação da representação direta para o Parlamento do Mercosul vem sendo discutida em conjunto com políticos da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, a ofensa se estende aos legisladores desses países.

Os parlamentares do Mercosul não estão agindo com desfaçatez. Na realidade, estão só tentando cumprir o previsto no Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul. Esse protocolo, assinado pelos Poderes Executivos, é um compromisso internacional ratificado pelos Estados-partes do Mercosul. Ele prevê, em seu artigo 6º, que "os parlamentares serão eleitos pelos cidadãos dos respectivos Estados-partes, por meio de sufrágio direto, universal e secreto".

Assim, a atual fase do Parlamento do Mercosul, na qual os parlamentares são designados a partir de seus Legislativos nacionais, representa uma "primeira etapa de transição", que terá de terminar, conforme o protocolo, em 31/12/10.

Agregue-se que o protocolo também determinou que a proposta com o número de parlamentares por país para que se estabeleça a representação direta teria de ser aprovada no Parlamento até 31/12/07. O Paraguai, inclusive, já realizou eleições diretas para eleger seus representantes.

Portanto, essa discussão, longe de ser oportunista, está muito atrasada. E está atrasada por um motivo: havia resistências a que o Brasil tivesse um número maior de representantes. Essas resistências estavam sendo duramente negociadas. Elas só foram vencidas na reunião do último dia 28, na qual acordou-se que, no período entre 2010 e 2014, o Brasil, em consonância com a austeridade que a crise demanda, terá só 37 parlamentares.

Os "mercocéticos" talvez considerem que o Mercosul e seu Parlamento não têm relevância. Discordamos. Hoje, o Mercosul tem grande importância para todos os países do bloco. Se incluirmos também os Estados que participam de sua área de livre comércio, veremos que o Mercosul foi responsável, em 2008, por cerca de 19% das exportações brasileiras, ao passo que os EUA responderam por 14%. Saliente-se que essa corrente de comércio regional é fortemente superavitária para o Brasil, tendo gerado, no ano passado, US$ 14,4 bilhões de saldo positivo, mais da metade do saldo total (US$ 24,8 bilhões).

Mas a importância maior do Mercosul é estratégica, política e social, o que implica paciente criação de cidadania comum, a qual consolidará o bloco. Para tanto, o Parlamento do Mercosul é fundamental.

Esse jovem Legislativo regional vem elaborando propostas relativas ao enfrentamento conjunto da crise, ao reconhecimento de títulos e diplomas, à livre circulação de trabalhadores, à harmonização da legislação trabalhista e previdenciária, bem como a outros temas substanciais. O Parlamento já é também um relevante órgão mediador de conflitos bilaterais, como o relativo a Itaipu.

O fato de haver conflitos comerciais no Mercosul não obsta a criação de um Parlamento regional inspirado no Parlamento Europeu. Pelo contrário: a experiência europeia mostra que a criação de instituições supranacionais contribui para a superação dos conflitos.

Considere-se, além disso, que os processos de integração regionais não podem prescindir de instituições democráticas multilaterais que os consolidem no interesse do cidadão comum. Assim, a construção do Parlamento do Mercosul faz parte de uma tendência de paulatina implantação de cidadanias multinacionais.

Por último, lamentamos que a Folha se oponha aos avanços democráticos regionais com base em mensuração precipitada e exagerada dos seus custos financeiros. O funcionamento das instituições democráticas infelizmente gera custos. Ditaduras, não. Ditaduras são, desse ponto de vista estreito, baratas. Basta um ditador com desfaçatez absoluta. Não são necessários os Legislativos. Não precisa nem de imprensa livre.

É claro que, nesse caso, somos forçados a renunciar a certos "luxos democráticos". Como poder escrever editoriais ofensivos ao Congresso Nacional e aos Legislativos de países vizinhos. Essa liberdade, a Folha certamente concordará, não tem preço.


FLORISVALDO FIER , o Dr. Rosinha, 58, médico e servidor público, é deputado federal (PT-PR).
CLÁUDIO DIAZ , 55, veterinário e pecuarista, é deputado federal (PSDB-RS).
PEDRO SIMON , 79, advogado e professor, é senador da República (PMDB-RS).
ALOIZIO MERCADANTE , 54, economista e professor, é senador da República (PT-SP).
Os autores assinam o texto em nome dos congressistas integrantes da Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul.