quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Correio Popular de Campinas, 16/09/2009

Publicada em 16/9/2009


Imprensa e censura

Roberto Romano

O populismo cesarista segue, na América do Sul, o modelo napoleônico. E nele, o remédio para a ordem política é a censura. Na semana passada ocorreu a invasão de O Clarín por grosseiros Torquemadas disfarçados de agentes fiscais. Ficou evidente o cala a boca tentado por uma governante que opera em condomínio de poder com seu marido, o ex-presidente Kirchner. Família que reprime unida, permanece unida. Caudilhos de todos os sexos e confissões querem aplausos da imprensa, mas não possuem verba para comprar os encômios. No modelo brasileiro, um pouco mais rico do que os demais, os “vivas” ao presidente são adquiridos com farta propaganda oficial que socorre os outrora nanicos veículos da esquerda e jornais de pequenos tiranos regionais. De um modo ou de outro, os periódicos são ameaçados, comprados, vendidos. Com sua alienação desaparece a diversidade opinativa.

A imprensa, na história moderna, atenua o segredo de Estado e os demais sigilos (da vida privada à religiosa, sem deixar de lado a economia). Ela, no entanto, insere-se num complexo de interesses que a tornam atriz e vítima dos poderes. Todas as facções nela percebem uma aliada, quando não instrumento, se o alvo é divulgar os seus intentos, procurando identificá-los ao “interesse geral”. Empresas, bancos e cúpulas eclesiásticas, políticos ou militares, partidos e seitas, todos a cortejam na busca de popularizar a sua “mensagem”, obter lucros e favores de governos, ameaçar concorrentes. E todos os sectários a criticam quando não conseguem efetivar, por seu intermédio, aqueles fins.

A história da imprensa, desde o século 18, exibe perene choque contra o segredo, em especial o de Estado. Para conseguir leitores, os jornais que traziam notícias políticas ofereciam informes sobre projetos governamentais (economia, comércio, militares), estatísticas, orçamentos dos países sobre a potência militar, taxas de nascimentos e mortes, importação e exportação. Trata-se de apaziguar, diz um historiador, a fome generalizada de informação. Este labor estatístico “era um ato deliberado, político, com ele se pretendia desvelar o segredo com o qual os governos absolutistas se envolviam, para gerar as bases de um debate público”. (G. Schuck, in Barker, H.: Press, Politics and the public Sphere in Europe and North American 1760-1820, Cambridge University Press, 2002).

No Brasil colônia não existia liberdade de imprensa, porque sequer as impressoras eram permitidas. Os portugueses aceitavam com relutância as Luzes na metrópole. As colônias eram destinadas às trevas do espírito. Não é coincidência o fato: os inconfidentes tinham o projeto simultâneo de criar uma fábrica e uma universidade. Foram punidos pelo desejo assim expresso.

Com Dom João a ignorância oficial permanece intocada. Cito um trabalho especializado no assunto. A partir de 1820, Dom Pedro “inicia uma nova fase da tipografia nacional: promove a liberdade de imprensa, a instalação de novas oficinas tipográficas e de livrarias. É de fato impressionante o número de estabelecimentos tipográficos que se espalham pelas províncias do país: (...) Na Corte, onde há maior concentração de novas atividades urbanas, o aumento é ainda mais significativo: em 1808, contam-se apenas 2 livrarias e 1 tipografia na cidade. Em 1829, já são 9 livrarias, 7 tipografias e 1 fundidora de tipos. Na sua grande maioria, essas oficinas se voltam para a produção de jornais, dada a emergência do periodismo político e do seu papel de relevo na formação da opinião pública durante o Primeiro Reinado”. (M. M. Deaecto: Um Editor no quadro político do primeiro império: o caso de Pierre Seignot-Planchet, 1824-1832). A autora traz o comentário de Caio Prado Jr.: “É graças a essa liberdade que existiu ampla e sem peias nessa época, que os brasileiros puderam ficar ao par do movimento democrático que surgia em Portugal, lutar contra o absolutismo e estabelecer uma política que lhe permitiu progredir rapidamente”.

Nossos políticos se aproximam do velho modelo colonial, censor e truculento, e se afastam da imprensa livre, a quem devemos o pouco que usufruímos de modernidade.