Comentário: horror similar ocorreu no Camboja, só que no Camboja foi pior. Horror similar em Cuba, no Irã, etc. Horror, horror. E sem democracia, não existe saída. É por isto que sou contra toda e qualquer ditadura, de esquerda ou direita, religiosa ou atéia. Quem opta pela ditadura (seja qual for o seu disfarce ideológico) escolhe a tortura, a morte dos vencidos, o exílio, e toda desgraça para sua gente. Líderes políticos não valem os sofrimentos que aplicam aos governados, especialmente se a MENTIRA usada por eles é a salus populi. Se existe dogma da Igreja em que acredito, é o do Inferno. Não é justo, é um escândalo da razão como diria Kant, que um Hitler, um Stalin, um Mao, um Fidel, Um Franco, um Salazar, um Pinochet, e ditadores coletivos como os da Argentina, sigam para o paraíso ou para o Nada. O nada é um prêmio à sua violência. Acredito no Inferno para tiranos. Na terra, para evitar que eles surjam, acredito na democracia. Nela, os atos do governo são vigiados, com legitimidade, pelos que pagam impostos. Nas ditaduras, impostos são pagos para que nossos amigos, familiares, visinhos sejam vilipendiados em seu corpo e alma. Ditadura, jamais!
Cartas de Buenos Aires, por Gisele Teixeira* do Blog do Noblat
Incontinência verbal
A confissão aconteceu em 2007 durante um jantar, num restaurante de uma ilha paradisíaca de Bali, na Indonésia. Difícil imaginar uma conversa tão horrível em um lugar tão lindo, mas foi assim.
O piloto argentino Julio Alberto Poch, que então trabalhava para a companhia aérea holandesa Transavia (que pertence à Air France-KLM), entre um drinque e outro, contou a seus companheiros que durante a ditadura militar (1976 a 1983) havia pilotado os chamados vôos da morte. E deu detalhes.
Os prisioneiros eram levados em furgões a um aeroclube, normalmente à noite. Ao chegarem, recebiam uma injeção de Pentotal (um sonífero), eram embarcados em aviões e, após dormirem, jogados ao mar sem roupas, para que não houvesse nenhuma possibilidade de identificação.
Às vezes, tinham as barrigas abertas para que as vísceras se espalhassem no mar e, assim, os corpos afundassem mais rápido. Ou, em outras palavras, não boiassem.Os holandeses, claro, ficaram horrorizados e o denunciaram à justiça do país. Começou aí uma investigação – em total sigilo - que foi finalizada na terça-feira passada com a prisão de Poch, numa escala da viagem Amsterdam-Valência.
Era seu último vôo antes da aposentadoria. Foi preso pela polícia espanhola quando, coincidentemente, estava acompanhado da mulher e de um dos filhos. Tem apenas 57 anos. Os passageiros do avião não ficaram sabendo de nada.Aqui, longe de tudo, me delicio com os detalhes da operação, me delicio com as sutilezas do destino. Esfrego as mãos, satisfeita. Essa prisão, é claro, deve ter sido noticiada no Brasil, mas como a semana passada o noticiário foi muito dominado por Honduras, achei melhor relembrar.
Pelo menos relembrar seu contexto. Poch é o segundo piloto detido por atirar pessoas vivas ao mar durante a ditadura. O primeiro foi Adolfo Scilingo, em 1995, o primeiro repressor a confessar participação em vôos deste tipo. Segundo ele, os vôos saíam uma vez por semana, com cerca de 15 a 30 pessoas. Dessa forma, confirma, devem ter sido “eliminadas” uma 4.400 pessoas.
Dizem que há centenas de envolvidos, talvez milhares. Membros das Forças Armadas e também civis – desde os motoristas dos furgões até os enfermeiros que ministravam as injeções e inclusive apenas simples testemunhas, que acompanhavam as operações.Os mais jovens possuem pouco mais de 50 anos e os mais velhos estão com cerca de 90. Alguns enlouqueceram. Não puderam viver com o segredo de terem jogado ao mar pessoas vivas, drogadas, indefesas, desnudas, desde aviões em pleno vôo em direção ao vazio.
Os depoimentos são assustadores.
Rubén Ricardo Ormello, que em 1976 era cabo e tinha 21 anos, foi mecânico e prestou serviços para a área militar. Relatou a seguinte história. “Uma vez trouxeram uma gorda que pesava como 100 quilos, e a droga não havia feito efeito suficiente. Quando íamos jogá-la ao mar se acordou e se agarrou ao avião. A filha da puta não se soltava. Tivemos que carregá-la a patadas até que foi à merda”, recorda, sem arrependimentos.
A confissão aconteceu em 2007 durante um jantar, num restaurante de uma ilha paradisíaca de Bali, na Indonésia. Difícil imaginar uma conversa tão horrível em um lugar tão lindo, mas foi assim.
O piloto argentino Julio Alberto Poch, que então trabalhava para a companhia aérea holandesa Transavia (que pertence à Air France-KLM), entre um drinque e outro, contou a seus companheiros que durante a ditadura militar (1976 a 1983) havia pilotado os chamados vôos da morte. E deu detalhes.
Os prisioneiros eram levados em furgões a um aeroclube, normalmente à noite. Ao chegarem, recebiam uma injeção de Pentotal (um sonífero), eram embarcados em aviões e, após dormirem, jogados ao mar sem roupas, para que não houvesse nenhuma possibilidade de identificação.
Às vezes, tinham as barrigas abertas para que as vísceras se espalhassem no mar e, assim, os corpos afundassem mais rápido. Ou, em outras palavras, não boiassem.Os holandeses, claro, ficaram horrorizados e o denunciaram à justiça do país. Começou aí uma investigação – em total sigilo - que foi finalizada na terça-feira passada com a prisão de Poch, numa escala da viagem Amsterdam-Valência.
Era seu último vôo antes da aposentadoria. Foi preso pela polícia espanhola quando, coincidentemente, estava acompanhado da mulher e de um dos filhos. Tem apenas 57 anos. Os passageiros do avião não ficaram sabendo de nada.Aqui, longe de tudo, me delicio com os detalhes da operação, me delicio com as sutilezas do destino. Esfrego as mãos, satisfeita. Essa prisão, é claro, deve ter sido noticiada no Brasil, mas como a semana passada o noticiário foi muito dominado por Honduras, achei melhor relembrar.
Pelo menos relembrar seu contexto. Poch é o segundo piloto detido por atirar pessoas vivas ao mar durante a ditadura. O primeiro foi Adolfo Scilingo, em 1995, o primeiro repressor a confessar participação em vôos deste tipo. Segundo ele, os vôos saíam uma vez por semana, com cerca de 15 a 30 pessoas. Dessa forma, confirma, devem ter sido “eliminadas” uma 4.400 pessoas.
Dizem que há centenas de envolvidos, talvez milhares. Membros das Forças Armadas e também civis – desde os motoristas dos furgões até os enfermeiros que ministravam as injeções e inclusive apenas simples testemunhas, que acompanhavam as operações.Os mais jovens possuem pouco mais de 50 anos e os mais velhos estão com cerca de 90. Alguns enlouqueceram. Não puderam viver com o segredo de terem jogado ao mar pessoas vivas, drogadas, indefesas, desnudas, desde aviões em pleno vôo em direção ao vazio.
Os depoimentos são assustadores.
Rubén Ricardo Ormello, que em 1976 era cabo e tinha 21 anos, foi mecânico e prestou serviços para a área militar. Relatou a seguinte história. “Uma vez trouxeram uma gorda que pesava como 100 quilos, e a droga não havia feito efeito suficiente. Quando íamos jogá-la ao mar se acordou e se agarrou ao avião. A filha da puta não se soltava. Tivemos que carregá-la a patadas até que foi à merda”, recorda, sem arrependimentos.
Conto essa história porque na semana passada falei da belle époque portenha. Mas a cidade tem também outra faceta. E para entender Buenos Aires é preciso conhecer as duas.
É preciso visitar seus palácios, mas também a ESMA, a Escuela Superior de Mecánica de la Armada, principal centro de extermínio de prisioneiros durante a ditadura, que desde 2004 abriga um espaço dedicado à memória e a promoção da defesa dos direitos humanos. Dois lados de uma história, que talvez não sejam tão independentes como possa parecer à primeira vista.
*Gisele Teixeira é jornalista. Trabalhou em Porto Alegre, Recife e Brasília. Recentemente, mudou-se de mala, cuia e coração para Buenos Aires, de onde mantém o blog Aquí me quedo (giseleteixeira.wordpress.com), com impressões e descobrimentos sobre a capital portenha.