sábado, 19 de setembro de 2009

Veja Edição 2131 / 23 de setembro de 2009

Comportamento

Sinto muito. E daí?

Quem comete uma grosseria, sobretudo figuras públicas,
tem de se desculpar. A questão é saber se o pedido é sincero,
se não culpa o ofendido e, mais importante, se o ofensor se redime

Christopher Polk/Getty Images

Kanye West, 32 anos, rapper

Ofensa: quando a cantora Taylor Swift agradecia o prêmio de melhor vídeo feminino, roubou o microfone e disse que Beyoncé era muito melhor.

Desculpas: no blog ("Mas o clip de Beyoncé é o melhor da década"), no blog de novo e mea culpa em programa de TV três dias depois

Grau de sinceridade: médio - o que mais fazer quando se é condenado até por Obama?


VEJA TAMBÉM

Foi uma semana de gestos mal-educados, seguidos dos obrigatórios pedidos de desculpas, envolvendo gente conhecida, que deveria se comportar melhor. O deputado republicano Joe Wilson interrompeu um discurso do presidente Barack Obama no Congresso, o que por si só é grosseiro, e disse que estava falando mentiras. A tenista Serena Williams, na semifinal de um campeonato perdido, despejou palavrões sobre uma juíza de linha que apitou falta sua. Kanye West, o rapper desmiolado, tirou o microfone da mão da cantora Taylor Swift, que agradecia seu prêmio de melhor videoclipe, para aclamar outra concorrente, Beyoncé. O ambiente politicamente esquentado do momento nos Estados Unidos e a coloração da epiderme dos envolvidos pioraram a situação, com acusações de racismo, racismo invertido e outros exageros. O colunista George Will atribuiu a temporada de cabeças quentes à cultura do "exibicionismo emocional" em alto grau. "Achamos que é terapêutico pôr os sentimentos para fora, por mais destemperados que sejam, e que, se é terapêutico, é bom", reclamou, com o mau humor habitual. Descortesias feitas, vieram os pedidos de desculpas de praxe. Assunto encerrado? Contrição pública resolve a questão? "Um pedido de desculpas pode amenizar alguma coisa entre as partes envolvidas, mas quem viu a explosão fica com a primeira imagem da grosseria. Ele só vai ter algum efeito se for feito em alto e bom som, diante do maior número de pessoas possível", ensina a consultora de imagem Renata Mello, de São Paulo. "O pedido de desculpas é infinitamente menor que o ato de grosseria. Ele é esperado pela opinião pública, mas ela já julgou quem é vilão e quem é vítima. O descontrole acaba sendo o que fica na cabeça das pessoas", concorda outra especialista, Ilana Berenholc, com uma atenuante para o agressor: "Eventualmente, tudo é esquecido. Para sorte de quem fez o escândalo, sempre virá outro para tomar seu lugar".

O melhor pedido de desculpas é direto e deve expressar arrependimento verdadeiro. O pior é o enrolado e patentemente falso. "O pedido tem de ser o mais curto possível, com as palavras perdão e desculpe. Quanto mais elaborados os termos, mais falso o pedido. Muita elaboração é retórica, que é o ato de enganar por excelência", ensina Roberto Romano, professor de ética e filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). No universo das grosserias, porém, quem pede perdão quase sempre arranja um jeito de, ao mesmo tempo, se justificar. Serena insistiu: a falta foi injusta (e foi, mas dizer que queria matar a juíza e fazer isso e aquilo com a bolinha pega mal). Kanye West, chamado de "babaca" pelo próprio Obama, insistiu: o clipe de Beyoncé é o melhor da década. Joe Wilson também: lamentou ter dito o que disse, mas continuou achando que a referência no discurso presidencial sobre o atendimento médico a imigrantes clandestinos não bate com os fatos (e a reforma no sistema de saúde, tema em questão, é tão enrolada que ele pode não estar errado). Culpar o ofendido é um método que soma a injúria à ofensa. "Ao começar sua fala dizendo que, ‘se alguém se sentiu ofendido, peço desculpas’, o sujeito está na verdade perdoando os burros que não entenderam o que ele queria dizer", explicita o professor Romano.

Caso exemplar é o do jogador Ronaldo. No fim de abril do ano passado, fora de forma, sem time e sem torcida, envolveu-se com travestis e foi parar numa delegacia do Rio de Janeiro. Só falou no assunto, em entrevista na TV, uma semana depois, mas foi bem orientado. Obra de Kiki Moretti, dona da assessoria de comunicação que cuidava de sua imagem na época: "Eu disse que ele tinha de se mostrar como um ídolo que sai do Olimpo, erra e se desculpa, como qualquer mortal. Que tinha de se desculpar com a namorada e os fãs. Dirigir as desculpas é bom para que não fiquem soltas no ar, sem foco. Que devia esclarecer alguns episódios do incidente, como o fato de não saber que se tratava de travestis, mas que o assunto se encerraria aí. Por fim, o mais importante: depois da desculpa, falar do futuro – que ia perder peso, voltar a fazer gol, recuperar-se". Ronaldo falou e cumpriu. E, principalmente, voltou a fazer gols. Perdoadíssimo.

Mark Wilson/AFP

Joe Wilson, 62 anos,
deputado republicano

Ofensa: no meio de um discurso de Barack Obama sobre a reforma no sistema de saúde, gritou: "É mentira"

Desculpas: "Meus comentários foram inadequados e lamentáveis. Peço sinceras desculpas ao presidente pela descortesia"

Grau de sinceridade: baixo - e continuou achando que, na substância, estava certo



Emmanuel Dunand/AFP

Serena Williams, 27 anos, tenista

Ofensa: na semifinal do US Open, manifestou à juíza que lhe aplicou falta o desejo de fazê-la deglutir a bolinha, em termos algo mais rudes

Desculpas: "Embora não concorde com a falta injusta, no calor da batalha deixei que minha emoção falasse mais alto"

Grau de sinceridade: baixo - o mínimo indispensável para
escapar só com multa de 10 000 dólares