Terça-feira, 15 de Setembro de 2009
Negociar com Irã é como transar com quem lhe odeia
Christopher Hitchens
Do The New York Times
Azar Nafisi escreveu em seu livro, "Lendo Lolita em Teerã", que "morar na República Islâmica é como fazer sexo com alguém que você odeia". Esse veredito tem ganhado cada vez mais força e pungência conforme passam os anos e mais e mais mulheres são apedrejadas, enforcadas, espancadas, estupradas e silenciadas. E as últimas notícias dão conta de que homens iranianos também estão sendo estuprados na cadeia por tentar exercer seu direito ao voto. E agora o governo dos Estados Unidos chegou ao ponto em que deve se perguntar: Como é negociar com um homem que lhe odeia e todas as sextas-feiras conduz orações públicas pedindo a sua morte.
As manchetes da última sexta-feira anunciam que a administração Obama aceitou o convite do Teerã, feito na quarta-feira anterior, para que tenham o que o New York Times chamou de "conversas incondicionais". Logo em seguida, foi anunciado que a administração levou "menos de 48 horas" discutindo se deveria aceitar ou não ao convite, o que salienta um detalhe singelo, ainda que interessante, de que esta deve ter sido a decisão mais significativa tomada pela equipe do presidente Barack Obama no oitavo aniversário dos ataques de 11 de setembro.
Eu apoio completamente essas conversas sem condições pré-estabelecidas. Já disse várias vezes que eu acho que devemos oferecer nossa cooperação aos iranianos em uma variedade de tópicos, especialmente o de "preparar" o Irã contra o terremoto eminente que poderia devastar sua capital. Pode também haver um interesse em potencial em termos inimigos em comum no Talibã e na Al-Qaeda.
Mas as coisas mudaram um pouco desde que o presidente e sua secretária de estado digladiaram sobre a palavra "incondicional" nas primárias. Primeiro, está cada vez mais claro que o programa de centrifugação e enriquecimento de urânio do Irã tornou possível sua capacidade de armamento nuclear. Segundo, ficou obscenamente óbvio que a teocracia está preparada para governar puramente pela força e tomar as medidas mais aviltantes para permanecer no poder sem precisar de mandato.
Portanto, seria bom saber, mesmo sem "condições pré-estabelecidas", se a administração levou dois pontos em consideração. O primeiro é: Será que podemos realmente esperar que a República Islâmica negocie honestamente as condições relacionadas a seu programa nuclear? E a segunda é: O que sabemos sobre o efeito dessas ditas conversas para a moral e liderança da oposição iraniana?
Pode-se presumir que o regime do presidente Mahmoud Ahmadinejad tenha tido suas próprias razões para colocar em pauta um documento propondo negociações e incluindo o Reino Unido, França, Rússia, Alemanha e China - justamente os países que têm relações comerciais com o Irã - no convite. A carta foi enviada no mesmo período em que o governo russo se opôs a fazer sanções ao Irã por falta de cooperação, no mesmo período em que Ahmadinejad anunciou que o Irã nunca iria parar seu programa de combustível nuclear e às vésperas da aparição de Ahmadinejad no pódio das Nações Unidas no final deste mês.
Perdoe meu ceticismo, mas não será possível que essa iniciativa do Teerã seja mais uma tentativa de ganhar tempo?
Enquanto isso, não há dúvida de que pelo menos três dos seis países abordados estejam sendo convidados a negociar com certa coerção. Numa violação imperdoável de imunidade diplomática (uma expressão um tanto familiar), funcionários das embaixadas da França e do Reino Unido no Teerã foram presos e julgados publicamente desde o levante que resultou do golpe tramado pela Guarda Revolucionária em junho. E o correspondente iraniano da revista Newsweek - que também possui cidadania canadense - foi mantido prisioneiro por quase o mesmo período de tempo. Sem querer insistir nas "condições pré-estabelecidas", não parece muito exigir que o regime iraniano não mande convites a países cujos cidadãos ou diplomatas estejam sendo mantidos como refém.
E na mais relevante questão da omissão do Irã com relação a seus avanços em produzir armas nucleares, e do silêncio diplomático inconcebível de falar do seu próprio programa, a declaração da embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Susan Rice, não foi muito reconfortante. Ela declarou que a administração Obama não iria impor "prazos artificiais" a Ahmadinejad. Por que isso não é reconfortante? Porque é impossível saber o que ela quis dizer por "prazo artificial". Quem preferiria um prazo "real" em que, por exemplo, as Nações Unidas exigissem que o Irã demonstrasse o cumprimento das resoluções de proliferação nuclear do Conselho de Segurança - e todos sabem que há muitas delas - ou enfrentar sanções impostas pela ONU? Claro que ninguém, mas não parece que era isso a que Rice se referia.
Ao que tudo indica, então, parece ser mais uma daquelas tramoias dos mulás. E será que o Departamento de Estado ou a CIA se deram ao trabalho de, naquelas 48 horas em que a decisão estava sendo discutida, tomar depoimentos dos líderes da sociedade civil iraniana? Levando em conta o prazo tão curto, parece que a ideia sequer lhes ocorreu. Eis o que eu ouvi do professor Abbas Milani, diretor do departamento de estudos iranianos da Universidade de Stanford:
"Quando ler a carta iraniana e perceber como ela é vazia de imparcialidade, o que ela de fato é, não restará outra opção a não ser concluir que eles estão contando com seu aliado na Rússia de Putin para vetar qualquer resolução contra eles. Para os russos poderem sequer fingir seriedade no seu discurso contra impor mais pressão ao regime, o Teerã também precisou fingir que essa era uma negociação séria.
Essa análise parece englobar todos os fatos disponíveis sobre a questão. Talvez excessivamente parecido com fazer sexo com alguém que lhe odeia.Christopher Hitchens é jornalista, escritor e colunista de Vanity Fair e Slate Magazine. É autor do livro "Deus não é Grande: como a religião envenena tudo". Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.
As manchetes da última sexta-feira anunciam que a administração Obama aceitou o convite do Teerã, feito na quarta-feira anterior, para que tenham o que o New York Times chamou de "conversas incondicionais". Logo em seguida, foi anunciado que a administração levou "menos de 48 horas" discutindo se deveria aceitar ou não ao convite, o que salienta um detalhe singelo, ainda que interessante, de que esta deve ter sido a decisão mais significativa tomada pela equipe do presidente Barack Obama no oitavo aniversário dos ataques de 11 de setembro.
Eu apoio completamente essas conversas sem condições pré-estabelecidas. Já disse várias vezes que eu acho que devemos oferecer nossa cooperação aos iranianos em uma variedade de tópicos, especialmente o de "preparar" o Irã contra o terremoto eminente que poderia devastar sua capital. Pode também haver um interesse em potencial em termos inimigos em comum no Talibã e na Al-Qaeda.
Mas as coisas mudaram um pouco desde que o presidente e sua secretária de estado digladiaram sobre a palavra "incondicional" nas primárias. Primeiro, está cada vez mais claro que o programa de centrifugação e enriquecimento de urânio do Irã tornou possível sua capacidade de armamento nuclear. Segundo, ficou obscenamente óbvio que a teocracia está preparada para governar puramente pela força e tomar as medidas mais aviltantes para permanecer no poder sem precisar de mandato.
Portanto, seria bom saber, mesmo sem "condições pré-estabelecidas", se a administração levou dois pontos em consideração. O primeiro é: Será que podemos realmente esperar que a República Islâmica negocie honestamente as condições relacionadas a seu programa nuclear? E a segunda é: O que sabemos sobre o efeito dessas ditas conversas para a moral e liderança da oposição iraniana?
Pode-se presumir que o regime do presidente Mahmoud Ahmadinejad tenha tido suas próprias razões para colocar em pauta um documento propondo negociações e incluindo o Reino Unido, França, Rússia, Alemanha e China - justamente os países que têm relações comerciais com o Irã - no convite. A carta foi enviada no mesmo período em que o governo russo se opôs a fazer sanções ao Irã por falta de cooperação, no mesmo período em que Ahmadinejad anunciou que o Irã nunca iria parar seu programa de combustível nuclear e às vésperas da aparição de Ahmadinejad no pódio das Nações Unidas no final deste mês.
Perdoe meu ceticismo, mas não será possível que essa iniciativa do Teerã seja mais uma tentativa de ganhar tempo?
Enquanto isso, não há dúvida de que pelo menos três dos seis países abordados estejam sendo convidados a negociar com certa coerção. Numa violação imperdoável de imunidade diplomática (uma expressão um tanto familiar), funcionários das embaixadas da França e do Reino Unido no Teerã foram presos e julgados publicamente desde o levante que resultou do golpe tramado pela Guarda Revolucionária em junho. E o correspondente iraniano da revista Newsweek - que também possui cidadania canadense - foi mantido prisioneiro por quase o mesmo período de tempo. Sem querer insistir nas "condições pré-estabelecidas", não parece muito exigir que o regime iraniano não mande convites a países cujos cidadãos ou diplomatas estejam sendo mantidos como refém.
E na mais relevante questão da omissão do Irã com relação a seus avanços em produzir armas nucleares, e do silêncio diplomático inconcebível de falar do seu próprio programa, a declaração da embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Susan Rice, não foi muito reconfortante. Ela declarou que a administração Obama não iria impor "prazos artificiais" a Ahmadinejad. Por que isso não é reconfortante? Porque é impossível saber o que ela quis dizer por "prazo artificial". Quem preferiria um prazo "real" em que, por exemplo, as Nações Unidas exigissem que o Irã demonstrasse o cumprimento das resoluções de proliferação nuclear do Conselho de Segurança - e todos sabem que há muitas delas - ou enfrentar sanções impostas pela ONU? Claro que ninguém, mas não parece que era isso a que Rice se referia.
Ao que tudo indica, então, parece ser mais uma daquelas tramoias dos mulás. E será que o Departamento de Estado ou a CIA se deram ao trabalho de, naquelas 48 horas em que a decisão estava sendo discutida, tomar depoimentos dos líderes da sociedade civil iraniana? Levando em conta o prazo tão curto, parece que a ideia sequer lhes ocorreu. Eis o que eu ouvi do professor Abbas Milani, diretor do departamento de estudos iranianos da Universidade de Stanford:
"Quando ler a carta iraniana e perceber como ela é vazia de imparcialidade, o que ela de fato é, não restará outra opção a não ser concluir que eles estão contando com seu aliado na Rússia de Putin para vetar qualquer resolução contra eles. Para os russos poderem sequer fingir seriedade no seu discurso contra impor mais pressão ao regime, o Teerã também precisou fingir que essa era uma negociação séria.
Essa análise parece englobar todos os fatos disponíveis sobre a questão. Talvez excessivamente parecido com fazer sexo com alguém que lhe odeia.Christopher Hitchens é jornalista, escritor e colunista de Vanity Fair e Slate Magazine. É autor do livro "Deus não é Grande: como a religião envenena tudo". Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.
Parece que apenas Obama e a agenda do Partido Democrata não enxergam isto. Como sempre os Democratas agem de maneira hipócrita e tentam inutilmente tourear inimigos perigosos como Ahmadinejad e seus fanáticos, tática que apenas os fortalece. Depois precisa surgir um Repúblicano para fazer o serviço sujo e corrigir as besteiras dos Democratas.